Ciência
09/10/2023 às 14:00•3 min de leitura
Em 30 de agosto de 2023, um homem chamado Mohammed Ali, morador da aldeia de Maruthonkara, no estado de Kerala, no sul da Índia, morreu sob sintomas gripais e neurológicos. Ele sofreu com dor de cabeça, febre muito alta, tosse, desconforto respiratório agudo e até mesmo convulsões. Quase 14 dias depois, morreu sob as mesmas circunstâncias Mangalatt Harris, aos 40 anos, morador da cidade de Ayahnchery, localizada a 18 quilômetros de Maruthonkara.
Isso foi o suficiente para despertar um alerta entre as autoridades médicas indianas para uma ameaça muito conhecida pelo país. Em 13 de setembro, os resultados dos testes feitos nos cadáveres confirmaram que os homens haviam morrido de Nipah, um vírus mortal que assola a Índia e países asiáticos, contendo uma taxa de letalidade entre 40% e 75%, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
A Índia mal se recuperou da pandemia de covid-19, que causou a morte de mais de 530 mil pessoas no país, e já se encontra novamente em estado de emergência com o que aparenta ser o quarto surto de infecção pelo vírus Nipah desde 2018.
Sem vacina conhecida para a doença, as autoridades instituíram testes em massa para deter a propagação do vírus mortal, proibiu reuniões públicas e até mesmo fechou algumas escolas.
(Fonte: GettyImages/Reprodução)
"Raro e intratável" é como o vírus Nipah foi definido por um artigo científico elaborado por um grupo de pesquisadores e publicado na National Library of Medicine em fevereiro de 2019, logo após o primeiro surto que devastou o estado indiano de Kerala, em maio do ano anterior.
Da família dos Paramyxoviridae, o nome Nipah é em homenagem a um rio na cidade natal do paciente zero, que morreu na Malásia, onde aconteceu o primeiro surto, entre 1998 e 1999. O vírus causou mais de 250 casos de encefalite febril em trabalhadores agrícolas e de matadouros, deixando um rastro de pânico e desestabilização socioeconômica pelo país.
Depois disso, os surtos passaram a acontecer principalmente nas regiões indo-bangladeshianas e foram associados ao consumo de seiva crua de tamareira contaminada por morcegos frugívoros, muito diferente do que aconteceu na Malásia, onde a causa estava relacionada ao contato com cavalos e o abate de porcos.
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Naquela época, a Malásia vivia uma suposta epidemia de encefalite japonesa entre os suinocultores, causada por um vírus transmitido pela picada de mosquitos infectados e muito mais comum em áreas rurais e agrícolas. Infecções pelo vírus Nipah podem ter se estendido até Singapura porque dois matadouros locais abatiam porcos importados da Malásia. Quando as autoridades sanitárias proibiram as importações de suínos dos estados malaios afetados, já era março de 1999, quase um ano depois dos primeiros casos terem surgido.
A comunidade médica descobriu que o Nipah é transmitido entre humanos via gotículas de saliva ou espirros. Além das manifestações neurológicas, a Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) e a insuficiência respiratória com Síndrome da Disfunção de Múltiplos Órgãos (SDMO) foram as principais causas de mortalidade entre os pacientes.
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Em agosto de 2022, um estudo científico feito na China e publicado no New England Journal of Medicine detectou o vírus Nipah em 35 casos confirmados por meio de amostras de saliva extraídas de pacientes das províncias chinesas de Shandong e Henan. Nenhum deles estava em estado grave, mas apresentavam sintomas em comum, como tosse, febre, cansaço, perda de apetite, dores de cabeça e musculares, náuseas e irritabilidade. O estudo ainda mostrou que todos eles haviam tido contato com animais.
Em setembro de 2022 foi a vez de a Índia testemunhar outro surto — dessa vez, no entanto, deixando algumas agências de saúde em alerta depois das consequências avassaladoras da infecção por covid-19. Mas os especialistas alertam que, embora tudo seja possível, é improvável que o surto de Nipah na Índia atinja escala global.
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“O mundo é pequeno, mas a probabilidade de alguém, ou um morcego frugívoro, estar infectado com o vírus Nipah e estar aqui, agora, é muito improvável”, disse Diana Finkel, professora associada de medicina da divisão de doenças infecciosas da Rutgers New Jersey Medical School, em entrevista à ABC News.
É bom ressaltar, porém, que a propagação do vírus Nipah e subsequentes surtos também é um reflexo dos efeitos potencialmente devastadores da destruição do habitat natural dos animais portadores do vírus e das mudanças climáticas.
O deslocamento dos morcegos frugívoros, considerados hospedeiros naturais do Nipah, por meio da destruição de florestas e do habitat natural, criou condições que favoreceram o contato humano, alimentos ou água contaminada por excrementos dos animais. Isso têm acontecido com cada vez mais frequência porque eles são forçados a migrarem para áreas próximas a comunidades humanas.
É nesse cruzamento que os morcegos encontram a expansão desenfreada da agricultura e o desmatamento para a criação de plantações que, ao alterarem os padrões de uso da terra, a colocam em contato com os restos do animal portador do vírus.