Saúde/bem-estar
08/04/2023 às 13:00•3 min de leitura
Após décadas de tensões, disputas de fronteira, divergências territoriais e políticas, a Guerra Irã-Iraque eclodiu em 22 de setembro de 1980, motivada por temores de que a Revolução Iraniana de 1979 inspirasse insurreição entre a maioria xiita reprimida do Iraque, bem como o desejo do mesmo em substituir o Irã como Estado dominante do Golfo Pérsico.
Nesse cenário, também tinham o então presidente iraquiano Saddam Hussein querendo o controle total sobre ambas as margens do rio Shatt al-Arab que, historicamente, sempre atuou como a fronteira dos dois países.
Os Estados Unidos entraram do lado iraquiano sob a justificativa de que o Iraque possuía um programa de armas de destruição em massa e representava uma ameaça para a nação e seus aliados. O ex-secretário do Estado, Henry Kissinger, disse que "era uma pena que ambos [Irã e Iraque] não pudessem perder a guerra", deixando claro a opinião do governo americano sobre a guerra.
(Fonte: Wikimedia Commons)
Como resultado, o conflito militar durou 8 longos e destrutivos anos, reduziu cidades a pó, causou a morte de mais de um milhão de pessoas, com o Iraque acumulando uma dívida externa de mais de US$ 100 bilhões.
E os americanos tiveram parte nisso tudo até no final da guerra, quando a Marinha dos EUA derrubou acidentalmente o Voo 655 da Irã Air com 290 civis a bordo.
(Fonte: PH2 Elliot/U.S. Navy/Wikimedia Commons)
Em meados de 1988, a guerra estava diminuindo após 8 anos de destruição, e a maior tarefa dos americanos era patrulhar o Golfo Pérsico para monitorar a situação, protegendo as rotas de petróleo de ataques aéreos. Ainda que as regras do engajamento na guerra pela Marinha não tenham sido claras, os navios foram instruídos a serem cautelosos para evitar que os EUA entrassem na guerra ou causassem um "incidente internacional".
Os americanos faziam isso com o cruzador USS Vincennes, com 9.600 toneladas, sob o comando do capitão Will C. Rogers III que, de acordo com um correspondente do Oriente Médio, havia agido de forma imprudente e agressiva em junho daquele ano com a maneira como desempenhava o patrulhamento do golfo.
No começo da manhã de 3 de julho de 1988, o USS Vincennes e outro navio americano entraram em conflito com o inimigo no Estreito de Ormuz. Não muito longe daquela região, às 10h17 do horário do Irã, decolou de uma escala o Voo 655 da Irã Air em um Airbus A300, partindo do Aeroporto Internacional de Bandar Abbas, no Irã, rumo ao Aeroporto Internacional de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
(Fonte: Aeroprints/Wikimedia Commons)
A aeronave estava carregada com 290 passageiros, dos quais 16 eram tripulantes, e a viagem estava prevista para terminar em menos de 30 minutos. Após a decolagem, o capitão Mohsen Rezaian, de 37 anos, foi direcionado pela torre Bandar Abbas para ligar seu transponder e prosseguir viagem sobre o Golfo Pérsico, em um voo de rotina pelo corredor aéreo comercial Amber 59, uma pista com 32 km de largura em linha reta, para o aeroporto de destino em Dubai.
A 4.300 metros de altitude, em um voo simples e padrão de curta distância, o avião transmitia o código squawk correto típico de uma aeronave civil, e mantinha contato de rádio em inglês com as instalações apropriadas de controle de tráfego aéreo. Não tinha como ela ser confundida com o inimigo, mas mesmo assim foi.
(Fonte: Stuff.co/Reprodução)
Às 10h47, o USS Vincennes captou em seu radar a presença do Airbus A300 e, dois minutos depois, emitiu um sinal pedindo para se identificar. Às 10h51, outro aviso foi emitido, com a Marinha alegando que alertou o avião por sete vezes, das quais três foram por um canal civil e quatro por um canal militar. Vale ressaltar, porém, que, mais tarde, a Marinha também disse que o avião começou a descer, mas isso foi desmentido.
Após esses avisos sem resposta, às 10h51, o voo da Irã Air foi declarado hostil. Em 3 minutos, a Marinha dos EUA disparou dois mísseis terra-ar SM-2MR pelo cruzador USS Vincennes.
Às 10h54, o voo 655 da Irã Air foi obliterado no ar, matando todos os 290 passageiros, dos quais 66 eram crianças. Os restos do aparelho caíram na água e nenhum dos navios americanos tentou ajudar ou procurar sobreviventes, mesmo ao detectar o erro fatal.
Alguns corpos foram recuperados do golfo e enterrados sob uma revolta social imensa, com o Irã chamando o incidente de “massacre bárbaro”, enquanto o povo cantava “morte à América” em uníssono pelas ruas. A princípio, o Pentágono negou qualquer participação no incidente até que uma perícia mais detalhada revelou o erro da Marinha.
(Fonte: The New York Times/Reprodução)
Em uma declaração, o Departamento de Defesa concluiu que o Irã também era responsável pela tragédia por permitir que uma aeronave civil voasse em uma região hostil, concluindo que o resultado de qualquer conduta negligente ou culposa não deveria ser atribuída apenas ao pessoal da Marinha dos EUA. Foi ressaltado também que o aeroporto de onde partiu o voo era usado pelos militares iranianos para ataques.
A reviravolta, no entanto, só veio em dezembro daquele ano, quando a Organização Internacional de Aviação Civil, após uma longa investigação, concluiu que a culpa era dos EUA porque nenhum de seus navios na área tinham o equipamento necessário para escutar as frequências do controle de tráfego aéreo civil, o que teria facilmente identificado o jato de passageiros e impedido a tragédia sem precedentes.
Apesar disso, os EUA não aceitaram o erro e apenas lamentaram toda a situação, premiando com a medalha de Legião do Mérito o capitão Will C. Rogers III, responsável por acionar os mísseis que destruíram a vida de 290 inocentes.