Saúde/bem-estar
02/02/2021 às 15:00•4 min de leitura
Com seus dois andares, paredes de alvenaria e medindo cerca de 36 metros de altura, o Salão Italiano projetado em estilo neorromântico estava localizado em Calumet, Michigan (EUA), e foi construído pela Sociedade Italiana de Benefícios Mútuos pela primeira vez em 1890 para que fosse a sede da organização e servisse de espaço para eventos comunitários. No entanto, o edifício desabou por causa de ventos fortes naquele mesmo ano e foi reconstruído apenas para pegar fogo em 1º de janeiro de 1908, felizmente sem nenhuma vítima.
Parecia que o local rejeitava a construção do edifício, porém os membros da Sociedade ignoraram isso e insistiram em uma terceira construção. No mesmo ano em que o Salão foi consumido pelas chamas, o arquiteto Paul Humphrey Macneil foi convidado para que projetasse o novo prédio. A obra custou aproximadamente US$ 25 mil e a inauguração aconteceu em 11 de outubro de 1908, no feriado do Dia de Colombo.
Contudo, a tragédia ainda não havia se cansado do lugar.
Antes de a pequena cidade de Calumet ser chamada assim, ela era conhecida como Red Jacket, em referência a uma empresa subsidiária da Companhia Calumet e Hecla de Mineração, maior produtora de cobre do mundo na década de 1870 e também a detentora das minas mais profundas da história.
Calumet se tornou uma espécie de marco zero das operações de mineração, portanto muitos imigrantes vieram da Península Superior à procura de trabalho e se instalaram na cidade, fazendo o comércio e a economia crescerem.
O ano de 1913 foi marcado pela luta trabalhista dos operários pelo direito a um salário diário de no mínimo US$ 3, jornadas de trabalho de 8 horas diárias e condições mais seguras, como sugeria o artigo de um jornal de mineração publicado no início daquele ano. O resultado disso foi a sindicalização dos mineiros também de Montana e Colorado, e a convocação da Federação Oeste dos Mineiros (WFM) para decretar greve contra todas as minas da Península Superior do Michigan, incluindo a Companhia Calumet e Hecla de Mineração.
Em resposta à greve total, as empresas de mineração ordenaram que o governo enviasse a Guarda Nacional para terminar com a “balbúrdia”, além de contratar centenas de fura-greves para tentar deslegitimar o movimento. Não demorou muito para que a área atraísse bandidos e invasores de minas. Em um conflito armado, os fura-greves atiraram e mataram dois mineiros em plena luz do dia – muito provavelmente a mando de alguma empresa. Apesar disso, os mineiros travaram uma guerra pacífica, sem episódios violentos.
Uma vez que muitos grevistas eram imigrantes da Finlândia, eles decidiram ir embora para celebrar as festas de fim de ano assim que o rigoroso inverno do Michigan chegou, pois sabiam que a greve não terminaria até lá.
Aqueles que decidiram ficar foram passar a véspera de Natal com seus filhos no Salão Italiano, onde acontecia um evento natalino organizado pelo Comitê das Mulheres Auxiliares da WFM, com música, distribuição de presentes para as crianças, banquetes e até apresentação de peças teatrais.
No fim da tarde de 24 de dezembro de 1913, as crianças fizeram uma enorme fila para receber os presentes do Papai Noel. Havia aproximadamente 600 pessoas distribuídas entre os dois andares do edifício, quando alguma voz em meio à multidão gritou “Fogo!”.
O pânico tomou conta do local, assustando todos. Quem estava no andar de cima desceu para o térreo e acabou sufocando a multidão eufórica que tentava se espremer pela única porta de entrada e saída que havia em todo o Salão Italiano.
Quando as pessoas começaram a tropeçar e a cair umas por cima das outras, o desastre alcançou proporções horríveis. Um “novelo” de corpos se formou nas escadarias e foi sendo empurrado e amontoado até o meio do salão principal do andar térreo. Assim que os bombeiros chegaram, eles tiveram que escalar a escada de incêndio e realizar o resgate do topo do prédio, devido à quantidade de pessoas aglomeradas na rua. A primeira coisa que eles notaram, porém, foi que não havia fumaça, tampouco sinal de fogo.
Mas já era tarde demais. De acordo com o The New York Times, cerca de 73 pessoas morreram emaranhadas em uma pilha de corpos, das quais 60 eram crianças. Até hoje não se sabe o número exato de mortos, pois nunca foi propriamente determinado.
Vários cadáveres foram enfileirados no chão da prefeitura local, que se transformou em um necrotério improvisado após o acidente. Nos arquivos da Universidade Tecnológica do Michigan há uma foto em preto e branco que diz: “Véspera de Natal no necrotério”. A imagem capturou não só os corpos sem vida, como também os pais que ficaram sem seus filhos e as crianças que se tornaram órfãs.
Calumet não estava preparada para algo tão massivo, por isso casas funerárias e igrejas contribuíram para o envio de caixões para a cidade no dia seguinte. Sob um funeral que atraiu mais de 20 mil pessoas, após vários jornais famosos dos Estados Unidos publicarem o desastre, as vítimas foram enterradas em Lake View, um cemitério a cerca de 3 km de Calumet.
Muitas testemunhas disseram que identificaram o homem que havia dado o falso alarme, e que ele era um fura-greve, erguendo a possibilidade de que o episódio no Salão Italiano tenha sido armado por alguma mineradora para punir e fazer os grevistas cederem. Nada foi comprovado durante as investigações, tampouco esse suposto homem foi encontrado, então a acusação só serviu para reforçar o ódio dos mineiros.
A greve acabou na primavera e muitos mineiros foram embora da cidade por não aguentarem os “fantasmas” da tragédia, principalmente porque não tinham uma explicação e nem um culpado punido. Por várias décadas, ressentimento e divisão se estabeleceram entre a classe trabalhadora e os donos das companhias de minério.
A cada aniversário da tragédia, Calumet era absorvida por uma aura de tensão e sofrimento. “Alguns não suportavam falar sobre o que aconteceu. A comunidade só queria esquecer, ignorar e enterrar. Foi assim que eles lidaram com a tragédia no passado, sem as ferramentas de aconselhamento que temos hoje”, disse Joanne Thomas, membro do comitê local do Memorial das Vítimas do Salão Italiano.
O Salão Italiano foi demolido em outubro de 1984 e um arco foi erguido no local para homenagear e lembrar aqueles que se foram de maneira tão drástica e até mesmo prematura. Em 2013, no aniversário de 100 anos da catástrofe, pela primeira vez o evento de celebração se tornou um momento de cura, e não de lamento, com exposições, eventos culturais e palestras.