41 dias à deriva: a terrível jornada de Tami Ashcraft

23/07/2020 às 14:003 min de leitura

Nascida em 23 de março de 1960, em San Diego (EUA), Tami Ashcraft nutria uma paixão pelos mares desde a sua infância, sendo interessada por tudo ligado ao assunto. Assim que completou 24 anos, decidiu abandonar o conforto de sua casa e viajar pelo mundo trocando o seu trabalho pelo que a mantivesse indo cada vez mais longe. Depois de 1 ano e meio velejando pelo Pacífico Sul, ela acabou aprendendo tudo sobre comércio marítimo e como um barco funcionava na prática.

Tami viu a sua vida mudar quando chegou ao Taiti (maior ilha da Polinésia Francesa) e conheceu um velejador britânico chamado Richard Sharp, que na época tinha 34 anos. Depois de muito conversarem, ele a convidou para velejar o Pacífico Sul a bordo de seu Mayluga.

Durante os 5 meses que passaram juntos sob as estrelas, eles se conheceram, namoraram e ficaram noivos. Assim que atracaram novamente no Taiti, no início de outubro daquele mesmo ano, um amigo de Richard perguntou se ele aceitaria o trabalho de levar o iate Hazana até San Diego – uma viagem de mais de 6 mil quilômetros. 

O casal aceitou a empreitada e, um dia depois, já estava nas águas de novo.

Mar em fúria

(Fonte: Hungarian Geographic/Reprodução)(Fonte: Hungarian Geographic/Reprodução)

A jornada de Tami e Richard começou tão bem quanto a última viagem que o casal tinha feito, muito embora não fosse nada bom velejar contra o vento. Depois de 2 semanas, eles já estavam ao norte do Equador quando ouviram falar da depressão tropical no Panamá, que surgia a oeste e aumentava de intensidade.

Era o furacão Raymond, com ventos de até 235 km/h, considerado um furacão moderado de categoria 4 na Escala Saffir-Simpson. O casal tentou entrar na área segura para não ser pego, porém o tornado viajava muito rapidamente naquele momento. De modo geral, os furações dão uma guinada e saem pelas Bajas, no México; contudo, a água que continuava quente – fruto do fenômeno El Niño – fez aquele seguir para o oeste.

(Fonte: Mogaz News/Reprodução)(Fonte: Mogaz News/Reprodução)

Em 12 de outubro de 1983, em pleno oceano Pacífico, o iate Hazana se encontrou com ondas violentas de mais de 10 metros de altura e ventos catastróficos do furação Raymond. Richard implorou para que Tami ficasse dentro da cabine enquanto ele tentava controlar o barco, pois tinha mais experiência.

Assim que a jovem fechou a porta, porém, ouviu o noivo gritar “Ai, meu Deus!” antes de o barco virar bruscamente. A manobra lançou Tami contra a parede, fazendo-a bater a cabeça e desmaiar. Ela só acordou cerca de 27 horas depois, com o iate praticamente todo destruído.

Não demorou muito para que a jovem percebesse a cruel realidade quando olhou à sua volta e não encontrou Richard: ele havia sido carregado pela fúria do furacão Raymond. Ele estava morto, e essa era a única certeza que ela tinha naquele momento.

Barco à deriva

(Fonte: Pinterest/Reprodução)(Fonte: Pinterest/Reprodução)

Sem sistema de rádio e navegação, não havia como Tami conseguir ajuda. Não havia nada que ela pudesse fazer, senão acionar o seu instinto de sobrevivência, mesmo enlutada. Ela precisava encontrar o local mais próximo para atracar o que restara do iate, uma vez que San Diego, o destino final do casal, já não era mais uma opção.

Felizmente, ela encontrou um sextante para direcioná-la. De acordo com o instrumento, estava a 2.400 quilômetros de distância da cidade Hilo, no Havaí. Tami então improvisou uma vela com um poste quebrado e fabricou uma bomba para retirar a água de dentro da cabine do iate, que tinha se transformado em seu barco.

Com um baixíssimo estoque de salada de frutas e sardinha em lata, a jovem passou 41 dias se esforçando para se manter viva, temendo o perigo que seus precários equipamentos apresentavam e se lamentando pela perda de seu noivo – cujo corpo jamais foi encontrado. Rapidamente, buscá-lo boiando pelas água se tornou o seu único lazer e também a sua ruína.

(Fonte: RNLI/Reprodução)(Fonte: RNLI/Reprodução)

Enfraquecida a cada dia que passava, Tami começou a delirar devido à perda de sangue pelo corte em sua testa e à desidratação severa. Por vezes, ela entrou em um estado de paralisia tão grande que não sentia dor, fome, sede ou cansaço. Era uma voz interior que insistia que ela precisava manter as forças e continuar, apesar de tudo. Foi só por causa disso que todos os dias, às 12h, Tami consultava o horário em um relógio que encontrara e usava o sextante para reajustar a sua rota.

Quando a jovem carregou uma espingarda e mirou o cano para a sua boca, pronta para explodir a própria cabeça por não aguentar mais todo o sofrimento, foi a mesma voz que falou três vezes para que ela parasse.

Em 22 de novembro de 1983, ela foi resgatada por um barco de pesquisa japonês que a avistou boiando a poucos quilômetros do porto de Hilo.

Sobrevivente

(Fonte: RNLI/Reprodução)(Fonte: RNLI/Reprodução)

Depois que casou e teve o seu primeiro filho, Tami Ashcraft escreveu e autopublicou o seu livro de memórias Céu Vermelho de Luto: Uma Verdadeira História de Amor, Perda e Sobrevivência no Mar, relatando tudo o que viveu. Em meados de 2002, a obra foi lançada pela Editora Hachette sob o título À Deriva.

Entre os admiradores do livro estavam os roteiristas Aaron e Jordan Kandell, que adquiriram os direitos de reprodução e o transformaram em uma adaptação cinematográfica, estrelando Shailene Woodley e Sam Claflin, em 2018. O filme gerou uma receita de quase US$ 60 milhões, o dobro de seu orçamento.

Em entrevista ao Chicago Tribune, em 2003, Tami Ashcraft revelou que acreditava que a voz que a manteve viva era de seu espírito, que clamava pela sobrevivência, muito embora o seu emocional dissesse o contrário. 

Ainda, quando indagada sobre o conselho que daria às outras mulheres que enfrentavam obstáculos em suas vidas, Tami disse apenas: “Sejam determinadas”.

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