Saúde/bem-estar
03/05/2023 às 04:00•3 min de leitura
Em 15 de agosto de 2021, quando o grupo fundamentalista islâmico Talibã conseguiu derrubar o governo do Afeganistão pela segunda vez na história ao cercar a capital Cabul, ressurgiram uma série de medos que precedem o legado sangrento do grupo.
Em meio a um histórico de repressão massiva, vingança, assassinato deliberado, feminicídio e suspensão dos direitos civis, também está a destruição sistemática do patrimônio histórico da cultura islâmica. Em entrevista ao National Geographic, Mohammad Fahim Rahimi, diretor do Museu Nacional do Afeganistão, demonstrou seu medo: “Temos grandes preocupações com a segurança de nossa equipe e coleções”.
Isso porque mais de 80 mil artefatos estão vulneráveis sob o poder de destruição do Talibã, que rejeita imagens de humanos, animais e não gosta do passado pré-islâmico. Em 26 de fevereiro de 2001, o Afeganistão testemunhou a maior destruição de sua cultura quando o líder do Talibã, Muhammad Omar, emitiu um decreto ordenando a eliminação de todas as estátuas e os santuários não islâmicos do país.
Esse comportamento, no entanto, não é algo exclusivo do grupo terrorista, mas faz erguer a questão: por que conflitos armados tem como alvo a destruição do patrimônio da humanidade?
(Fonte: WAKIL KOHSAR/AFP/Getty Images)
A UNESCO define como patrimônio cultural artefatos, monumentos, edifícios, sítios e museus que fornecem uma variedade de benefícios culturais; seja aqueles cujo significado é simbólico, histórico, artístico, etnológico, antropológico, científico ou social. Tudo isso pode ser tangível ou não, incluindo práticas, representações, expressões, conhecimentos e habilidades que comunidades, grupos e indivíduos possam reconhecer como parte de seu patrimônio cultural.
“O patrimônio, antes de ser um edifício, é uma consciência e responsabilidade. Quando o extremismo violento ataca a cultura e a diversidade cultural, também é necessário responder com cultura, educação, conhecimento, e explicar o significado dos locais ao compartilhar a mensagem de tolerância, inclusão e humanidade que o patrimônio carrega”, disse Irina Bokova, ex-diretora-geral da UNESCO.
(Fonte: Twitter/Reprodução)
O patrimônio cultural começou a ser visado durante o Holocausto nazista na Segunda Guerra Mundial, quando as tropas de Adolf Hitler, ao invadirem a Polônia para matar e escravizar os judeus, também tiveram como alvo todos os objetos de arte e cultura daquele povo. Esse comportamento de saque e destruição sistemática também se espalhou por vários países que o nazismo invadiu pela Europa, como Dinamarca e Bélgica, forçando os governos a estabelecerem redes subterrâneas e secretas de proteção de seus bens.
Os conflitos do século XXI no Oriente Médio renasceram esse desejo, começando pela destruição em rede internacional das estátuas dos Budas de Bamiyan pelo Talibã na primeira tomada do governo afegão em março de 2001.
Noelle Higgins, professora associada de direito na Universidade de Maunooth, na Irlanda, comentou em seu livro A proteção do patrimônio cultural durante o conflito armado: os paradigmas em mudança (2020), que a destruição deliberada do patrimônio cultural se tornou uma marca dos conflitos recentes no Oriente Médio e no Norte da África.
(Fonte: JOSEPH EID/AFP/Getty Images)
Já ficou claro para os comentaristas que ter o patrimônio cultural como alvo é uma maneira de atingir às comunidades para as quais o patrimônio é uma parte essencial de sua identidade cultural única. Esse foi o objetivo do Estado Islâmico (ISIS) quando atacaram Palmyra, visando privar o povo sírio de seu conhecimento, identidade e história em uma verdadeira conduta de "limpeza cultural", como definiu Bokova.
Para os acadêmicos italianos Paolo Foradori, Serena Giusti e Alessandro Giovanni Lamonica, isso não foi tudo. O grupo usou sua iconoclastia como meio de controle para afirmar seu domínio absoluto sobre a população, incluindo o contexto social e cultural em que a sociedade vive.
Em seu livro, Higgins argumentou que nenhuma das ações dos terroristas foram arbitrárias ou ilógicas, mas sim taticamente pensadas para perturbar a sociedade como parte de uma estratégia de expansão.
Motivações financeiras também podem desempenhar um papel fundamental no ataque a um patrimônio cultural da humanidade, visto que muitos deles tem alto valor comercial nos mercados internacionais, podendo ser colocados em risco para arrecadar fundos. Foi o que o ISIS fez ao emitir licenças para escavações arqueológicas, arrecadando impostos meio do tráfico de objetos e lucrando milhões de dólares.