A ciência demorou para estudar o clitóris das cobras — e isso importa

22/03/2023 às 14:002 min de leitura

A não ser que você seja um herpetologista (ramo da zoologia que estuda répteis e anfíbios), é provável que você nunca tenha perdido o sono se perguntando "por que a ciência levou tanto tempo para estudar o clitóris das cobras?". Mas a verdade é que essa questão é bem importante — por vários motivos que vamos explicar ao longo desse artigo.

Tudo começa quando analisamos que os órgãos sexuais masculinos dos répteis são estudados há, pelo menos, um século. Os biólogos sabem muito bem que o hemipênis, geralmente, tem duas pontinhas, que só são expostas na hora do acasalamento. No resto do tempo, elas ficam guardadas dentro do corpo dos répteis. Sabem até que há uma grande variedade de formas e tamanhos entre as espécies, sendo que algumas têm espinhos e mais pontinhas.

E sobre as cobras fêmeas? Pois é: o primeiro estudo sobre elas só apareceu em 1995. Durante muito tempo, os cientistas simplesmente acreditaram que o clitóris das cobras — ou, melhor, o hemiclitóris, equivalente ao hemipênis — não tinha nenhuma função biológica ou evolutiva. Só que ninguém o estudou a fundo para afirmar isso.   

O viés machista até na ciência

a(Fonte: The Royal Society Publishing)

Um artigo de revisão, divulgado em 2014, analisou estudos sobre os genitais dos animais entre 1989 e 2013. Mais da metade focava apenas nos machos e só 20% focava nas fêmeas (e outros estudavam ambos os sexos). Isso é sintoma de um problema geral na ciência: a ideia de que só o masculino merece interesse.

Isso acontece até na biologia humana: até algumas décadas atrás, a ciência sabia muito pouco sobre o clitóris das mulheres. A ideia de que o espermatozoide não nada ativamente enquanto o óvulo fica parado (o que sempre aprendemos) só começou a ser estudada recentemente. Há indícios de que a anatomia feminina é o que move a gameta masculina até o óvulo. 

Voltando para as cobras, um estudo liderado pela bióloga Megan Folwell, da Universidade de Adelaide (Austrália), entendeu que as cobras têm, sim, um hemiclitóris — e que a estrutura traz diversas informações importantes sobre essas espécies. Mas não só isso: Folwell escreve que muitos estudos anteriores ao seu identificaram os hemiclitóris erroneamente como hemipênis ou glândulas. Há artigos que só citavam outras pesquisas, sem conferir se elas faziam sentido — ou seja, pesquisando diretamente com os animais. 

Na verdade, os hemiclitóris das cobras têm tantas diferenças em tamanho, formato e anatomia quanto os hemipênis (o estudo de Folwell descreveu nove espécies). Logo, ele provavelmente tem tanta importância biológica e evolutiva quanto os órgãos dos machos — diferente do que outros cientistas afirmavam, sem se importar em pesquisar a fundo. 

Um problema generalizado

Outras pesquisas atestam como o foco exagerado nos machos acontece em vários campos da biologia. Até os fósseis de espécies extintas são, em sua maioria, de machos. E os exemplares mantidos em laboratórios para estudar cada espécie raramente são de fêmeas: só 29% deles, no caso de pássaros, e 39% para mamíferos, segundo uma pesquisa de 2019. 

Enquanto os ossos penianos dos mamíferos, como roedores, já foram descritos e estudados milhares de vezes, pouco se sabe sobre a estrutura equivalente nas fêmeas. Uma pesquisa de 2016, feita por cientistas homens, sugeriu que o osso clitorídeo tinha pouca função — mais ou menos o que se afirmava sobre as cobras.

Mais do que o machismo, isso pode ser atribuído à falta de diversidade na ciência. Isso leva os mesmos grupos de pessoas (homens brancos, cisgêneros e heterossexuais) a manter hipóteses e percepções parecidas. Desse modo, a visão de que a anatomia masculina é mais importante, em todas as espécies, se perpetua. 

Enquanto isso, na natureza, é possível encontrar fêmeas dominantes na relação, que têm clitóris maiores, além de animais com comportamento homossexual e até transexualidade. Mas, para que esses fenômenos recebam a devida atenção, a ciência precisa mudar. 

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