Artes/cultura
10/03/2022 às 06:30•3 min de leitura
O Brasil condena a invasão russa na Ucrânia na ONU, votando com a maioria dos países — enquanto o presidente e sua base aliada falam em neutralidade e até cogitam apoiar o governo de Vladimir Putin. Esse posicionamento ambíguo do nosso país está gerando certo mal-estar com outras potências, como Estados Unidos e União Europeia.
Contudo, esse talvez seja o menor dos problemas da guerra na Ucrânia para os brasileiros (os que vivem aqui, pelo menos). As sanções econômicas contra a Rússia, por outro lado, já trazem consequências práticas para o Brasil e vão continuar trazendo conforme o conflito se estende.
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Cotações de moedas estrangeiras e bolsas de valores estão mudando a todo tempo, os preços de alguns produtos (como o petróleo) estão disparando e várias instituições russas não podem fazer negócios com países contra a guerra. Muito além dos gabinetes da política e dos índices financeiros, essas questões geram consequências práticas para nós — cidadãos comuns.
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Para começar, vamos falar da consequência mais clara de todas: os combustíveis. No dia 8 de março, o governo dos Estados Unidos anunciou a proibição da importação de petróleo e gás vindos da Rússia. Sendo este um grande fornecedor da commodity para todo o Ocidente, ela tende a ficar escassa — e, por consequência, mais cara.
Foi mais ou menos isso que aconteceu na famosa "Crise do Petróleo" dos anos 1970: os países produtores regularam a oferta e fizeram os preços dispararem — mesmo que por razões muito diferentes, a consequência é a mesma. Como o Brasil regula os valores dos combustíveis pela cotação do petróleo em dólar, a gasolina e o diesel podem aumentar aqui.
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Isso só vai ocorrer se o governo não mudar as regras, claro. Já existem conversas para acabar com a política de cotações em dólar e até congelar os preços de combustíveis por seis meses. Vale lembrar que 2022 é ano de eleição e novos aumentos pegam mal para o governo — além de pagar mais caro no posto, o brasileiro verá o maior preço dos combustíveis se refletir em tudo que compra, uma vez que o país depende do transporte rodoviário.
Com isso, bancos e consultorias já aumentaram suas projeções para a inflação no Brasil: a do BNP Paribas foi de 6% para 7%, por exemplo, e a da XP Investimentos aumentou de 5,2% para 6,2% em 2022 — e de 3,2% para 3,8% no próximo ano. Em resumo, tudo vai ficar mais caro.
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Além da gasolina, existe outro problema que pode fazer tudo ficar mais caro no mercado: os fertilizantes. O agronegócio brasileiro importa dos russos cerca de 80% dos fertilizantes que utiliza, como nitrogênio, fósforo e potássio. Essa, aliás, foi a justificativa do governo Bolsonaro para sua viagem a Moscou, pouco antes do início do conflito.
Mesmo que o Brasil não corte laços com a Rússia, como os Estados e a União Europeia estão fazendo, a produção dos fertilizantes neste país pode ser prejudicada. Além disso, cargas do produto estão sendo impedidas de passar: a Lituânia, membro da OTAN, deteve um navio de Belarus (aliado de Putin) que traria fertilizantes para o Brasil.
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Segundo especialistas, não deve faltar nitrogênio, fósforo ou potássio no mundo — há mais países que fornecem essas substâncias, como o Canadá. A questão é que, como no caso do petróleo, o preço vai aumentar bastante... Aí, acontece um efeito cascata.
Isso porque o Brasil usa essas substâncias para produzir soja e milho, que vão ficar mais caras. Porém, além de servir como comida para humanos, a soja e o milho também são usadas como ração animal. Dessa forma, a carne também tende a ficar mais cara. Se já estava difícil fazer um churrasco, se prepare...
Ainda no agronegócio, vale mencionar que a Ucrânia é uma grande produtora de grãos e trigo. Com os esforços desse país voltados para a guerra, tais produtos tendem a ficar mais caros no mercado internacional. Mas isso até que pode ser bom para os produtores brasileiros, que vão acabar atendendo à demanda — somos um dos maiores produtores de grãos do mundo.
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Voltando ao problema dos fertilizantes, o governo tem uma alternativa na manga para diminuir nossa dependência das importações da Rússia: minerar essas substâncias em terras indígenas. O governo afirma que há grandes reservas de potássio na Amazônia, por exemplo. Diz também que os próprios indígenas poderiam ser beneficiados pelos royalties.
Já representantes indígenas e ambientalistas discordam totalmente disso. Para começar, dizem que há potássio mais que suficiente para abastecer o agronegócio fora de terras indígenas — o Brasil que nunca quis explorá-las porque é mais barato importar os fertilizantes. Portanto, essa história seria só uma desculpa para "passar a boiada" e aumentar a exploração da Amazônia.
Claro que, por mais que o governo defenda, a mineração em terras indígenas só será permitida se o legislativo aprovar. Até lá, muitas discussões sobre o assunto vão acontecer.