Ciência
31/10/2016 às 08:08•4 min de leitura
Prazer, eu me chamo Diego, tenho 34 anos, sou redator do Mega Curioso e sou nerd. “Ué, mas isso não é exatamente o contrário do que diz o título?”. Calma, perspicaz leitor, para entender o que mudou, é preciso voltar duas décadas no tempo, em um período que a internet chegava ao Brasil.
Em 1996, ainda adolescente, eu era BEM tímido. Era aquele tradicional CDF do colégio, sempre entre os 3 melhores da turma. E isso sem esforço: apenas era desse jeito, talvez porque tivesse facilidade com os estudos, talvez pela falta de amigos, talvez pelas mudanças constantes de colégio. Claro que isso teve um preço, já que como a maioria dos CDFs eu tinha uma grande dificuldade de interação social.
Ao ganhar acesso à internet em casa, naquele ano, passei a viver uma segunda realidade. O modem e seu tradicional barulho me colocaram em um universo virtual, então não é preciso explicar como a reclusão passou a ser algo extremamente comum na minha vida. Apesar de que esse isolamento era em um período em que a internet te abria as portas para o mundo: eu tinha amigos na Austrália, no Egito e na Itália. Praticamente nenhum na escola.
Da pré-escola à 8ª série: excelentes notas, poucos amigos
Durante minha adolescência, meus pais eram donos de uma videolocadora. Cresci cercado pelo universo cinematográfico, então não precisava de muitos amigos. Eu tinha Luke Skywalker. Eu tinha Indiana Jones. Eu tinha os goonies. Eu era o nerd-estereótipo. Fazer a transição para o Ensino Médio-Técnico, no então CEFET/PR, foi natural. O curso de Eletrônica era algo que acompanhava minha nerdice: cálculos eram a minha praia e aquilo que eu tinha mais facilidade.
Nessa época, fui apresentado a algo transformador: J. R. R. Tolkien. Se eu já tinha uma facilidade para me apaixonar por mundos paralelos mais emocionantes do que a minha vida real, gostar da Terra Média foi apenas algo que estava prestes a acontecer. E isso bem antes de começarem as gravações dos filmes de “O Senhor dos Anéis”...
Portanto, ao iniciarem as filmagens, eu já acompanhava todos os desdobramentos. É importante lembrar que essa era uma época pré-redes sociais, antes do YouTube, antes de tudo. Caçar informações era uma tarefa complicada, foi então que caí naquilo que então fazia sucesso na internet: fóruns de discussões.
"O Hobbit": a porta de entrada para o universo mágico criado por Tolkien
A Valinor ainda era um site com foco específico: admiradores das obras escritas por Tolkien. Porém, com a estreia do primeiro filme, o assunto explodiu e a procura por quem discutisse isso também. Era natural que o Fórum Valinor acompanhasse esse crescimento. Para dar conta de tamanha bagunça que se sucedeu, uma equipe de antigos usuários foi colocada para moderar os grupos de discussão. Eu estava lá.
Desde cedo, então, precisei ponderar palavras para desestimular o comportamento dos haters. Afinal, a gente tinha que ajudar os usuários a não brigarem, nem desviarem os assuntos, não criarem tópicos repetidos e por aí vai. Os moderadores começaram a ter contato com todos, por isso suas presenças eram muito cobradas nos encontros que o pessoal do fórum fazia.
Apesar de já ter uns 19-20 anos nessa época, eu ainda não tinha tanta desenvoltura. Até saía para baladas com meus primos, mas era bem pouco. Viajar sozinho, morando no interior do Brasil (Ponta Grossa/PR), era quase impossível. “Vai pra São Paulo levar bala perdida”, eu ouvia. Então tive que ir escondido uma vez.
Moderadores do Fórum Valinor no encontrão de setembro de 2002, no Rio: ninguém tinha máquina digital nessa época
Conhecer uma galera quase totalmente mais nova, fã daquilo que eu também era fã, foi incrível. Todo mundo queria conversar, tirar fotos e se conhecer. Mas ao mesmo tempo que via uma certa relação de ídolo-fã, por ser moderador do fórum, eu também via a maioria ali como meus próprios ídolos. Era um grupo de amigos para a vida, que permanece até hoje.
Olhe que estamos falando do começo dos anos 2000. Ainda não existiam as redes sociais e nem sequer as webcelebridades que pipocam a cada dia por aí. Ao participar desses encontros, eu não podia mais ser aquilo que sempre fui: um nerd tímido e retraído, com dificuldade de interação. No fundo, muitos de nós éramos assim, por isso entendíamos uns aos outros. Mas a galeria que a gente tomasse as rédeas dos encontros e assim acabou acontecendo.
Isso foi primordial para nos sentirmos cada vez mais à vontade. As reuniões aconteciam com alguma frequência, cada vez atraindo mais pessoas. A “máscara” que vesti para me mostrar “cool” era a faceta que eu sempre quis ser. Saber me comunicar, rir, contar piadas ruins, filosofar sobre Saturno, beber e ser jovem. Eu estava sendo aquilo que sempre quis. E tudo da maneira mais nerd possível.
Galera fantasiada para pré-estreia de "As Duas Torres", em dezembro de 2002, em São Paulo
Nessa época, começo dos anos 2000, eu já tinha adentrado a faculdade de Engenharia da Computação. Mais nerd, impossível. Só que eu detestava aquilo. Criei coragem, abandonei o curso e acabei enveredando para a área da comunicação, uma paixão desde a infância, e cursei Jornalismo – sofriiiiiii com tanta leitura e escrita, afinal, eu vinha de uma trajetória nas Exatas.
Hoje estou aqui, escrevendo sobre assuntos dos mais variados e vendo que atingir a plenitude pode, sim, ser através daquilo que gostamos, sem negarmos o nosso íntimo. Eu poderia ser feliz de outra maneira? Não sei, talvez até a encontrasse de outras formas. Mas a que tenho agora é incrível. E só tenho a agradecer a cada um dos nerds que cruzou meu caminho em todos esses anos e deixou um pouquinho do seu jeito de ser em mim.
Continuo nerd, mas abandonei a concepção pejorativa dessa palavra. Afinal, os nerds acabaram dominando as últimas décadas e hoje ganharam o status de “geek”: outro termo, que no fundo quase nada difere daquilo que conhecemos há anos. Tolkien e a internet foram os estopins necessários para eu descobrir minha verdadeira vocação.
2016: indo trabalhar no Dia da Toalha
P.S. Nada contra quem é o nerd clássico e nem contra quem se aventurou pelo lado das Exatas: o que aprendi nessa jornada é que existe espaço para todo mundo. Basta praticarmos um pouquinho mais a tolerância e a empatia.