Ciência
09/10/2020 às 15:00•4 min de leitura
Dizem que a fundação de Johnstown foi um erro desde o começo. Localizada na Pensilvânia, nos Estados Unidos, a cidade foi inaugurada em 1800 bem no encontro dos rios Stony Creek e Little Conemaugh, que desaguam no Rio Conemaugh, um afluente de cerca de 110 quilômetros de extensão. As altas colinas do estreito Vale Conemaugh e os Montes Allegheny proporcionam uma grande quantidade de escoamento de chuva e neve, portanto a área ao redor de Johnstown sempre esteve sujeita a inundações, principalmente por conta da extensa bacia de drenagem do Planalto Allegheny.
Naquela época, porém, só era considerado se uma população poderia nascer e prosperar em um ambiente que tinha os aspectos demográficos mais básicos. Foi isso que aconteceu quando construíram o Canal da Linha Principal da Pensilvânia, em meados de 1836, como parte da Linha Principal de Obras Públicas, que visava desenvolver um complexo sistema de melhorias na infraestrutura de Johnstown, como a construção de represas, viadutos e canais.
Em 1850, com a chegada da Estrada de Ferro da Pensilvânia e da Fábrica de Ferro Cambria, milhares de imigrantes galeses e alemães se estabeleceram na cidade. Até 1889, Johnstown já tinha uma população de 30 mil habitantes e era famosa pela qualidade de aço que suas fábricas produziam.
Como parte do sistema de canais que seria abastecido com a água do Rio Conemaugh, em 1838 a Comunidade da Pensilvânia construiu a represa South Fork 22 quilômetros acima de Johnstown com o objetivo de fornecer água durante os períodos de seca.
Com 22 metros de altura e 284 metros de comprimento, a barragem apresentou vazamentos críticos durante 8 anos, porém o problema sempre foi estancado com remendos de lama e palha. Eventualmente, a comunidade acabou abandonando a represa e a vendeu para o Sistema Férreo da Pensilvânia, que depois a repassou para uma empresa privada.
Não se sabe qual dos proprietários removeu e comercializou como sucata os três tubos de descarga que permitiam a liberação controlada da água da represa. O chefe da Fábrica de Ferro Cambria chegou a se queixar dos riscos que South Fork apresentava, porém ninguém o levou a sério.
Enquanto isso, as siderúrgicas despejavam toneladas de rejeitos de ferro de seus fornos no leito do Rio Conemaugh, criando um estreitamento artificial, o que deixou a cidade ainda mais propensa a inundações.
Então foi só uma questão de tempo.
No século XIX, norte-americanos e europeus estavam acostumados com inundações provocadas pelo degelo da neve das montanhas no fim do inverno ou pela quantidade de chuva em curtos períodos. Em 31 de maio de 1889, os habitantes de Johnstown já esperavam ter que lidar com um pouco de água invadindo casas e comércios, mas não estavam preparados para o que viria. Os últimos dias daquele mês foram marcados por um sistema de baixa pressão muito forte que se formou sobre Nebraska e Kansas e foi viajando por vários estados até atingir o oeste da Pensilvânia, em 30 de maio, na forma de uma intempérie.
Em menos de 24 horas, o United States Army Signal Corps registrou aproximadamente 250 milímetros de chuva sobre Johnstown, transformando riachos em cachoeiras que arrancaram árvores, destruíram linhas telegráficas, arruinaram ferrovias e carregaram muitos detritos. Antes do amanhecer, o Rio Conemaugh estava prestes a transbordar.
Enquanto isso, oficiais do South Fork Fishing and Hunting Club, temendo que a represa rompesse com a quantidade de água acumulada, começaram a cavar um segundo vertedouro para aumentar a altura da barragem, aliviar a pressão que vinha do Rio Conemaugh e evitar que uma onda se formasse.
Por volta das 15h daquele dia, funcionários do clube e voluntários que ajudavam na obra assistiram horrorizados ao momento em que a barragem simplesmente se deslocou e cedeu.
Com a enchente, havia cerca de 14,55 milhões de metros cúbicos (cerca de 3,843 bilhões de galões) de água no Rio Conemaugh, que se somaram aos 20 milhões de toneladas de água da represa, aproximadamente a mesma quantidade que passa pelas Cataratas do Niágara em um intervalo de 36 minutos.
South Fork foi a primeira cidade a ser atingida pela onda, que seguiu rio abaixo a caminho de Johnstown carregando árvores, casas, animais, pessoas, celeiros, lama e concreto e aço do Viaduto Conemaugh. Não sobrou nada do pequeno povoado de Mineral Point, a 1,6 quilômetro do viaduto, nem das 30 famílias que viviam lá.
Àquela altura, o fluxo da inundação pelo vale era maior do que o do Rio Mississippi inteiro. Pedaços de ferro, vagões de trem e mais de 314 vidas foram levadas quando a onda atingiu a Fábrica de Ferro Cambria, erguendo uma fumaça escura ao causar a explosão das caldeiras da Gautier Wire Works, adicionando quilômetros de arame farpado em meio aos destroços.
Depois de 57 minutos de destruição, a inundação atingiu seu destino final: os habitantes de Johnstown foram surpreendidos por uma onda de 18 metros de altura que viajava a 64 quilômetros por hora. Os destroços formaram uma barragem temporária na ponte Stone Bridge, mas isso só serviu para que o Rio Stony Creek transbordasse ainda mais e lançasse uma segunda onda sobre a cidade, vinda de uma direção diferente e encurralando os habitantes. “Foi uma avalanche de morte”, definiu o escritor William H. Shank em seu livro Great Floods of Pennsylvania.
Foi registrado que 2.209 pessoas morreram em Johnstown naquele dia, sendo 99 famílias inteiras dizimadas, incluindo 396 crianças. Mais de 750 vítimas nunca foram identificadas, tendo sido enterradas como indigentes no Grandview Cemetery. A cidade recebeu de 18 países cerca de US$ 3 milhões em doações para colaborar na reconstrução das 1,6 mil propriedades destruídas que somaram mais de US$ 17 milhões em prejuízos. Em 1911, o governo encontrou restos mortais das vítimas em Cincinnati (Ohio).
Depois que a água recuou, uma pilha de detritos cobriu 30 hectares da cidade, formando uma elevação de 21 metros na planície. Demorou mais de 3 meses para remover o aço e o arame farpado acumulado na Stone Bridge, que foi a única coisa que se manteve em pé, tanto que se tornou um símbolo de sobrevivência da região.
A inundação de Johnstown foi o pior e maior desastre provocado pelo rompimento de uma barragem na história, e os sobreviventes desse marco jamais foram indenizados pelo último proprietário da represa por causa de uma brecha na lei. Isso fez com que a legislação dos Estados Unidos adotasse um recurso de lei britânico do caso Rylands v Fletcher, que define o réu como culpado em caso de uso não natural de uma terra. Além disso, foram feitas várias modificações nos projetos de engenharia de como uma barragem deve ser, porém isso não impediu que catástrofes envolvendo represas acontecessem novamente.