Ciência
09/04/2022 às 06:00•3 min de leitura
Por séculos, economistas, sociólogos e demais pesquisadores têm discutido, sem muito sucesso, como resolver o que talvez seja um dos grandes problemas da humanidade: a pobreza a que boa parte da população mundial está submetida. O ativista político e pastor Martin Luther King Jr., ao fim de sua vida de luta pelos direitos civis, declarou no Senado norte-americano que a solução para a miséria talvez seja a mais simples de todas: garantir alguma renda aos mais pobres.
(Fonte: Wikimedia Commons)
Passados 55 anos da declaração de Martin Luther King Jr., um projeto está prestes a ser testado justamente no bairro em que o pastor nasceu: o Old Fourth Ward, em Atlanta, no estado norte-americano da Georgia. Duas organizações — a Georgia Resilience and Opportunity Fund (GRO) e a GiveDirectly — estão lançando o maior projeto de distribuição de renda já realizado no sul dos Estados Unidos. O "In Her Hands" vai ajudar cerca de 650 mulheres pobres de bairros majoritariamente negros que receberão transferências mensais de 850 dólares ao longo de dois anos.
O diferencial do programa é o seu público-alvo, visto que é destinado exclusivamente a mulheres negras e pobres. Demograficamente, esta é a camada mais desfavorecida da população do estado da Georgia: 26% das mulheres negras vivem abaixo da linha da pobreza, em comparação a 20% dos homens negros, 12% das mulheres brancas e 9% dos homens brancos.
(Fonte: Spencer Platt/Getty Images)
O princípio do projeto é criar um sistema que seja justo para todos. Por isso, a renda é direcionada para uma camada da população que está à margem da sociedade. “Se a economia pode funcionar para as mulheres negras — que enfrentam algumas das maiores diferenças de renda, são mais propensas a viver na pobreza e a ficarem presas nela — e pudermos iniciar e desenvolver políticas para aquelas que enfrentam alguns dos impactos mais agudos, então podem funcionar para todos”, diz Hope Wollensack, diretora da GRP Fund, para a revista Vox.
A doação de dinheiro, no entanto, não é um programa de renda básica, pois ele não deve se estender para além dos 2 anos. O projeto se trata, na verdade, de um experimento que foca na ajuda temporária a grupos mais propensos a cair na linha da pobreza.
O valor destinado às mulheres é visto como uma quantia pequena demais para suprir as necessidades delas e de suas famílias, mas deve "desafogar" a busca por renda própria. O programa da GRO e da GiveDirectly visa justamente estudar qual será o efeito desta renda no bem-estar social, mental e psicológico das participantes.
Um dos focos do estudo é verificar a diferença entre fornecer uma quantidade grande de dinheiro de uma vez e receber um depósito parcelado. Para isso, metade das mulheres receberão US$ 4,3 mil adiantados e parcelas de US$ 700, enquanto a outra metade receberá o valor da bolsa (que totaliza US$ 20,4 mil) inteiramente parcelado.
(Fonte: Multinews)
Há muitos anos, as mulheres negras se situam entre as parcelas demográficas mais desfavorecidas da população norte-americana. No estado da Georgia, 26% delas vivem abaixo da linha da pobreza. Em âmbito nacional, as mulheres latinas são ainda mais desfavorecidas, embora menos numerosas que as mulheres negras na população da Georgia.
Esse dado reflete a permanente situação de desigualdade social que atinge duas minorias: as mulheres e a população negra. Um estudo de 2019 revelou que os americanos subestimam o tamanho da riqueza racial (o quanto pessoas brancas são estatisticamente mais propensas a ganhar mais que as negras) em seu país.
A título de comparação, um em cada 4 americanos negros vive em bairros de extrema pobreza, enquanto um em cada 13 americanos brancos enfrenta a mesma situação. Segundo a Opportuny Insights, organização que analisa a mobilidade social, o fator racial tem grande relevância na mobilidade geracional em bairros: pessoas negras que vivem em bairros pobres e perigosos têm mais chance que seus descendentes continuem morando nos mesmos lugares.
O "In Her Hands" difere dos outros, já postos em vigor pelas duas organizações responsáveis, pois foca justiça racial. Para alguns estudiosos do assunto, direcionar esforços para promover a justiça racial, mexendo na estrutura social, é uma das grandes chances que temos para, de fato, conseguir combater a pobreza. Agora é esperar para conferir a efetividade desse projeto posto em vigor nos Estados Unidos.