Artes/cultura
07/05/2020 às 14:30•3 min de leitura
As memórias mais antigas e enraizadas na cultura popular definem um Yeti como um homem-macaco com cerca de 2 metros de altura, pelagem acinzentada ou branca espessa e muito desgrenhada, pés enormes e dentição serrilhada.
Com o destino de vagar sozinho pelas montanhas nevadas, a criatura significa uma parte fundamental do folclore do povo Sherpa, nativo da montanhosa região leste do Nepal. Vivendo a cerca de 3 mil metros de altura, acredita-se que essa comunidade de mais de 300 mil anos tenha criado a lenda com o objetivo de fornecer lições de moral sobre a abordagem de animais selvagens e perigosos. Isso também evitaria que as crianças se afastassem demais das pequenas aldeias e estivessem sempre seguras. Por outro lado, alguns historiadores enxergam a criação do Yeti como uma maneira de tornar as pessoas mais fortes e destemidas para enfrentar as condições climáticas do local.
Foi em meados do século XIX que montanhistas do Ocidente, principalmente europeus, começaram a viajar para o Himalaia e espalhar para o mundo as lendas do folclore local. Em 1921, o explorador e político britânico Charles Howard-Bury liderou uma expedição ao Monte Everest e identificou pegadas enormes na neve. Tendo um Sherpa como guia, ele foi informado de que elas pertenciam ao metoh-kangmi, que significava algo como homem-urso-das-neves.
Assim que Howard-Bury retornou, foi entrevistado por Henry Newman, que acabou traduzindo a palavra metoh para abominável e publicou a matéria. Esse erro fez com que o mundo tivesse conhecimento de uma criatura ainda mais monstruosa e fantasiosa do que o nome real já sugeria. O Abominável Homem das Neves, como se enraizou na história, levou uma turba de exploradores a subir as montanhas em busca de provas de sua existência. Jornalistas também aceitaram a jornada para colher relatos de moradores sobre os avistamentos do homem-macaco.
(Fonte: Atlas Obscura/Reprodução)
O ano de 1960 ficou marcado como a época que reforçou o mistério acerca da existência dos Yetis. O explorador neozelandês Edmund Hillary e o jornalista Desmond Doig estavam em expedição pela região do Himalaia para estudar as culturas e crenças dos povos locais quando ouviram relatos de que havia um escalpe de Yeti em uma casa na vila de Khumjung.
Os dois homens se empenharam para descobrir tudo sobre essa história enquanto chegavam até o local. O artefato estava em posse de uma idosa que explicou a eles que a pele da criatura era uma espécie de amuleto de sorte para a comunidade. Após avaliar com fascinação o suposto pedaço de Yeti, Hillary se propôs a levá-lo para a Europa para que zoólogos o examinassem.
À esquerda, Edmund Hillary. (Fonte: The Engineer/Reprodução)
Após muita insistência, a idosa só permitiu que Hillary levasse o objeto se Khumbo Chumbi, um líder da comunidade, fosse junto para garantir que o que pertencia a ela o retornasse a salvo. Hillary concordou e, como forma de agradecimento, fez uma doação generosa ao mosteiro e à escola locais.
Existem muitas contradições acerca da veracidade do artefato. Naquela época, o exame do escalpe concluiu que poderia pertencer a um antílope, porém a falta de recursos científicos e o fascínio que os zoólogos e cientistas desenvolveram pela peça não era compatível com o seu resultado.
Com a autorização de Khumbo Chumbi, Hillary entrou em turnê mundial com o artefato mesmo após o diagnóstico. Assim que retornou ao Nepal, o escalpe foi doado para o mosteiro de Khumjung e trancado em uma caixa de vidro, na qual permanece até hoje e de onde jamais foi retirado, sob nenhuma quantia ou pedido, nem mesmo dos maiores centros de estudos científicos do mundo.
Em 1961, o governo do Nepal declarou oficialmente a existência dos Yetis. Nunca foi confirmada a procedência do suposto escalpe da criatura, mas a sua essência é o suficiente para atrair milhares de turistas por ano ao local.
(Fonte: BBC/Reprodução)
Será que o Yeti não foi simplesmente mistificado pelos próprios povos do Nepal? O "homem" poderia ser fruto da estrutura de uma subespécie de outro animal que se assemelhava com a de um humano. Há também a possibilidade de que fosse uma projeção do próprio medo do "homem branco", uma vez que esse já era conhecido por sua exploração desenfreada e hostilidade.
O cientista e pesquisador Bryan Sykes, da Universidade Oxford, tornou uma dessas teorias mais palatáveis. Ele testou amostras de pelos de animais que acreditavam pertencer a Yetis. O resultado indicou semelhanças com um antigo urso polar norueguês, levando o professor a considerar a possibilidade de que esse ser mitológico pudesse ser um híbrido de urso-polar e urso marrom, ambos que habitam as partes mais altas do Himalaia.
O comportamento e a aparência dessa espécie poderiam ser muito diferentes da que os povos já estavam acostumados. O misticismo e o medo histórico-social da forma do "homem branco" provavelmente agiram sobre isso para criar melhor essa imagem de um humano animalizado que destruía e comia a todos — praticamente o retrato do que aconteceu pelo mundo nos episódios de colonização.