Ciência
29/12/2021 às 02:00•3 min de leitura
Localizada no leste da Sibéria, na Rússia, a cidade de Oymyakon tem apenas cerca de 500 habitantes, e é considerada a mais fria do mundo. Diariamente, as pessoas precisam conviver com eternos dias frios de temperaturas não maiores do que -45 °C.
Apesar de ser uma realidade inimaginável para a maioria das pessoas, lá os cidadãos sempre estiveram habituados ao modo de vida, sobrevivendo a base de muitas roupas de peles e bebidas fumegantes.
Em 1709, as pessoas em toda a Europa se depararam com um cenário parecido com o de Oymyakon: temperaturas abaixo de zero que simplesmente não diminuíram por vários meses. Em uma época rudimentar, eles ficaram no escuro, sem saber o que estava acontecendo, ou quando aquele frio apocalíptico passaria.
(Fonte: Pinterest/Reprodução)
Quando as pessoas acordaram na manhã de 6 de janeiro daquele fatídico 1709, a geada torrencial, um verdadeiro “inferno branco” abaixo de zero, já havia se instalado por toda Europa — e literalmente do dia para a noite. O frio de -48 °C era paralisante sob metros e metros cúbicos de gelo criado pela neve que começou a cair e não parou mais.
Visto que o congelamento pode acontecer em menos de 10 minutos quando uma pessoa é exposta a temperaturas abaixo de zero com o fator de sensação térmica, a hipotermia é a primeira reação do corpo a essa abruptalidade. Portanto, de um dia para o outro, milhares de pessoas morreram enquanto dormiam antes de perceberem o quão grave a situação era, incluindo os animais. Mas isso foi só o começo.
Durante três longos meses, Paris ficou ilhada sem poder receber suprimentos, com a neve bloqueando estradas em todo o continente e rios mercantis famosos, como o Tâmisa, cujas camadas de gelo alcançaram até 30 centímetros de espessura. Foi diante desse cenário selvagem que as pessoas tiveram que apelar para o canibalismo dos cadáveres daqueles que não resistiram à geada.
(Fonte: Financial Times/Reprodução)
Não havia animais para sacrifício, tampouco pão, carnes e água, porque tudo havia cristalizado. As únicas bebidas que permaneceram líquidas foram as alcoólicas, como uísque.
A geada não fez distinção entre classes sociais, ela rompeu qualquer barreira. Ainda que em uma situação como essa, os pobres sempre são os mais afetados, os ricos pereceram igualmente em seus castelos imensos e habitualmente frios, que prezavam mais a estética do que a praticidade.
(Fonte: National Post/Reprodução)
O inverno de 1709 foi considerado “o mais frio e cruel que o continente europeu enfrentou em 500 anos”, após três meses de tortura em meio a seis ondas de frio em que as temperaturas só despencaram cada vez mais. A essa altura, o solo já estava arruinando e florestas inteiras estavam mortas. E o estrago não parou por aí.
Quando as temperaturas finalmente começaram a aumentar, o degelo causou inundações devastadoras que ceifaram a vida de mais pessoas ainda. Além disso, nada floresceu na primavera, e o calor trouxe uma onda selvagem de fome, após as pessoas passarem meses em um comportamento neolítico. Houve 155 casos de rebelião aberta somente na França, com pessoas invadindo qualquer edifício, em sua maioria castelos e instituições religiosas.
(Fonte: The Guardian/Reprodução)
Segundo uma análise feita pelo The Guardian, toda a economia agrícola da França foi destruída, seu PIB foi lançado para chocantes 23%, o que demorou cerca de 10 anos para que o país visse algo próximo a uma recuperação.
Quanto ao saldo de mortes, os números são difíceis de precisar. Em entrevista ao Meteo France, o historiador Emmanuel Le Roy Ladurie estima que cerca de 100 mil pessoas morreram em consequência direta do frio apenas na França, sendo que mais 200 mil pereceram de fome e outras 300 mil de maneira indireta. Essa onda de baixas teria durado até 1710, quando doenças, como o tifo e a varíola, se espalharam em endemias pelo país para terminar o resto do trabalho de extermínio.
(Fonte: Regina Reffers/Reprodução)
A geada de 1709 ainda é um mistério para a ciência. O National Geographic sugeriu que o evento tenha acontecido devido a um fenômeno chamado Mínimo de Maunder, descrito pela NASA como um período em que o Sol “entrou em fase de silêncio”. O Sol ficou mais escuro e houve menos atividade vista em sua superfície, menos manchas solares, que resultaram em menos produção de luz solar, o que significou temperaturas muito baixas já que não estava brilhando como deveria.
Os cientistas apontam que a diminuição na energia recebida do Sol causou a formação de menos ozônio, impactando os padrões climáticos, como as correntes de frio, e a presença de sistemas de baixa e alta pressão.
O debate científico ainda é imenso, e a maioria dos estudiosos não chegou a um consenso sobre o que aconteceu do dia para noite, apenas concordam que foi um episódio mortal para a História.