Ciência
18/10/2022 às 11:01•3 min de leitura
Em maio desse ano, um levantamento divulgado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) constatou que o percentual de brasileiros endividados bateu novo recorde em abril: 77,7% das famílias fecharam o mês com alguma pendência, um salto de 10,2 pontos percentuais com relação à parcela do ano passado, que correspondia a 67,5%.
Em um ano, proporção de famílias com dívidas ou contas em atraso foi de 27,8% em março para 28,6% em abril, com uma variação de 4,3 pontos percentuais. O indicador de inadimplência do Serasa aponta que o perfil etário dos inadimplentes é de 26 a 40 anos, representando 35,2% dos endividados totais, de 66,8 milhões. A pesquisa do CNC ainda apontou que os carnês de lojas configuram 18,2% dos motivos de inadimplência, seguido pelo financiamento automotivo, com 11,2%.
Para o presidente da CNC, José Robert Tadros, a tendência é que o endividamento se mantenha em alta devido à inflação nas alturas e dos juros de mercado mais elevados, aumentando o quadro do endividamento dos brasileiros.
(Fonte: Pixabay)
Diante do número de 63 milhões de endividados no Brasil em 2019, o professor de finanças do Insper, Ricardo Rocha, argumentou que há pessoas com condições para organizar sua vida financeira e sair do vermelho, como é popularmente dito, mas o problema também se concentra na falta de educação financeira.
Em escala nacional, essa mudança poderia começar, para ele, a partir do quadro de nomes de algumas linhas de crédito, como o cheque especial. Alterar para algo como "crédito emergencial" poderia causar um grande impacto na hora do indivíduo utilizar o recurso.
Por outro lado, Rocha incentiva a propagação dos programas de educação financeira, que cresceram muito nos últimos 20 anos, porém que se concentram ainda no currículo das classes privilegiadas, quando são os pobres que têm problemas com as próprias finanças.
(Fonte: Carta Capital/Reprodução)
Ana Laura Barata, especialista em investimentos e fundadora do canal no YouTube Explica Ana, também compartilha da mesma ideia de Rocha, ao ressaltar que a falta de consciência financeira pode estar atrelada ao baixo ensino nas escolas em todas as esferas, e também à barreira social criada por parte da população por achar um tópico difícil.
“Os programas deveriam trabalhar mais a questão de como se comportar ao contratar crédito e se perguntar por que contratar”, ressalta o professor, em entrevista ao Correio Braziliense. A concepção de que o crédito é um vilão foi mal formada, porque, na verdade, é apenas sua má utilização a grande questão.
“Na hora em que o consumidor vai às compras, a primeira coisa que ele faz é pesquisar os preços. O próprio site do Banco Central mostra que existem diferenças significativas entre as taxas das instituições. As pessoas precisam adquirir o hábito de pesquisar isso também”, aconselhou Rocha sobre como o crédito é um produto como qualquer outro e, por isso, é necessário que seja trabalhado o seu consumo.
(Fonte: Werther/Estadão Conteúdo/Reprodução)
O endividamento das famílias brasileiras têm crescido de maneira expressiva desde 2010, depois que a política monetária nacional – que tem como um de seus objetivos o controle da demanda de crédito – levou à queda das taxas de juros básica da economia de 2005, que eram de 19,75% ao ano, para 10,75% em 2010. Isso criou um forte estímulo ao crédito no Brasil, visto que a redução da taxa de juros pelo Banco Central dos países tende sempre a estimular a demanda para consumo e investimento.
Os fatores socioeconômicos contribuem – e muito – no alto índice de endividamento. O desemprego, insuficiência de renda ou perda do poder de compra, ocupam os primeiros lugares dos motivos para inadimplência financeira, como mostrou a pesquisa realizada pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), realizada em 2019. Os dados apurados mostram que o desemprego é o motivo em 30,2% das menções, seguida pela diminuição de renda, mencionada por 29% dos entrevistados.
O problema também está associado com o que a Organização Mundial da Saúde (OMS) configura como “doença do século” – a depressão e ansiedade. O relatório global do órgão, que avaliou o número de pessoas diagnosticadas com depressão e crise de ansiedade entre 2007 e 2017, identificou que o número de depressivos no mundo correspondia a 322 milhões, e 24,6 milhões de ansiosos.
(Fonte: Getty Images)
Dos 48,16 milhões de indivíduos que sofrem com o problema emocional no continente americano, quase 3 milhões estavam no Brasil (atualmente esse número está em 11 milhões), correspondendo à maior taxa do continente latino-americano, e pode estar associada à consciência de um nome sujo.
Isso porque a diminuição gradativa ou até bruscamente do poder de compra/consumo, aliada à dificuldade em acessar o crédito e obter um empréstimo para quitar as dívidas, são fatores que desencadeiam ansiedade e podem levar a uma depressão. Abrir mão de pequenos hábitos e produtos que dão prazer também contribui para o quadro clínico.
O professor de psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Eduardo Fraga, alerta que, dependendo dos casos, perfil e história de vida de cada pessoa, o fator estressante pode desencadear até maior ingestão de bebidas alcoólicas e algumas substâncias ilícitas.
Mesmo que um cenário de recuperação econômica comece a ganhar forma, o endividamento praticamente endêmico do brasileiro será tão complicado de controlar quanto pôr a economia em ordem novamente.