Ciência
05/09/2022 às 03:57•5 min de leitura
As Olimpíadas de Munique, em 1972, ficaram marcadas na história pelo ataque terrorista que tirou a vida de 11 atletas israelenses. O desastre aconteceu em uma terça-feira, 5 de setembro de 1972, o 11º dia do evento, faltando menos de 1 semana para tudo acabar, no domingo seguinte.
Três décadas depois do Holocausto, o time de Israel ia às Olimpíadas na Alemanha para mostrar que o passado havia ficado para trás. Em uma triste ironia, vários de seus atletas acabaram morrendo nesse mesmo país, "na mão" de terroristas palestinos — e, em parte, pela incompetência da polícia alemã. Entenda como esse desastre aconteceu.
As Olimpíadas são uma celebração da união entre os povos e da superação de limites dos atletas, com disputas saudáveis dentro das arenas esportivas. Era nesse clima que a Alemanha preparou os Jogos de Munique 1972, cujo slogan era “Os Jogos da Alegria”. A ideia, além disso, era mostrar um país otimista e moderno, depois que as Olimpíadas de 1936 foram cooptadas por Hitler como propaganda do Partido Nazista.
Exatamente 7134 atletas de 121 países foram para Munique, incluindo 81 do Brasil. Chiaki Ishii ganhou nossa 1ª medalha no judô, e Nelson Prudêncio garantiu outra no salto triplo, sendo as 2 de bronze.
Com arenas esportivas modernas, hostesses vestidas como bávaras tradicionais e até a primeira mascote das Olimpíadas, o cãozinho Waldi, tudo parecia estar correndo de acordo com os planos. O nadador norte-americano Mark Spitz surpreendeu o mundo ao conquistar 7 medalhas de ouro (marca que só seria superada por Michael Phelps em 2008) e a ginasta soviética Olga Korbut impressionou com seus movimentos incríveis.
Porém, a lembrança de Munique, em 1972, mudaria para sempre após o dia 5 de setembro.
Em seu depoimento sobre a cobertura dos jogos olímpicos ao projeto Memória Globo, o narrador Luciano do Valle conta que a Vila Olímpica era bastante aberta na época: os guardas não pediam muitas informações, de modo que os jornalistas podiam entrar lá e conversar tranquilamente com os atletas. Ele conta que era isso que ele fazia na madrugada de 5 de setembro.
Mais ou menos na mesma hora, às 4h30, os atletas israelenses dormiam em seus apartamentos após terem uma noite agradável, pois haviam assistido a uma peça de teatro, quando 8 terroristas palestinos do grupo Setembro Negro invadiram a Vila Olímpica — pulando a frágil cerca de arame que protegia o local.
Os terroristas tiveram a ajuda de atletas de outros países, que pensaram se tratar de competidores que, como eles, tinham passado uma noitada proibida fora e estavam tentando entrar sem serem vistos e sem levar bronca. Porém, esses homens carregavam malas com rifles, pistolas e granadas.
Eles foram direto para o alojamento de Israel, na Connollystraße 31, e invadiram 2 dos 3 apartamentos usando chaves roubadas. No apartamento 1, o árbitro Yossef Gutfreund ouviu um barulho estranho, gritou e tentou impedir a invasão. O técnico de luta Moshe Weinberg também tentou brigar com os terroristas, mas levou um tiro no rosto.
O apartamento onde os israelenses foram feitos de reféns. (Imagem: Wikimedia Commons)
O grito de Gutfreund permitiu que um de seus colegas escapasse, mas ele e Weinberg ficaram em poder dos terroristas — mandaram o técnico ir até os outros israelenses. Ele enganou os palestinos, dizendo que não havia israelenses no apartamento 2, levando-os para o apartamento 3, onde os atletas da luta e levantamento de peso dormiam.
Acredita-se que Weinberg fez isso por estratégia, pensando que os homens mais fortes teriam chances de neutralizar os terroristas. Ele fez mais um ataque sobre os invasores, mas levou outro tiro e uma facada, sendo morto. Na mesma hora, o halterofilista Yosseff Romano também partiu para cima dos terroristas, porém foi morto. Décadas depois, documentos comprovaram que ele foi castrado após a morte.
Os 9 reféns restantes foram levados para o apartamento 1 e amarrados. Sabe-se que os israelenses foram brutalmente agredidos, com muitos ossos quebrados e mutilações. O corpo de Romano foi deixado em frente a seus colegas, como um aviso.
Ainda assim, as tentativas de Weinberg e Romano serviram para alertar seus colegas no apartamento 2, que conseguiram escapar.
Na manhã do dia 5 de setembro, o presidente do Comitê Olímpico Internacional, Avery Brundage, ordenou que as Olimpíadas continuassem, mesmo com a situação caótica de Israel. "Os jogos devem continuar", ele disse. É interessante observar que as notícias não corriam tão rápido na época, e as primeiras atualizações diziam que os terroristas tinham sido mortos, e os reféns estavam vivos.
Mas com os 9 israelenses ainda como reféns, os terroristas fizeram suas exigências: a libertação de 234 prisioneiros palestinos em poder de Israel, além de outros presos políticos internacionais. O Setembro Negro era um braço armado da Organização para a Liberação da Palestina, em um conflito com Israel que já durava décadas na época e que continua sem solução até hoje.
A primeira-ministra Golda Meir se recusou a negociar com terroristas, temendo que isso encorajasse outros ataques. Então, a polícia alemã tentou lidar com eles por própria conta e risco — adicionando um novo ingrediente ao desastre.
Terrorista sai para negociar com a polícia. (Imagem: Deutsche Welle/Reprodução)
É verdade que o governo alemão tentou convencer os palestinos das formas que eles podiam: ofereceram reféns alemães em troca dos israelenses, até disseram que dariam todo o dinheiro que os terroristas quisessem pela liberdade dos atletas. A essa oferta, o Setembro Negro respondeu que o dinheiro não lhes interessava nem suas vidas.
Enquanto isso, acredita-se que Avery Brundage tentou fazer que a polícia tirasse os israelenses e os terroristas do local, para que os jogos pudessem continuar. Foi apenas às 15h50 que as competições foram paralisadas, sob pressão internacional.
Durante a tarde, policiais alemães até pensaram em invadir a Vila Olímpica para matar os terroristas. O problema é que câmeras de TV de todo mundo estavam seguindo cada passo das ações e mostrando-as ao vivo. Os próprios terroristas puderam ver tudo, e as tentativas tiveram que parar.
Já na noite do dia 5 de setembro, após mais de 20 horas de negociações fracassadas, os palestinos pediram um avião para voar até um país árabe que os apoiasse. Aí se deu o ato final do desastre: a tentativa de encurralar os terroristas.
Primeiro, os alemães pensaram em matar os terroristas já na saída da Vila Olímpica, uma vez que eles precisariam passar por um estacionamento para chegar ao helicóptero que os levaria ao aeroporto e daí ao avião. O líder dos palestinos, Issa, sabia que era uma armadilha e ordenou um ônibus para levar todos em segurança ao helicóptero.
Chegando ao aeroporto, um time de policiais alemães foi escalado para se passar pela equipe de bordo do aeroporto, mas sabendo que os terroristas eram preparados — e se tratava de uma missão suicida, portanto — todos desertaram sem comunicar o resto da equipe alemã. Quando Issa entrou para inspecionar o avião e não viu ninguém, soube que se tratava de uma emboscada.
Enquanto isso, atiradores alemães ficaram escondidos para tentar acertar os terroristas. Só que não havia nenhum sniper com experiência, ainda mais em um campo escuro — já passava das 10h da noite. A polícia alemã acertou tiros em alguns, mas isso foi tarde demais: os terroristas atiraram uma granada nos helicópteros onde os reféns israelenses estavam amarrados. Outros atletas morreram com tiros, assim como um policial alemão.
Nas primeiras entrevistas, a polícia alemã disse que a emboscada foi um sucesso. Apenas na madrugada do dia 6 que a verdade foi revelada: todos haviam morrido.
Policiais alemães tentam invadir a Vila Olímpica. (Imagem: Japan Times/Reprodução)
A verdade é que a polícia de Munique estava absolutamente despreparada para lidar com terroristas como os do Setembro Negro. Apenas anos depois foi revelado que um pesquisador alemão levantou a possibilidade de um ataque palestino nos jogos, mas foi ignorado. Parte disso se deve ao desejo de mostrar uma nova Alemanha, amigável e desmilitarizada nas Olimpíadas de Munique. Nas edições seguintes, os esquemas de segurança se tornaram muito mais complexos para evitar tragédias parecidas.
As Olimpíadas de 1972 ficaram paralisadas por mais 24 horas, enquanto uma cerimônia em memória dos atletas mortos foi sediada no Estádio Olímpico. Em seu discurso, Avery Brundage mal mencionou as vítimas e apenas disse que o "espírito olímpico" continuava vivo, apesar do terrorismo. A bandeira olímpica e a da maioria dos países foi levantada a meio mastro, mas 10 países árabes se recusaram a fazer o mesmo.
Mark Spitz, americano de origem judia, fugiu de Munique, assim como os israelenses que não foram vítimas do ataque. Diversos atletas de outros países voltaram para casa mais cedo, argumentando que não tinham mais clima para competir. Mesmo assim, os jogos continuaram até a segunda-feira, com a cerimônia de encerramento no domingo.
Três terroristas sobreviveram e foram presos pela polícia alemã, mas liberados cerca de 3 meses depois, quando o grupo Setembro Negro sequestrou um avião da Lufthansa. Golda Meir e a Mossad, serviço secreto israelense, criaram a Operação Ira de Deus para capturar os terroristas, mas alguns deles sobreviveram até a velhice. Um documentário e um filme de Steven Spielberg foram feitos sobre a tragédia — neste, o filho de Moshe Weinberg faz o papel do próprio pai. Ele tinha 1 mês na época do desastre.
Por anos, o Comitê Olímpico Internacional se recusou a fazer cerimônias em memória ao massacre, por medo de melindrar outros países. Apenas na Rio 2016 aconteceu algo do gênero e, agora na abertura dos Jogos de Tóquio, houve 1 minuto de silêncio.