Artes/cultura
02/09/2021 às 04:00•3 min de leitura
Foi graças à rivalidade ferrenha dos paleontólogos norte-americanos Edward Drinker Cope e Othniel Charles Marsh em um episódio conhecido como Guerra dos Ossos — em que esses homens entraram em um conflito envolvendo suborno, roubo e outras manobras clandestinas — que a sociedade do final do século XIX na América do Norte e na Europa começaram a ser tomadas pelo frenesi da ideia de existirem dinossauros no espaço.
A dupla se tornou famosa por uma corrida tão acirrada quanto à espacial, que foi disputada pelos Estados Unidos e pela União Soviética para identificar mais de 130 novas espécies de dinossauros, entre 1870 e 1890, pelo oeste americano.
Os espectadores ficaram chocados quando os restos dos animais extintos foram exibidos em museus de história natural; contudo, eles não estavam apenas deslumbrados com as proporções enormes das criaturas.
(Fonte: Tudo Celular/Reprodução)
Conforme Zoë Lescaze, autora de Paleoart: Visions of the Prehistoci Past, disse em entrevista para a Vice: “No final do século XIX, as pessoas passavam por tremendos cataclismos sociais e uma revolução científica indiscriminada que mudava completamente sua compreensão da maneira como o mundo funcionava em todos os níveis”.
Até aquele momento, a crença social era de que todas as criaturas foram feitas por Deus, porém os dinossauros foram responsáveis pela ruptura científica dessa consciência religiosa universal ao forçar as pessoas a lidar com a idade do planeta e as formas de vida que existiam antes dos seres humanos.
Para Lescaze, as pessoas estavam experimentando a desestabilização fundamental da importância humana, da garantia da própria sobrevivência e da benevolência de Deus, ensinando que Ele poderia simplesmente exterminar a própria criação, como fez com os dinossauros. “Essa ideia não foi exatamente reconfortante”, pontuou a autora.
(Fonte: Artstation/Reprodução)
À medida que a sociedade foi se acostumando com a ideia de que o planeta não havia sido feito só para os seres humanos, surgiu um sentimento de rivalidade terrestre com os dinossauros. Havia uma sede pública de imaginar confrontos entre humanos e os gigantescos animais, representados como monstruosos, enquanto os humanos assumiram a posição de "avatares" de superioridade com armas equipadas e um senso de salvador da dominação da humanidade.
(Fonte: ESO Supernova/Reprodução)
Em 1895, Gustavus W. Pope deu um passo adiante quando transportou todo esse fascínio pelos dinossauros para o planeta Vênus em sua obra Journey to Venus, unindo o espaço, que havia olhado por milhares de milênios para a Terra, como mais um integrante desse deslumbramento social.
“Ao longo da costa, aquecendo-se na areia ou chafurdando nos pântanos lamacentos, havia enormes répteis terrestres, os iguanodontes, os megalossauros e os dinossauros”, escreveu Pope. “Estes foram apenas o início das maravilhas exibidas neste Mundo Primevo”, segundo ele.
O astrônomo Carl Sagan, em um programa de 1980 da PBS Cosmos, foi o responsável por desmontar a "falácia do dinossauro venusiano", que foi altamente difundida durante o século XX com o advento da corrida espacial.
Em 1950, a existência de dinossauros em Vênus ganhou força no imaginário popular com a explosão da ficção científica no mundo, a partir de uma coletânea de histórias futurísticas publicadas pela Revista Coronet chamada Sr. Smith Vai para Vênus.
(Fonte: The Smithsonian/Reprodução)
Sem dar crédito a nenhum autor, a história se passava ao redor de uma família que tirou férias em Vênus no ano de 2500, unindo a revolução social e tecnológica proporcionada pela Era Atômica, explicando que essa energia poderia ser a chave para a paz universal e a viagem para planetas distantes. A ideia teve um significado especial para aqueles que acreditavam que o poder atômico podia ser a chave para "as realizações mais magníficas do homem".
Também unindo o fascínio pela viagem de avião, que dava seus primeiros passos no país, a história incluía uma ilustração feita por Chesley Bonestell de uma arma de raios apontando para um triceratopes. Conforme a história, os animais não eram apenas caçados, eles também estariam em zoológicos em Vênus.
(Fonte: Pinterest/Reprodução)
Em seu documentário, Sagan explicou que a crença de que Vênus poderia estar escondendo dinossauros secretos em um hábitat específico de floresta tropical foi impulsionada por telescópios poderosos que permitiram aos astrônomos observarem as características mais sutis dos mundos vizinhos.
Muito parecido com os “canais” mal-identificados de Marte, que se transformaram em "alienígenas invasores e hostis", o mesmo aconteceu quando os astrônomos disseram que Vênus tinha nuvens — automaticamente se tornando em um "planeta-dinossauro".
(Fonte: IMDb/Reprodução)
A ideia foi derrubada pela Ciência a partir de 1961 com o soviético Programa Venera, que enviou uma série de sondas espaciais para coleta de informações em Vênus. Contudo, os dinossauros venusianos já estavam enraizados no imaginário popular e ainda faziam parte da certeza de muitos negacionistas com relação às alturas que o homem alcançou fora da Terra.
Para o produtor Michael Uslan, criador da série animada Dinosaucers, a desmistificação dessas teorias selvagens sobre o planeta foi fundamental para o impulsionamento da ficção científica.
“Precisávamos de um novo senso de admiração, fazendo ficção científica enquanto tentamos acompanhar os fatos do que está acontecendo com viagens espaciais, tecnologia e descobertas de dinossauros”, disse Uslan.