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02/10/2022 às 05:00•4 min de leitura
Apesar de todos os avanços e conquistas através dos séculos, ainda é possível dizer que as mulheres enfrentam uma jornada na conquista por seu lugar de direito na sociedade, à sombra da igualdade e respeito que as estatísticas e um sistema patriarcal insiste em lhes negar diariamente.
Conforme o World Population Review, 35% das mulheres em todo o mundo já sofreram assédio sexual. O RAINN mostra que uma em cada seis mulheres norte-americanas já foram vítimas de estupro em sua vida. No Brasil, a cada 10 minutos uma mulher é vítima de agressão sexual, segundo um levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
(Fonte: The Conversation/Reprodução)
Em 2020, dados do US Census Bureau revelaram que a cada US$ 1 ganho por homens, as mulheres receberam US$ 83 centavos, sendo que as mulheres negras estão em desvantagem ainda maior. Até o ano passado, o aborto é considerado um método ilegal em 24 países, mostrando um controle do Estado sobre o corpo da mulher.
Pobreza menstrual, falta de educação, violência de todos os tipos, subestimação sistemática e desvalorização ainda assombram as mulheres pelo mundo. Historicamente, elas sofreram um processo de apagamento de suas histórias, principalmente no período colonial, o que nos faz questionar: como era a vida da mulher no Brasil colonial?
(Fonte: Behance/Reprodução)
A princípio, durante o período de pré-colonização (entre 1500 a 1535) quando os colonos portugueses chegaram em território brasileiro, eles foram bem recebidos pela sociedade indígena que possuía hábitos e comportamentos totalmente diferentes dos europeus. O homem branco ficou fascinado pela maneira como as mulheres andavam "sem pudor", todas nuas iguais aos homens, enquanto elas foram seduzidas pelos objetos brilhantes que os estrangeiros de aparência amigável carregavam.
Antes do processo furioso de colonização, o desconhecimento, ingenuidade e percepção indígena de que os brancos eram "deuses de outro mundo" despertou o interesse nas mulheres nativas, que se entregaram a eles em troca de um espelho ou pente. A cultura indígena não só recebeu esses homens em suas terras como permitiu que a união deles com suas mulheres porque imaginavam que fossem povos de paz. Assim se estabeleceu a primeira base da sociedade que seria colonizada.
(Fonte: Beduka/Reprodução)
Segundo o escritor Gilberto Freyre, foi na moral sexual dos ameríndios que os europeus encontraram um campo fácil para expandir sua tendência sexual polígama, considerada pecado aos olhos da religião e socialmente inaceitável. Do outro lado do oceano, os homens viram a oportunidade de "fazer a festa".
A partir desse envolvimento do europeu com os ameríndios, nasceu a mulher brasileira, cujos hábitos e maneiras foram moldados a partir do século XVI.
(Fonte: Ensianar História/Reprodução)
A estrutura patriarcal já montada na mente dos europeus coincidiu com a cultura indígena, cujos homens eram ensinados desde criança a tratar a mulher como inferior. Naquela época, as mulheres eram a força motriz de subsistência antes da chegada dos portugueses, trabalhando no campo e dentro de casa; cuidando dos filhos e ainda servindo aos maridos, enquanto estes se dedicavam às atividades artísticas, como a construção da oca. A produtividade delas consolidou a monocultura e serviu de base para a economia colonial.
Após o rompimento dos laços entre os índigenas e os portugueses com a consolidação de um governo no Brasil e o processo de escravização dos nativos, as mulheres foram as que mais sofreram com as mudanças, sendo resumidas a roupas moralizadas conforme os costumes europeus e à transformação de seu papel na sociedade em um escravo das famílias – bem como geradoras de filhos fora do casamento. Foi nesse tempo que o estupro delas se tornou uma atividade recorrente.
Já no século XVII, o casamento como instituição foi determinado pela Igreja e o Estado, que tentaram convencer as pessoas das vantagens de um casamento, estabelecendo um conjunto de regras sobre como deveria ser a conduta de uma "mulher direita". Em 1650, fazia parte da obrigação da mulher comprovar ser fértil antes do compromisso, mostrando que não havia tabus sobre a necessidade de uma mulher casar virgem.
(Fonte: Toda Matéria/Reprodução)
Se no acordo pré-nupcial ela não gerasse um filho, os homens eram autorizados a repudiá-las sexualmente ao longo do casamento e ter filhos com outras – embora esse último fosse implícito. A mulher, no entanto, era obrigada a se manter fiel.
Isso fazia parte de um dos mandamentos da Igreja, quando determinou que tudo era pecado, até mesmo uma posição sexual – os homens deveriam ficar sobre as mulheres porque imaginava que elas "enlouqueceriam" se ficassem por cima. A posição em quatro apoios era considerada uma blasfêmia porque acreditava dar origem a crianças paraplégicas.
A mulher também foi proibida da paixão porque, supostamente, "virava o casamento de cabeça para baixo". Amor deveria ser um sentimento exclusivo a Deus e ao marido, a mulher devia apenas obediência, reverência e temor. Enquanto o homem deveria sentir pura piedade dela.
Fora todas as regras de etiqueta para a "mulher direita", elas também foram agredidas, enclausuradas, perseguidas e dominadas às mãos dos homens, que recapitulavam seu dever de submissão previsto em Lei e aos olhos de Deus. No lar, que virou uma prisão, elas tomavam banhos frios e até ingeriam ácido para acalmar suas vontades indecentes. Foi lá que adquiriram conhecimentos sobre doenças, ervas curativas, aborto, parto e sobre o próprio corpo. Não é para menos que na literatura, por vezes, essas mulheres foram chamadas de feiticeiras.
(Fonte: Brasil Escola/Reprodução)
Apesar disso, as mulheres brancas do período colonial eram consideradas o pináculo de elegância, consorte à imagem do homem, enquanto a vivência das mulheres negras foi diminuída à pior esfera possível, animalizada e marginalizada.
Elas eram responsáveis por iniciar os filhos de seus proprietários na vida sexual, após terem sido amas de leite. Escravizadas, elas prestavam serviços, cuidavam da casa e eram estupradas continuamente. Aquelas que conseguiam suas cartas de alforria, ganhando a liberdade após anos, sofriam sem espaço na sociedade, acabando por se tornarem prostitutas a fim de evitar a fome e miséria.
Contudo, em meio ao caos que foi a vida da mulher no período Brasil Colônia, também é possível encontrar na literatura aquelas que viveram longe da dominação das regras sociais e religiosas.
Uma pesquisa feita pela historiadora brasileira Mary Del Priore, mostrou um longo registro do século XVIII com um número expressivo de mulheres envolvidas no comércio durante o período da economia aurífera, quando os centros urbanos coloniais foram recheados de estabelecimentos para abastecer a população local.
Estima-se que 70% desses estabelecimentos comerciais de Vila Rica, em 1776, eram administrados por mulheres. Del Priore colheu relatos arquivados de mulheres que romperam a convívio matrimonial em busca de uma vida autônoma. Ainda que moralmente marginalizadas, conseguiram ter sucesso com suas estratégias e ações, muitas das quais desenvolvidas na solidão do cativeiro que havia se tornado o lar. Contudo, apesar de os privilégios de não serem negras e terem conhecimentos considerados diversos, não era raro que elas se entregassem à prostituição também.
Se hoje as mulheres lutam constantemente por meio de vários instrumentos, tanto sociais quanto políticos, é porque voltar para as sombras não é uma opção.