Artes/cultura
13/05/2022 às 08:00•2 min de leitura
Poucos temas suscitam tanto os ânimos da sociedade quanto o direito ao aborto. Trata-se de uma discussão que perpassa diferentes áreas: pode ser observado pela ótica da saúde, da sociologia, da política e, claro, das religiões.
Em 2020, um pastor metodista do estado do Alabama, nos Estados Unidos, colocou lenha na fogueira com sua colocação. Ele afirmou que os nascituros (as crianças que foram concebidas, mas ainda não nasceram) são muito fáceis de ser amados, já que não exigem nada, nem envolvem qualquer complicação moral - diferente dos presos, dos viciados e dos pobres.
"Você pode amar os nascituros e defendê-los sem desafiar substancialmente sua própria riqueza, poder ou privilégio, sem reimaginar as estruturas sociais, pedir desculpas ou fazer reparações a ninguém. Eles são, em suma, as pessoas perfeitas para amar se você quiser afirmar que ama Jesus, mas na verdade não gosta de pessoas que respiram", escreveu o pastor Dave Barnhart em suas redes sociais.
É uma declaração forte, pois sugere que a crítica religiosa ao aborto não se sustenta necessariamente pelas escrituras sagradas, mas a uma certa "seletividade" sobre qual tipo de pessoa os cristãos irão defender. Mas será que a Bíblia fala alguma coisa sobre aborto?
(Fonte: Unsplash)
Não há menção direta a aborto nas páginas na Bíblia, mas os estudiosos apontam algumas passagens que costumam ser relacionadas com o tema.
Uma delas está no livro do Êxodo, em uma cena em que uma mulher grávida se envolve em uma briga entre dois homens e sofre um aborto espontâneo. Os homens sofrem duas penas: pela perda do feto, que é uma multa estabelecida pelo marido e pelos juízes; e pelo dano à mulher. Caso ela fique ferida ou venha a falecer, entra a lex talionis (aquela que estipula do "vida por vida, olho por olho, dente por dente", sobre pagar na mesma moeda).
Os estudiosos da Bíblia ressaltam que um ponto importante aqui é notar que, nesse trecho, a mulher é valorizada como uma pessoa, enquanto o feto é abordado como uma espécie de propriedade - cujo status, portanto, é mais baixo que o da mulher.
Outro excerto está no livro do profeta Jeremias, onde se lê as seguintes palavras, que teriam sido ditas por Deus: "antes que te formasse no ventre, te conheci; e antes que saísses da mãe, te santifiquei".
Por fim, no livro dos Salmos, há um cântico, de número 139, que também costuma ser interpretado como referência à vida antes do nascimento. Ele diz: "os teus olhos viram o meu corpo ainda informe", e "no teu livro todas estas coisas foram escritas, as quais em continuação foram formadas, quando nem ainda uma delas havia".
(Fonte: Unsplash)
Há muita divergência sobre o que a Bíblia postularia sobre a vida antes do nascimento, pois isto envolve muitas visões diferentes - como, por exemplo, onde começaria de fato a vida de um ser humano.
Segundo o historiador e teólogo Gerson Leite de Moraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, as interpretações se darão a partir do que se considere o início da vida. "Os contrários ao aborto trabalham com a ideia de que desde o momento da fecundação você tem ali uma pessoa, criada por Deus, mesmo que o processo todo seja orgânico. A alma seria dada por Deus, portanto Deus é o dono da vida, o criador". Se Deus "conhece passado, presente e futuro e, portanto, atentar contra aquela substância informe que já seria uma pessoa configuraria crime", afirmou à BBC.
Mas há também os estudiosos que falam que essa visão punitiva seria contrária a certos princípios cristãos: se Deus sabe tudo sobre os seus filhos, ele também reconhece o sofrimento de uma mulher que é pobre, ou foi estuprada, ou que não tem assistência médica ou que foi abandonada e que decide por interromper uma gravidez.