Ciência
10/01/2019 às 11:46•6 min de leitura
Você provavelmente já deve ter se deparado com alguma corrente de assinaturas digitais em prol de alguma causa. E possivelmente também deve ter se perguntado se isso realmente tem algum efeito ou valor legal. Para tirar essas dúvidas, conversamos com dois especialistas em Direito Constitucional: Isabela Pompilio, do Escritório Tozzini Freire; e o também advogado Carter Batista, do Escritório Osório & Batista Advogados.
Antes de mais nada, é preciso lembrar que a definição básica de petição, em termos jurídicos, é um instrumento utilizado com o objetivo de conseguir uma decisão favorável de um juiz. Mas, no linguajar popular, a palavra se tornou um sinônimo de abaixo-assinado, como uma forma de reivindicar algo para uma pessoa, entidade pública ou empresa.
Ou seja, as petições públicas são uma solicitação coletiva em torno de algum assunto, enquanto as individuais servem como um título de causa jurídica. Dito isso, vamos a algumas questões que enviamos aos experts, que falam sobre a natureza e as características de ambas as definições.
“Desde a década de 90 há registros de ativismo digital dessa natureza em países como Portugal e também no Reino Unido. À medida em que mais pessoas tiveram acesso à internet, o potencial desse tipo de manifestação se tornou mais evidente. A massificação das redes sociais talvez tenha sido um marco na capacidade de mobilização das pessoas por meio digital e contribuiu para tornar a petição online uma importante ferramenta democrática da sociedade moderna”, diz Carter.
Petições online são uma evolução dos protocolos que já podiam ser enviados via fax
Isabela lembra que o Poder Judiciário nunca ignorou a tecnologia para o recebimento de atos processuais, a exemplo do protocolo de petições por meio de fax. “Talvez a admissão do fax-símile possa até mesmo ser considerado como o embrião do inexorável caminho em direção à virtualização completa dos processos judiciais, com a facilitação no desenvolvimento de ferramentas como meios de acesso ao Poder Judiciário”, diz.
O peticionamento eletrônico surgiu com a publicação da lei que disciplinou a instituição dos Juizados Especiais Federais, a Lei 10.259/2001. O parágrafo 2º do artigo 8º prevê que "os tribunais poderão organizar serviço de intimação das partes e de recepção de petições por meio eletrônico".
Isabela afirma que as petições online vieram a ser consideradas com mais credibilidade a partir da Lei 11.419/2006, “com a previsão sobre a informatização do processo judicial e sua utilização como meio para a prática de atos processuais, inclusive o peticionamento eletrônico”.
“O princípio é basicamente o mesmo, porém, fora das amarras do mundo físico, as petições online têm a capacidade de alcançar um número muito maior de pessoas de pensamento convergente em determinado assunto”, comenta Carter.
Entretanto, Isabela frisa que a validação de uma petição eletrônica como instrumento jurídico somente é admitido mediante uso de assinatura eletrônica, baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, com o obrigatório cadastro prévio no Poder Judiciário.
Petições online permitem a realização de atos processuais até as 24 horas do último dia do prazo
Além disso, a ferramenta digital permite a realização dos atos processuais até as 24 horas do último dia do prazo, com o respectivo fornecimento de protocolo eletrônico — e é aceita em processos que ainda tramitam fisicamente — neste caso, é impressa e anexada aos autos. “Especificamente em relação à petição inicial de qualquer ação judicial, a parte que providenciar seu protocolo também deverá informar no documento o número no cadastro de pessoas físicas ou jurídicas, conforme o caso, perante a Secretaria da Receita Federal.”
“O meio tradicional, por sua vez, não necessita de prévio cadastramento para que seja efetivado, cabendo apenas que seja praticado necessariamente durante o horário de funcionamento do respectivo tribunal. Assim sendo, por necessitar de recebimento físico, o prazo para cumprimento da ordem é mais reduzido”, complementa Isabela.
Embora Carter não tenha citado nenhum caso em especial, o site Change.org, por exemplo, cita exemplos de mãe de criança com deficiência que conseguiu impedir taxas em escolas e uma petição eletrônica que se tornou campanha mundial de educação para meninas, a partir da vencedora do Prêmio Nobel da Paz, Malala Yousafzai.
O Avaaz também conta com uma seção de vitórias conseguidas por meio do site, como a revogação de uma lei no Marrocos que dava a possibilidade de estupradores se casarem com a vítima para escapar de processo na Justiça.
A petição eletrônica permite acompanhamento de processos à distância, com mais agilidade e segurança
“O peticionamento eletrônico tem a mais completa validade desde o advento da Lei 11.419/2006”, destaca Isabela. “É indiscutível que a criação do peticionamento eletrônico e do processo judicial eletrônico mudou o relacionamento de partes e advogados com o Poder Judiciário, aumentando a eficiência da prestação jurisdicional e permitindo, por exemplo, que processos sejam acompanhados com agilidade e segurança pelos interessados mesmo em comarcas distantes de onde se encontram, sem o penoso deslocamento ou contratação de advogados naquela localidade.”
Outra vantagem é a de que autos de petições físicas podem se extraviar, acarretando a ação de restauração de autos. Além disso, com as petições eletrônicas fica mais fácil para as partes envolvidas conferir simultaneamente o conteúdo. “No caso das petições físicas, a vista para manifestação teria que ser sucessiva, por igual período, acarretando uma maior demora na tramitação do feito”, completa Isabela.
Bem, quando falamos das petições como causas coletivas em sites como Avaaz, e Change.org, há uma série de recomendações para que as mensagens sejam facilmente compreendidas por quem você quer que faça parte da sua campanha. “As petições online precisam ser diretas, versar sobre demandas possíveis e que tenham repercussão no meio social. É necessário procurar um especialista na questão a ser proposta, assessoria jurídica e utilizar-se das redes sociais para aumentar seu alcance”, recomenda Carter.
É preciso ser direto e conhecer bastante sobre o assunto para iniciar uma petição pública online
Já como instrumento jurídico, Isabela afirma que “a falta de diligência para a realização do protocolo normalmente é o erro mais comum relacionado ao peticionamento eletrônico, que acaba indo parar em outro processo que não o correto”. Isso pode ocorrer por um equívoco do próprio advogado, durante o envio pelo meio eletrônico, a partir do preenchimento errado e número do processo ou pelo direcionamento a um juízo diferente daquele em que o processo esteja tramitando.
Verificar tanto as versões eletrônicas quanto físicas é fundamental. “Portanto, cabe à parte ou ao advogado a diligência de verificar se os dados para o peticionamento eletrônico são os mesmos do processo físico a qual se destina a petição e se, posteriormente, o juízo providenciou a juntada efetiva ao processo. Atenção e cuidado são essenciais”, destaca Isabela.
O peticionamento eletrônico e o próprio processo judicial digital foi criado no Poder Judiciário para economizar, especialmente com papel, e agilizar todo o andamento. “Como exemplo, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão responsável pelo controle externo dos tribunais brasileiros, utiliza exclusivamente o Processo Judicial Eletrônico (PJe) desde fevereiro de 2014 para a tramitação de novos processos, sendo que aqueles que estavam em andamento à época foram gradualmente migrados ao referido sistema PJe”, recorda Isabela.
Embora tenha sofrido alguma resistência inicial, devido aos advogados com maior dificuldade de lidar com os meios digitais, “a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) valoriza o peticionamento eletrônico e o processo judicial eletrônico, pela agilidade e segurança da prestação jurisdicional, inclusive promovendo vários cursos de treinamento sobre o tema em todas as Seccionais do País”, afirma a advogada.
Para ambos os advogados, o caminho é sem volta e as petições eletrônicas vieram para ficar. “Eventualmente, o processo eletrônico poderá ser utilizado até mesmo em processos administrativos em órgãos do Poder Executivo e do Poder Legislativo”, comenta Isabela.
Obviamente que, com a chegada de mais mudanças e revisões será necessário sempre “se debruçar para analisar e verificar a respectiva aplicabilidade, nos limites da legislação aplicável, inclusive a Constituição Federal”. “Chegará um momento em que os processos físicos serão lembrados com certo saudosismo”, acredita a advogada.
Já para Carter, as petições online podem evoluir para algo mais próximo à definição popular utilizada em sites como Avaaz ou Change.org. “Na minha opinião, as petições online podem, no futuro, evoluir para se tornarem propostas de Lei de Iniciativa popular, conforme o processo que atualmente pode ser realizado no mundo offline com a Lei de Iniciativa Popular e até mesmo a Emenda à Constituição por iniciativa popular.”
Isabela lembra que a análise de dados já é uma realidade no Direito e no processo eletrônico, incluindo softwares jurídicos que usam estatística para prever resultados e oferecer probabilidades. “Combinados, a análise profunda dos dados e o respeito às garantias constitucionais permitirão aos cidadãos brasileiros a resposta ao menos satisfatória do Poder Judiciário aos conflitos que lhes afligem, inclusive apontando ao jurisdicionado a possibilidade de êxito e o tempo estimado para a solução do conflito no momento em que apresentado à autoridade competente.”
Maior interesse do próprio governo poderia tornar as petições públicas online mais relevantes
Ela também afirma que o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) atualmente investe “maciçamente em inteligência artificial (IA) e as petições eletrônicas são essenciais para essa nova realidade”. Para Isabela, “dentro em breve, todos os demais tribunais deverão adotar a IA também”. “Ou seja, indiscutivelmente, a realidade da petição eletrônica é um caminho sem volta.”
Já Carter crê que um maior interesse do próprio governo poderia tornar as petições online — que a maior parte da população vê como algo semelhante a um “abaixo-assinado” — como algo mais relevante e eficiente.
“A participação popular na tomada de decisões já é uma regra prevista em nosso ordenamento. Em muitos casos, a ação da União depende de deliberações do Poder Legislativo, tendo em vista a primazia do princípio da legalidade”, diz o advogado.
“Contudo, acredito que o Governo Federal, querendo, poderia criar mecanismos mais eficientes de cadastro e controle das chamadas petições online para que, no futuro, haja, por exemplo, dados necessários a basear propostas de Lei que possibilitem a maior abrangência e eficácia do ativismo digital.”