Ciência
07/08/2020 às 15:00•3 min de leitura
Em 2 de agosto de 1947, o voo CS-59 da companhia aérea British South American Airways (BSAA) partiu de Buenos Aires (Argentina) às 13h46 com destino a Santiago (Chile). Com 11 pessoas a bordo, entre tripulantes e passageiros, a aeronave Avron Lancastrian de quatro motores, apelidada de Stardust, era conduzida pelo experiente piloto Reginald Cook e por Norman Hilton-Cook e Donald Checklin como primeiro e segundo oficiais, respectivamente. O operador de rádio era Dennis Harmer, que, assim como os outros, tinha um longo histórico de serviço civil e em combates.
Em um voo de 3 horas e 12 minutos, a rota previa sobrevoar a 18 mil pés a cidade argentina de Mendoza, localizada no sopé oriental da Cordilheira dos Andes. Durante boa parte do trajeto, tudo correu muito bem, até que o avião passou por Mendoza e foi atingido pelo mau tempo, com ventos acima de 160 quilômetros por hora. Às 17h41, o Stardust estava próximo do vulcão Tupungato, a cerca de 80 quilômetros de Santiago, quando um operador de rádio do Aeroporto Los Cerrillos recebeu uma mensagem em Código Morse indicando que a aterrissagem seria em apenas quatro minutos:
ETA Santiago 17h45 hrs. STENDEC.
O operador não entendeu o significado da palavra STENDEC. Assim que pediu esclarecimento, a equipe de voo a repetiu duas vezes. Depois disso, a tripulação não entrou mais em contato e a aeronave nunca pousou na pista do aeroporto.
O insólito desaparecimento causou alarde entre as autoridades e as pessoas. Um relatório de um operador de rádio amador alegava ter recebido um sinal fraco do CS-59, criando expectativa de que houvesse sobreviventes, porém todos os esforços da equipe argentina de busca para descobrir algum vestígio do paradeiro da aeronave falharam. O chefe da BSAA, o vice-marechal aéreo Don Bennett, chegou a conduzir uma busca particular que durou 5 dias, mas também não encontrou pistas.
Quando a lista de passageiros foi divulgada, teorias foram fomentadas sobre o que poderia ter acontecido. Entre a alemã Marta Limpert e os empresários Herald Pagh e Jack Gooderham estava o funcionário público Paul Simpson, que carregava documentos diplomáticos que seriam entregues na Embaixada Britânica em Santiago. Por conta disso, muitos especularam sabotagem e cogitaram também a deterioração das relações anglo-argentinas da época, no entanto nunca surgiram evidências sobre essa possibilidade.
Com isso, foi redobrada a atenção sobre o que poderia significar a palavra Stendec transmitida. A mídia e o público ainda falavam incansavelmente sobre o incidente ufológico do Caso Roswell, que aconteceu no Novo México semanas antes, portanto abdução alienígena ou destruição por OVNI se tornaram duas das mais "plausíveis" explicações para o avião nunca ter aterrissado. A força da teoria foi tamanha que a palavra foi modificada para Stendek e usada em uma nova revista sobre ufologia.
A Teoria do Anagrama foi a primeira a sugerir que Stendec significasse Descent (descida, em inglês). De acordo com ela, a tripulação da aeronave que voava a 24 mil pés, de alguma maneira, teria sofrido de hipóxia pela falta de pressurização e se confundido durante a emissão da mensagem. Mas quais eram as chances de eles enviarem a mesma resposta mais de uma vez?
A Teoria Stardust também apontava confusão mental no momento de enviar a mensagem. Stendec e Stardust eram semelhantes nos códigos em inglês e Morse, havendo a possibilidade de Harmer, o operador de rádio do voo, ter enviado uma coisa no lugar da outra. No entanto, acredita-se que isso seja improvável, visto que desde a década de 1940 a BSAA usava "estrela" para se identificar. Além disso, os operadores da época se referiam às aeronaves pelo código de registro.
A Teoria do Acrônimo veio em seguida com a sugestão de que Stendec fosse a abreviação de uma mensagem, talvez um acrônimo com as iniciais de cada palavra enviado às pressas devido ao mau tempo. Os teoristas dizem que seria algo como:
Stardust Tank Empty No Diesel Expected Crash (Stardust com Tanque Vazio, Sem Diesel, Acidente Esperado — em tradução livre).
Ou mais provavelmente:
Santiago Tower, Emergency, Now Descending, Entering Cloud (Torre de Santiago, Emergência, Agora Descendo, Entrando em Nuvem — em tradução livre).
Os especialistas em Código Morse discordaram da teoria, pois tinham a certeza de que a equipe nunca teria abreviado uma mensagem importante desse modo. Afinal, se quisessem transmitir preocupação, independentemente da situação, eles teriam enviado SOS.
Em 1998, cerca de 51 anos depois, um grupo de alpinistas argentinos que escalava o Tupungato tropeçou nos destroços de um acidente soterrados a quase 5 mil metros de altura. Várias partes de corpos humanos foram encontradas, a maioria preservada pela temperatura muito baixa. No total, foram recuperados três torsos, um pé em uma bota e uma mão bem cuidada. Em 2002, corpos de oito vítimas britânicas foram identificados através de testes de DNA.
Uma expedição do exército argentino com investigadores concluiu que a tripulação pode ter ficado confusa com a localização devido à tempestade de neve, acreditando estarem mais perto do aeroporto. O acidente teria sido resultado de um pouso controlado no terreno, visto que os destroços da aeronave apontavam para um impacto frontal no solo, sem nenhuma explosão, apenas um pneu inflamado.
Apesar de a localização do voo CS-59 ter sido resolvida, a mensagem emitida mantém o mistério congelado. A palavra não existe em nenhum idioma, tampouco no Código Morse. Uma vez que foi concluído que o avião fez um pouso forçado, era praticamente impossível que a tripulação soubesse que se tratava da iminência de um acidente e conseguisse alertar a torre de comando.
Até hoje, 73 anos depois, nenhum especialista conseguiu descobrir o que Dennis Harmer quis dizer nas três vezes que enviou a palavra Stendec.