Artes/cultura
09/12/2019 às 14:00•5 min de leitura
Christine Ida Collins nasceu como Christine Ida Dunne no dia 14 de dezembro de 1888, em Los Angeles, na Califórnia, e sua vida ficou definida pelo o que ela se tornaria e não pelo que foi antes de ter o seu nome vinculado e espalhado pelas manchetes de todo o país. Filha de Clara e Francis Dunne, a família fazia constantes viagens entre a Califórnia e o Havaí até que finalmente se estabelecessem em Seattle.
Quando adulta, porém, Christine decidiu se mudar para a cidade onde nascera e foi onde começou a trabalhar como gerente de uma companhia telefônica local. Seu caminho cruzou com o do estelionatário e ladrão chamado Walter J. Collins, um já ex-presidiário que vivia sob o pseudônimo de Walter Joseph Anson, que na época trabalhava no sistema de bondes de Los Angeles.
Christine acabou se casando com o homem e, em setembro de 1918, enquanto moravam nas redondezas de Lincoln Heights, ela deu à luz o que seria o seu primeiro e único filho, Walter Collins. Em 1923, a mulher viu a sua vida virar de cabeça para baixo quando o marido foi condenado à prisão estadual de Folsom por um assalto à mão armada que cometera. Ele morreu e foi enterrado no cemitério da penitenciária.
Vivendo sozinha, naquela fatídica tarde de quarta-feira do dia 10 de março de 1928, Christine deu dinheiro para que Walter, já com nove anos de idade, fosse ao cinema que ficava no bairro Mountain Washington, em Los Angeles. Apesar de parecer perigoso, para a época, era muito comum que crianças perambulassem pelos bairros e ruas sozinhas, fosse de dia ou de noite.
Porém, infelizmente, aquela foi a última vez que Christine viu o filho. Ela perguntou a vizinhos, que afirmaram o terem visto em um posto de gasolina próximo. Outros já diziam tê-lo visto em ruas distantes demais de onde a mãe permitia que o garoto fosse. As testemunhas foram se espalhando, cada vez com uma pista diferente, levando Christine cada vez mais longe. Até que, cansada e desesperada demais para continuar por conta própria, cinco dias depois, ela finalmente relatou o desaparecimento de Walter para as autoridades.
A polícia deu início à caçada pelo paradeiro do garoto com mais pressão da mídia ainda nas suas costas, pois, três meses antes, uma garota de 12 anos chamada Marian Parker havia sido sequestrada e assassinada em Los Angeles. O caso dela ganhou repercussão nacional, principalmente pela polícia não ter sido capaz de prender o suspeito, apesar de todas as pistas e provas. Com Walter não foi muito diferente, na verdade, foi ainda pior.
O rosto do garoto passou a ser estampado em todos os jornais da cidade. Centenas de possíveis testemunhas enviavam as suas declarações com possíveis pistas, mas nenhuma levava a lugar algum, principalmente enquanto a polícia sustentava a ideia de que o garoto havia apenas fugido. Quando uma vizinha chamada A. Baker afirmou ter visto Walter no banco de trás de um automóvel, implorando para sair, sob a companhia de duas pessoas que pareciam estrangeiras, Christine pôde ter certeza de que o seu bebê havia sido sequestrado.
Nesse ínterim, outras crianças começaram a desaparecer e Walter se tornou o pivô de uma operação em massa.
A polícia começou a enfrentar a publicidade negativa que crescia vertiginosamente com a pressão pública, para que os casos fossem resolvidos, ou que pelo menos algum culpado fosse apontado.
Cinco meses haviam se passado de muita investigação e nenhum traço do garoto havia sido encontrado. Christine tentava se manter positiva, embora estivesse destruída por dentro. Ela não trabalhava mais direito. Não dormia. Não se alimentava. Christine emagreceu 10 quilos. Mas continuou insistindo, fazendo visitas à delegacia e os motivando a não desistirem como ela, por mais que tudo estivesse um caos.
Até que no dia 28 de agosto de 1928 do mesmo ano do sumiço de Walter, o Departamento de Polícia de Los Angeles recebeu um telefona da polícia de Dekalb, em Illinois, afirmando que estavam sob a custódia de um garoto que correspondia com as características de Walter e que também confirmava ser ele.
A notícia foi motivo de celebração para as autoridades, pois só assim os escândalos que acusavam a sua ineficiência seriam abafados ou ao menos controlados. Aparentemente, um milagre havia acontecido na vida de Christine e, para que se concretizasse, foram trocadas cartas e fotografias até que ela finalmente pudesse colocar os olhos no garoto pessoalmente.
Um encontro público foi arranjado pela polícia na intenção de acabar de vez com a má publicidade que recebiam. Quando o garoto desceu do trem diante de todos, para o choque e horror de Christine, não se tratava do seu Walter. Não era o filho e ela gritou isso a todos. Incapaz de acreditar, o capitão J.J Jones tentou convencer a mulher de que os meses haviam deixado o garoto diferente, mas que era ele sim. Ela insistiu o contrário, afinal conhecia o que havia saído de dentro dela e que cuidara todos os dias durante nove anos de sua vida.
A multidão entrou em colapso e, tentando evitar a humilhação pública, o Capitão coagiu Christine a levar o garoto para casa para que fizesse um pequeno teste e deixasse que as memórias que tinha dele clareassem em sua mente, já muito afetada por toda a dor. Pressionada pelo povo e por todo um departamento, a mãe concordou em carregar o falso Walter para a sua casa.
Antes de permitirem que Christine levasse o suposto filho, a polícia e médicos se encarregaram de bombardear a criança com todos os questionamentos possíveis, tanto de onde ele estava, como foi parar em Illinois e, principalmente, quem era o seu sequestrador. No entanto, não foram capazes de arrancar dele nada além de uma história que não se emendava muito. Mas estavam tão eufóricos com uma possibilidade de respirar aliviados, que acabaram comprando a confusão do garoto mesmo assim.
Enquanto isso, sozinha consigo mesmo, com aquela criança que não a pertencia e que também temia, Christine sofria com a possibilidade de que deixassem de procurar pelo seu verdadeiro Walter. Ainda assim, ela passou três longas semanas alimentando, dando banho e convivendo sob o mesmo teto que o garoto que não falava. O olhar impenetrável dele a enlouquecia a ponto de ela se pegar imaginando se aquele realmente não era o seu Walter.
Até que, cansada e à beira de um ataque de nervos, Christine usou de registros dentários do filho para comprovar a diferença entre Walter e o impostor. Mais do que a sua certeza de mãe, ela levou as provas até o Capitão Jones. Para a surpresa dela, não adiantou.
O homem não só não acreditou em nada daquilo, como também insinuou que Christine, na verdade, estava tentando envergonhar o Departamento de Polícia com as suas acusações. Declarando calúnia e como uma forma de conter Christine e as suas falas, o oficial acionou o Código 12, que visava deter qualquer pessoa sem julgamento prévio que se mostrasse difícil sob uma “ordem”, e decidiu que ela fosse imediatamente encarcerada na ala psiquiátrica do Hospital Geral de Los Angeles.
Christine Collins foi acusada de estar em surto psicótico e negação parental. Ela foi tratada de maneira desumana, tendo os seus sentidos medicados por remédios para esquizofrênicos. Eles doparam o seu humor, a deixaram sem comer e, eventualmente, a submetiam a tratamentos com choque.
Quase três semanas depois da internação, a mulher já estava se convencendo em admitir o erro para o Capitão quando recebeu a boa notícia de que o garoto que dizia ser o seu Walter confessou que não era ele de fato. Na verdade, ele se chamava Arthur Hutchins, tinha 12 anos de idade, e admitiu que fingiu ser o garoto desaparecido para ter uma passagem só de ida para Los Angeles, conhecer estrelas do cinema americano e quem sabe conseguir ingressar no ramo.
Christine foi liberada e pôde voltar a sua rotina infeliz e também à estaca zero. Walter continuava desaparecido. Sem pistas. Sem nada.
De repente, uma bomba explodiu no colo de Christine Collins. No condado de Riverside, na Califórnia, cerca de 40 quilômetros de Los Angeles, um assassino em série chamado Gordon Stewart Northcott – que se tornaria mundialmente famoso por esses crimes — foi preso pela polícia local após descobrirem em seu rancho cadáveres de várias crianças que ele e a mãe haviam sequestrado e matado. Sarah Northcott, a mãe do assassino, havia confessado o aprisionamento e depois a morte de Walter Collins à polícia, assim como o filho.
Desacreditada, Christine viajou até Riverside para saber melhor do caso. Entre todos os corpos mutilados, nada foi encontrado que conectasse a identidade de Walter à cena do crime, muito diferente das outras crianças. Emocionalmente destruída, mas ainda esperançosa de que o filho estivesse vivo, a mulher fez questão de ter uma conversa com Gordon antes que esse fosse sentenciado. Apesar de ter admitido uma vez, diante dela, ele negou o seu envolvimento na morte de Walter e assim Christine preferiu acreditar.
Como indenização por ter enviado Christine sem provas para uma ala psiquiátrica e não tê-la ouvido, o Capitão Jones foi legalmente obrigado a pagar cerca de 11 mil dólares a mãe, mas ele nunca o fez. O oficial, ainda, recebeu apenas 4 meses de suspensão pelo o que havia causado à mulher.
Durante o julgamento de Gordon, o sobrinho do assassino, Sanford Clark, de 14 anos, disse à Christine: “Vi você nos jornais, deve ter muita força”.
Essa força foi tão tamanha que o diretor Clint Eastwood decidiu homenageá-la em um filme estrelado por Angelina Jolie em 2008, intitulado A Troca.
No dia 8 de dezembro de 1964, Christine Collins morreu sem nunca ter encontrado o filho, mas também sem nunca ter desistido de procurá-lo.