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03/11/2020 às 15:00•4 min de leitura
Em 1999, Lydia Fairchild tinha apenas 23 anos e morava em Washington, capital dos Estados Unidos, quando deu à luz dois filhos de Jamie Townsend. O relacionamento passou por altos e baixos, com muitos términos e reatamentos.
Em meados de dezembro de 2002, solteira, desempregada, incapaz de sustentar seus filhos e ainda com mais um a caminho (fruto de uma das vezes que encontrou Townsend), Fairchild foi solicitar assistência do governo do estado de Washington para poder sobreviver. O processo envolvia um exame de DNA dela, das crianças e de seu ex-marido.
No dia em que os resultados chegaram, Fairchild foi convidada para uma reunião com o Departamento de Serviços Sociais de Washington, onde ela foi confrontada por uma das assistentes sociais: “quem é você?”. No momento, ela não entendeu nada, até que uma das assistentes mostrasse os exames de DNA: Fairchild não era a mãe das crianças, apesar de Townsend ser o pai.
Por um momento, a mulher ficou sem saber o que dizer; depois, recuperada, rebateu que era a mãe legítima sim. “O DNA é 100% infalível!”, Fairchild lembra que uma das profissionais explicou. Ela foi pressionada a revelar sua “verdadeira” identidade, visto que os funcionários estavam convictos de que aquele era um caso de sequestro de crianças ou tentativa de fraude na previdência.
Antes que Fairchild pudesse ir embora, atormentada pelos resultados e pelo episódio de opressão, ela ainda foi ameaçada por uma das assistentes.
No dia seguinte, a família inteira da mulher foi convocada ao gabinete do procurador do estado de Washington. Todos foram testados pelo menos três vezes no escritório, no intuito de descartar todos os falsos negativos ou erros laboratoriais que poderiam ter ocorrido no primeiro teste. “Eles tiraram fotos de mim e de meus filhos”, revelou Fairchild.
Depois interrogaram Townsend para tentar entender quem era a mãe verdadeira de seus filhos. A princípio, eles tentaram acusá-lo de manter uma relação incestuosa com sua irmã e chegaram a sugerir que os filhos pertencessem a ela. Depois, o homem foi indagado se tinha outra esposa.
“Eu vi aquelas crianças nascerem de Lydia!”, afirmou Townsend no documentário The Twin Inside Me. “Você estava lá?”, indagou o promotor, cético e suspeito. O homem confirmou que estava, porém o promotor seguiu sem acreditar.
O governo foi atrás de o Dr. Leonard Dreisbach, o obstetra de Fairchild. O médico ficou sem saber o que pensar quando ouviu da boca de sua ex-paciente que ela não era a mãe dos próprios filhos, uma vez que ele foi o responsável por trazê-los ao mundo.
O hospital forneceu os documentos médicos das crianças de Fairchild desde o nascimento. O Dr. Dreisbach apresentou os exames do pezinho das crianças ao lado do nome de Lydia Fairchild e todos os seus dados. “A pegada é impressa no momento em que os bebês nascem e esses cartões são feitos ainda na sala de parto”.
Contudo, para os assistentes sociais e o promotor, isso não era o suficiente. O obstetra se lembra de como eles estavam obcecados pelo resultado apresentado pelo teste de DNA. “A tecnologia do exame do pezinho é a mais antiga e tem sido usada de maneira confiável no sistema de justiça há anos. Mas eles simplesmente se recusavam a ouvir qualquer coisa diferente”, alegou o médico.
Não satisfeito, o promotor público usou um polígrafo para descobrir se Lydia Fairchild estava mentindo sobre tudo. O equipamento acusou que ela estava falando a verdade, mas ninguém se convenceu.
Após ser submetida a todo o tipo de intimidação e situações vexatórias, Fairchild recebeu a temida notificação judicial acusando-a de fraude na previdência e na determinação da maternidade legal das crianças.
“Eu liguei para cada advogado da lista telefônica, mas nenhum deles aceitou o meu caso. Eu entrei naquele tribunal e era apenas eu contra o Estado, que tinha evidências de DNA”, se recordou Fairchild em seu documentário.
Assim que a sessão começou, o primeiro pedido do promotor foi que colocassem os filhos de Fairchild em tutelas separadas. Ela não teve ninguém por perto para ajudá-la, nem mesmo a própria família. Foi somente após sua terceira audiência no tribunal que a mulher finalmente conseguiu contratar o advogado Alan Tindell.
Depois que todas as sugestões médicas se tornaram um beco sem saída que apenas levava à condenação de Fairchild e à perda da guarda de seus filhos, o juiz decidiu que a única maneira de descobrir sobre a maternidade era durante o parto do terceiro filho da mulher. Sendo assim, o magistrado ordenou que testemunhas legais estivessem no momento do nascimento para que coletassem amostras de sangue da criança e da mãe imediatamente.
Apesar de ter consentido que a vigiassem durante o parto, Fairchild sentiu como se o governo tivesse tirado dela experiência do milagre da vida por estabelecer um ambiente que mais condenaria seu futuro do que o tornaria melhor.
O juiz abriu os resultado durante uma audiência, onde comunicou a todos que ela não era a mãe do filho que testemunharam nascer. Mais testes foram feitos, só que, dessa vez, Carol Fairchild, mãe de Lydia, forneceu sua amostra de DNA para provar que era a avó das crianças. O resultado foi compatível, o que gerou certo alívio à Fairchild, porém apenas com mais interrogações.
Enquanto isso, estudando maneiras de poder provar a inocência de sua cliente, Alex Tindell descobriu o caso de Karen Keegan, que foi informada que não tinha o DNA compatível com dois de seus filhos para poder efetuar um transplante de rins.
Após rodadas de testes e interrogatórios, um médico foi atrás de um dos nódulos da tireoide que Keegan retirara anos antes para realizar exames nele. Incrivelmente, o código genético dos outros três filhos estava presente no nódulo. “Em seu sangue, ela era uma pessoa, mas em outros tecidos, ela tinha evidências de ser uma fusão de dois indivíduos”, explicou o Dr. Uhl, do Hospital Beth Israel.
Assim como Keegan, eles descobriram que Lydia Fairchild sofria de “quimerismo humano”, uma condição rara, com apenas 30 casos documentados mundialmente. Isso acontece quando um organismo possui células de dois genótipos distintos. No caso de Fairchild, ela carrega dois tipos distintos de DNA em seu organismo, sendo, biologicamente falando, sua própria irmã gêmea.
O juiz concordou que mais pesquisas e testes fossem feitos, assim como Fairchild foi submetida a um último exame, onde eles coletaram amostras de diferentes partes de seu corpo, incluindo o colo de seu útero.
Em sua audiência final, após 16 meses de batalha judicial, estresse e picos de ansiedade, Fairchild ouviu com alívio que os médicos encontraram uma conexão genética com seus filhos a partir de suas células cervicais.
No documentário The Twin Inside Me, Fairchild falou de toda a sua trajetória de angústia e revelou que o que importa é que ela se sente mãe, da cabeça aos pés, apesar de tudo.