Ciência
24/10/2013 às 07:21•6 min de leitura
“Gravidade” é um filme de suspense e drama capaz de tirar o fôlego até mesmo dos cinéfilos mais exigentes. Estrelado por Sandra Bullock e George Clooney, o título reúne sequências impressionantes do espaço, simulando (aparentemente) com perfeição a vida dos astronautas lá fora.
Mas quem entende um pouco mais de ciência e principalmente de Física percebe detalhes em vários momentos da trama que não são notados pela maioria do público. Embora “Gravidade” seja uma produção estonteante, ela está cheia de erros.
É claro que, por se tratar de ficção, os “erros” são compreensíveis, afinal nem tudo precisa seguir à risca a realidade para que um filme se torne envolvente. Mesmo assim, dezenas de especialistas estão criando listas e mais listas com erros e acertos do filme.
Aqui, reunimos uma série de elementos em que os produtores acertaram em cheio e outros em que problemas acabaram aparecendo. Confira abaixo uma seleção feita com base em quem entende do assunto: físicos, cientistas e astronautas!
ATENÇÃO: esse artigo é totalmente feito de spoilers. Aconselhamos que você assista a “Gravidade” antes de conferir o conteúdo.
Garrett Reisman, ex-astronauta da NASA, escreveu um artigo completo para a revista Forbes em que mostra todos os pontos positivos e negativos que ele encontrou no filme. O primeiro aspecto que ele analisa (e que, para ele, é o maior erro do título) está em violações graves da física.
“Não há nenhuma maneira de ir pulando de uma espaçonave ou estação espacial para outra com tanta facilidade. É preciso uma enorme energia e planejamento cuidadoso para mudar as órbitas. Um ótimo exemplo é o que aconteceu na tragédia do Ônibus Espacial Columbia, em que, mesmo com um computador de voo, um tanque de propulsor cheio e centenas de pessoas em terra para apoiar, não havia nenhuma maneira de a equipe chegar em segurança na Estação Espacial Internacional.”
Fonte da imagem: Reprodução/Warner
Reisman ainda complementa ao falar de uma cena que, provavelmente, foi a que mais chamou a atenção de quem entende um pouco do assunto. “Você não pode simplesmente olhar ao redor, ver outra nave espacial e, em seguida, chegar lá simplesmente apontando na direção geral dela com alguns jatos suaves e um extintor de incêndio.”
Laszlo Xalieri, outro especialista no assunto, complementa o debate. “Vamos começar com o problema de que o Hubble [que eles haviam ido reparar na cena de abertura] orbita a uma centena de quilômetros maior do que a ISS. Assim, os propulsores mágicos no jetpack do terno de Clooney teriam que lidar com a mudança de velocidade de pelo menos 180 quilômetros por hora para mantê-los sem serem esmagados como geleia em seus ternos — ou cortados ao meio pela ISS quando chegassem lá.”
Fonte da imagem: Divulgação/Warner
Diversos especialistas estão chamando a morte do personagem de Clooney como a mais desnecessária do cinema. Para Reisman, isso demonstra bem alguns erros que o filme traz em relação ao comportamento dos astronautas. “Não havia absolutamente nenhuma razão para que Clooney se sacrificasse! Uma vez que Sandra o pegou, ele apenas ficaria flutuando lá. Apenas um pequeno puxão na corda já era o bastante para mandá-los de volta para a estação espacial.”
A calma do personagem de George Cloney impressionou muita gente, mas, segundo o físico renomado Neil deGrasse Tyson, a calma mesmo em momentos de intenso stress é bastante comum em astronautas mais experientes. Reisman concorda e diz que se identificou com o personagem em grande parte do filme.
Fonte da imagem: Reprodução/Warner
“Como Clooney imaginava bater o recorde de caminhada espacial de Anatoly se, aparentemente, eles não usam ou fraldas ou uma peça de vestuário de resfriamento em seus trajes espaciais?”, questiona Reisman.
De fato, para quem se interessa pelo assunto, esse foi mais um ponto de decepção no título. O astronauta ainda brinca: “Além de tudo, ele estaria dentro de um traje espacial muito malcheiroso. Embora eu tenha que admitir que Sandra Bullock parecia muito mais sexy em seus shorts e regata do que eu quando tirei minha roupa espacial.”
Garrett Reisman (esquerda) com a roupa que realmente é usada por baixo do traje espacial. Fonte da imagem: Reprodução/Forbes
Laszlo Xalieri complementa: “Os trajes espaciais pareciam bastante bem feitos para o filme, mas... Você não apenas usa suas cuecas em um traje espacial. Há um conjunto de líquidos de refrigeração para ajudar você a manter uma temperatura corporal. O espaço pode ser muito quente e muito frio do lado de fora de seu traje. Você não vai querer tocar nada, mesmo dentro do traje, não importa quão bem isolado ele seja, sem usar uma ‘luva de forno’ no corpo inteiro”, diz.
“Sem nada para ajudar a espremer o sangue de seus braços e pernas, também não haverá sangue suficiente para sua cabeça e órgãos internos. Essa última parte é mais importante em lançamentos e aterrissagens — ou se você de repente começar a girar. E também aposto que aquelas articulações sanfonadas serão capazes de dar beliscões inesquecíveis sem o uso de uma proteção.”
Outra cena foi observada por Xalieri: quando a personagem de Bullock fica sozinha na aeronave. “Se você está com frio na sua cápsula espacial e sem aquecimento, coloque o seu maldito capacete! Isso ajudará a reter o calor do corpo em seu traje. Especialmente se você estiver apenas de shorts dentro dele.”
Pela experiência de Reisman, o astronauta garante: a falta de comunicação com a Terra jamais aconteceria na vida real, dentro do que é apresentado no filme. “Um campo de destroços em órbita baixa da Terra nunca iria tirar satélites de comunicação geoestacionários do ar.”
Para quem jamais entrou em uma nave espacial, pode parecer normal a cena em que a personagem de Bullock se bate ao entrar em uma nave chinesa, mas, mesmo assim, consegue voltar para casa. Para um astronauta de verdade, isso não faz qualquer sentido. “Se você me colocar em uma nave espacial chinesa, de nenhuma maneira eu seria capaz de descobrir como voar para casa.”
Fonte da imagem: Reprodução/Warner
Xalieri observou outro problema: “Há a maneira sobrenatural em que a cápsula Tiangong caindo consegue orientar-se para uma tentativa de reentrada. Seja o que for que os chineses do filme fizeram para tornar isso possível, é preciso comprar algo disso para programas espaciais norte-americanos”.
Segundo Garrett Reisman, uma das coisas que mais chama a atenção no título é a forma como o 3D é utilizado para aumentar a proximidade com a realidade em um ambiente que é desconhecido para a maioria das pessoas.
Para ele, nenhuma outra obra de ficção chegou tão perto do que “Gravidade” consegue. “O filme faz um excelente trabalho de capturar o que é fazer uma caminhada espacial. (...) Depois de ter feito três caminhadas espaciais, posso dizer que tudo aquilo é legítimo”, diz o astronauta.
Fonte da imagem: Reprodução/Warner
“O impacto visual de não ter nada além do vidro do seu capacete entre você e a Terra foi demonstrado perfeitamente — apesar de que a Terra aparece um pouco mais nítida e viva no filme do que na vida real. Além disso, no filme há quase sempre uma massa de terra interessante para olhar, quando na realidade você gasta a maior parte de seu tempo olhando para uma visão menos interessante do oceano”, complementa.
Neil deGrasse Tyson também comentou as cenas em sua página do Facebook. Segundo ele, o mais impressionante é a reprodução da mudança entre o dia e a noite em imagens vistas do espaço. O físico também aprovou a reprodução das auroras, fenômeno que é visível à distância.
Além disso, Tyson também observou como os pontos de maior perfeição no filme “a magreza da atmosfera da Terra em relação ao tamanho da Terra” e “o céu estrelado que, embora um pouco forjado, capturou o alcance e equilíbrio de um verdadeiro céu noturno”.
Reisman comenta que a Física das caminhadas espaciais foi reproduzida com perfeição, principalmente ao mostrar a dificuldade existente em relação à Física com a qual estamos habituados aqui na Terra.
Fonte da imagem: Reprodução/Warner
“O movimento e as respostas físicas de fazer uma caminhada espacial são encenados de uma maneira muito precisa. A facilidade de começar um movimento e a enorme dificuldade de pará-lo no vácuo do espaço são captadas com precisão em muitas cenas”, diz Reisman.
Outro ponto de cuidado dos produtores foi na reprodução dos equipamentos espaciais. Para quem nunca foi treinado para ser um astronauta, qualquer coisa pode parecer real, mas Garrett Reisman diz que os detalhes são impressionantes e que “Gravidade” vai além de um simples “mix” de botões e painéis aleatórios.
Fonte da imagem: Reprodução/Warner
“Quando a personagem de Sandra Bullock gira as duas válvulas para desligar o fluxo de oxigênio na Soyuz, são exatamente as duas válvulas corretas para isso. Quando ela quer comandar o motor de manobra orbital, o CKD, ela aperta o botão correto, e que também é rotulado corretamente. Os interiores da Soyuz e da Estação Espacial Internacional são muito realistas, embora os vários módulos não estejam na posição correta”.
Aliás, uma pergunta que não quer calar: se a personagem de Bullock era médica, por que ela foi a escolhida para fazer reparos no Hubble? Não é preciso ser um especialista para perceber que isso não faz muito sentido na trama.
Outro ponto positivo no filme, segundo Neil deGrasse Tyson, está na reprodução de sons. Para ele, o filme chega próximo à perfeição ao mostrar a mudança de sons em ambientes diferentes. “A passagem do silêncio ao som entre uma câmara despressurizada e o ambiente pressurizado é perfeita.”
Todo o pânico que o filme causa nos espectadores com restos espaciais voando não é apenas um elemento a mais na trama, colocado para aumentar a tensão e dar motivos para tudo o que ocorre em seguida. Reisman conta que já passou por experiências aterrorizantes lá fora.
Fonte da imagem: Reprodução/Warner
“Durante a minha primeira caminhada espacial, meu parceiro Rick tinha que retirar um identificador que estava na parte externa da estação. Quando voltamos para a nave, ele notou um buraco de cerca de um milímetro de diâmetro no aparelho, que foi feito por um minúsculo pedaço de detritos orbitais, feito de alumínio sólido. Ele olhou para mim e disse: ‘Se isso tivesse atingido um de nós ...’ Não havia necessidade de terminar a frase, uma vez que tal evento teria sido instantaneamente fatal”.
Neil de Grasse Tyson também comenta sobre o assunto e diz que o filme retratou com exatidão a velocidade absurda com a qual destroços espaciais são lançados contra os astronautas e sua nave.