Ciência
07/07/2022 às 03:00•2 min de leitura
Múmias fazem parte da cultura de diversas sociedades há milênios. Elas também estão presentes na cultura popular em filmes, livros e jogos, principalmente por influência dos egípcios. Mas mais de 2.000 anos antes deles, os Chinchorros já mumificavam seus mortos.
Esse povo viveu no deserto do Atacama, no Chile — o lugar mais seco da Terra —, entre 5.450 a.C. a 890 a.C., e é considerado a primeira sociedade conhecida no mundo a mumificar seus mortos. Diferente dos egípcios, esse processo não era destinado apenas à classe alta da sociedade, mas era um ritual para todos.
Representação de uma mumificação Chinchorro. (Fonte: Wikimedia Commons)
As múmias dos Chinchorros foram encontrados nas regiões de Arica e Parinacota, no norte do Chile. Em 2021, estes cemitérios foram inseridos na Lista do Património Mundial da Unesco, em reconhecimento pelo imenso valor arqueológico que proporcionam. O mais interessante é que além de nos permitir entender detalhes das práticas mortuárias e funerárias daquele povo, as múmias também oferecem uma visão das estruturas sociais e espirituais da comunidade.
Como o processo de mumificação era destinado a todos, centenas de múmias já foram descobertas, incluindo as de bebês e crianças. Em entrevista à BBC, a bioarqueóloga da Universidade de Tarapacá, Vivien Standen, explicou que o solo da região contém muito arsênico. Isso provavelmente contribuiu para uma alta taxa de mortalidade da população, além de um grande número de abortos espontâneos.
Outro detalhe importante é que os Chinchorros pintavam seus corpos com manganês. Não se sabe ao certo porque eles faziam isso, mas como o manganês é tóxico, eles também estavam se intoxicando sem saber.
Bernardo Arriaza, antropólogo da Universidade de Tarapacá, complementa afirmando que “A [cultura] Chinchorro é relevante em muitos aspectos: são os primeiros praticantes funerários, e os primeiros a habitar esta região. E os corpos que conhecemos hoje como Chinchorro, são verdadeiras obras de arte pré-hispânicas. São as expressões artísticas dos sentimentos, das emoções das populações antigas”.
Múmia Chinchorro. (Fonte: Wikimedia Commons)
Embora o reconhecimento da Unesco tenha acontecido há pouco tempo, os moradores de Arica conhecem as múmias da região há anos: como foram enterradas muito perto da superfície, elas literalmente fazem parte da fundação da cidade. Em 2004, durante uma escavação para a fundação de um hotel, os trabalhadores encontraram ossos a menos de 1 metro de profundidade. O local acabou sendo transformado em um museu.
Essa proximidade dos moradores de Arica com os restos mortais dos Chinchorros acabou fazendo com que eles criassem uma espécie de identidade com os antigos habitantes. “Sinto que somos a continuação dos Chinchorros”, disse Alfredo Guerrero, um morador de Arica. “Nos últimos 10 anos, senti e disse à minha família [isso] que não vou deixar este lugar. Sempre vou ficar, então sempre vou visitá-los”.
“Eles eram pescadores como nós, e eles estavam neste lugar”, completou Jorge Ardiles, um pescador local. “E depois de milhares de anos, viemos nos estabelecer aqui. Então nós, como comunidade de pescadores, nos consideramos como seus herdeiros, e é por isso que queremos [preservar] os restos que eles deixaram, como um grande legado para a comunidade atual. Nós somos os Chinchorros contemporâneos neste exato momento”.