Ciência
22/09/2020 às 15:00•4 min de leitura
Nascido em 1º de março de 1929 no bairro de Knyazhevo, em Sófia, capital da Bulgária, Georgi Markov não tinha pretensão de se tornar um autor durante sua infância, tampouco na adolescência. Como prova disso, em 1946, após completar o Ensino Médio, ele ingressou no curso de Química Industrial.
Aos 19 anos, ele adoeceu de tuberculose e passou a frequentar vários hospitais para ser submetido a diferentes tipos de tratamento. Foi nessa época que começou a rascunhar suas primeiras tentativas literárias. Em 1957, ele concluiu The Night Cesium, seu primeiro romance, que foi seguido por The Ajax Winners.
Foi em 1959, no entanto, que Markov começou a causar uma grande revolução na Bulgária quando foi proibido pelo governo de publicar o livro The Roof. A história é uma crítica ácida ao desabamento do teto da fábrica de metais Lenin Steel Mill, que causou a morte de alguns operários. Com forte influência de George Orwell, os personagens de seu romance eram figuras reais, cruas, que entre dúvidas, medos e fraquezas tentavam buscar uma normalidade fora do regime opressor sob o qual estavam vivendo.
“Não viver pela mentira” era o lema de Markov, tanto que ele escreveu um ensaio comparando o comunismo com os anos anteriores em que o país vivia sob o regime da União Nacional Agrária, no qual observou que a única mudança foi que as pessoas foram forçadas a viverem sob um regime de enganações.
Em 1948, o poder comunista havia sido consolidado na Bulgária, coincidindo com a conclusão do Tratado de Paz com os Aliados e a presença das forças de ocupação soviéticas. As eleições em novembro de 1945 levaram à derrota da oposição política e à eliminação do pluralismo na sociedade búlgara, reservando aos comunistas o controle dos Ministérios do Interior e do Judiciário.
Em 1962, o romance Men ganhou o prêmio anual do Sindicato dos Escritores Búlgaros, e no mesmo ano Markov se tornou membro da comissão. Publicados em 1966 e 1968, Um Retrato de Meu Eu Duplo e As Mulheres de Varsóvia garantiram a ele o título de “escritor mais jovem e talentoso da Bulgária”.
Uma vez que criticar o governo comunista búlgaro era considerado crime, Markov decidiu se mudar para Bolonha, na Itália, em meados de 1969, para que as autoridades se esquecessem um pouco dele. Em 1971, acabou se mudando para Londres depois que o governo búlgaro se recusou a renovar seu visto.
Em 1972, enquanto batalhava para aprender inglês, Markov conseguiu um cargo para trabalhar na divisão búlgara do jornal BBC World Service. Mais tarde naquele ano, o governo búlgaro o dispensou do Sindicato, e ele foi condenado a 6 anos e 6 meses de prisão por deserção. Como consequência disso, todas as suas obras foram removidas das bibliotecas e livrarias, e a mídia foi proibida de falar sobre ele até 1989.
Enquanto Markov tinha peças encenadas em Londres e também se casava com Annabel Dilke, com quem teve uma filha em 1976, o serviço secreto búlgaro abria um arquivo sobre ele intitulado Wanderer.
Até 1978, Markov criticou semanalmente o governo comunista búlgaro em análises sobre aspectos socioeconômicos que eram transmitidas na Rádio Europa Livre. Todor Zhivkov, líder do Partido Comunista da Bulgária, foi o principal alvo do escritor, o que só acabou apertando a corda ao redor de seu pescoço.
Na manhã de 7 de setembro de 1978, Markov cruzava a Ponte de Waterloo sobre o rio Tâmisa para pegar um ônibus para seu trabalho na BBC. Enquanto esperava no ponto de ônibus, sentiu uma leve agulhada na parte de trás de sua coxa direita, como se fosse obra de um inseto.
Markov olhou para trás e conseguiu ainda ver um homem esguio, de casaco longo e lapela erguida pegando um guarda-chuva do chão. Logo em seguida, ele se apressou para atravessar a rua e entrou em um táxi. Nunca mais foi visto.
No início da noite, Markov deu entrada no St. James’s Hospital, localizado no bairro de Balham, em Londres, com um quadro de febre altíssima, suor excessivo e dor aguda na coxa. “Sua pulsação estava muito alta, assim como sua temperatura”, lembrou o médico Bernard Riley, em entrevista à BBC em 2016.
O médico contou que, apesar de estar em profunda dor, Markov confessou que tinha sido envenenado pela KGB – a principal organização de serviços secretos da União Soviética. Ainda, Dr. Riley afirmou que o homem dizia que 3 meses antes havia sido alertado por agentes da KGB de que seria morto se não parasse de criticar o governo. Ironicamente ou não, o dia do envenenamento era aniversário de seu maior inimigo, Todor Zhivkov.
“Não há nada que você possa fazer. Eu sei que vou morrer”, confessou Markov ao Dr. Riley. Quatro dias depois, Georgi Markov foi a óbito. O médico fez questão de acompanhar a autópsia e pediu para que o legista extraísse uma parte do tecido da coxa direita do cadáver do homem, cuja região estava inchada.
Enquanto analisava o tecido, uma bolinha de metal pontuada por buraquinhos caiu e rolou pela mesa. Ali o médico teve certeza de que Markov fora envenenado.
Mais tarde, o laudo constatou que a substância causadora da morte do escritor foi a ricina, uma proteína letal presente na casca da mamona e que interfere no metabolismo celular. Certamente, o homem desconhecido a injetou através de um mecanismo secreto instalado na ponta daquele guarda-chuva.
Com exceção do arquivo repleto de documentos envolvendo Markov, nenhuma evidência conectando o governo búlgaro com a morte do dissidente foi encontrada. Investigadores britânicos e dinamarqueses tiveram o acesso negado a qualquer registro.
De acordo com o livro Kill the Wanderer, do jornalista investigativo Hristo Hristov, publicado em 2013, desde 1940 a República Popular da Bulgária tem aperfeiçoado suas maneiras para comprometer ou eliminar inimigos hostis da pátria, e o “guarda-chuva búlgaro”, como ficou conhecido, era apenas uma delas.
O Comitê de Segurança do Estado (KDS) identificou 1.011 pessoas como inimigos, sendo 70 deles intelectuais que falavam mal sobre o governo. O historiador descobriu que o arquivo de Markov era o maior, com cerca de 52 pastas – sendo que 720 páginas dele foram destruídas em 1987.