Ciência
29/10/2022 às 13:00•5 min de leitura
Desde que o campo de concentração Dachau foi aberto, em 22 de março de 1933, cinco anos antes de Adolf Hitler invadir a Polônia e estabelecer o início da Segunda Guerra Mundial, houve mais de mil campos de extermínios, dos quais Aushwitz-Birkenau foi o maior de todos. Estima-se que mais de 1 milhão de pessoas foram confinadas nessas instalações.
Independentemente do tamanho dos campos, além das câmaras de gás, alojamentos e crematório, eles possuíam uma estrutura em comum: a de guarnição. Todas as instalações foram construídas com altos muros de tijolos aparentes, grossas cercas de arame farpado e normalmente 5 torres de guarda com oficiais da SS fortemente armados.
Funcionando como uma alternativa redundante de segurança, o Wachbattalion, ou Batalhão de Guardas, operava como uma autoridade externa dos campos, e fazia parte de uma unidade da SS. Eles eram responsáveis por vigiarem as torres e patrulhar as cercas do perímetro do acampamento. Durante uma emergência, como uma revolta dos prisioneiros ou tentativas de fuga em massa, eles eram acionados para dar suporte.
A concentração de guardas em um campo poderia variar, mas em Auschwitz, por exemplo, 700 homens patrulhavam a instalação em 1941, depois esse número cresceu para 2 mil em junho do ano seguinte, então para 3 mil em abril de 1944, e para 3.300 homens em agosto de 1944. Em janeiro de 1945, pouco antes da libertação do campo, haviam 4.480 homens da SS trabalhando na segurança do local.
Apesar de toda essa proteção, houve alguns episódios de fugas bem-sucedidas ao longo da história dos campos de concentração, sendo a fuga de Sobibor a mais emblemática e arriscada de todas.
(Fonte: Wikimedia Commons)
Muito diferente de Treblinka ou Belzec, o campo de concentração de Sobibor foi construído para simplesmente matar todos os que eram enviados para lá, não mantê-los para algum tipo de trabalho forçado. Estabelecido em maio de 1942, perto da fronteira oriental da Polônia – na floresta da aldeia de Zlobek Duzy, na região ocupada pelos alemães –, a instalação foi erguida como parte da Operação Reinhard, arquitetada por Reinhard Haydrich, o famoso plano de exterminação dos poloneses judeus, considerado o pilar central do Holocausto.
Criar o campo no meio da floresta foi uma estratégia para mantê-lo o mais escondido o possível dos olhos de todos, inclusive muitas árvores foram plantadas ao longo de seu perímetro, com cercas de arames farpado e um campo minado servindo como complemento para essa segurança estrutural.
Sobibor foi administrado pelos alemães e austríacos, com prisioneiros de guerra soviéticos como guardas adicionais para o controle da segurança. Todos os dias, vagões de trens literalmente amontoados de judeus chegavam às portas do campo para que essas pessoas fossem despidas de seus pertences e roupas, e enviadas diretamente às câmaras de gás do local.
Ao longo de 18 meses de operação, Sobibor gaseou entre 170 a 250 mil judeus, e quem ajudou nesse processo foram os Sonderkommandos – prisioneiros judeus selecionados para assassinar o próprio povo.
(Fonte: Britannica/Reprodução)
A vida desses cerca de 600 trabalhadores escravos foi tão miserável quanto a daqueles que encontraram seu fim nas câmaras. Trabalhando todos os dias da semana, das 6h às 18h, com apenas uma pequena pausa para o almoço, a tarefa daqueles designados à unidade Lager III era remover os cadáveres gaseados das câmaras, esfregar sangue e excrementos do chão das instalações e cremar os corpos.
Para isso, eles foram tratados de forma diferente dos demais, recebendo melhores rações, acomodações e acesso a luxos, como remédios e cigarros trazidos para os campos pelas vítimas. Apesar desses benefícios, inclusive o de viver, os Sonderkommandos dessa área viviam isolados dos demais presos e eram assassinados periodicamente pelos oficiais da SS por conhecerem os segredos mais sujos do genocídio e dos nazistas. Nada se sabe sobre suas vidas ou experiências, uma vez que nenhum desses presos sobreviveu.
Já no Lager II, onde ficavam os Sonderkommandos sem habilidades especiais, era desempenhado uma variedade de outras tarefas, como vasculhar as bagagens das vítimas e reembalar itens valiosos que serviriam como presentes de "caridade" para civis alemães. Aqueles que não se suicidaram no processo fazendo esse tipo de trabalho, formaram uma espécie de resistência que avariava objetos ou roupas para impedir que se tornassem doação dos nazistas e reforçasse uma falsa imagem de benevolência.
O Lager II também designava para a brigada ferroviária, responsável por receber os novos prisioneiros que seriam gaseados. Os mais jovens trabalhavam também como putzers, limpando para os oficiais e atendendo as suas necessidades. Uma das tarefas mais humilhantes da unidade era a de barbeiro, que cortava os cabelos das mulheres a caminho das câmaras de gás. Geralmente, os homens jovens eram encarregados para essa função, em uma tentativa nazistas de humilhar tanto eles quanto as mulheres nuas.
(Fonte: U.S. Holocaust Memorial Museum)
Na primavera de 1943, à medida que as câmaras de gás de Sobibor começaram a ser usadas com menos frequência devido à baixa no número de judeus enviados para o campo, surgiu a hipótese de que aquele seria o fim da instalação — o que significava que todos os Sonderkommandos e demais escravos seriam mortos. Da necessidade, foi formado um comitê clandestino para encontrar uma maneira de fugir antes que fosse tarde demais.
Esse objetivo se uniu à necessidade esmagadora de escapar do campo de extermínio, devido ao contexto perturbador de convivência que o local havia alcançado, como declarou a sobrevivente Selma Engel a um grupo de alunos da Guilford High School, em 1995.
“Os nazistas sempre tinham algo sádico para nós”, disse ela que, aos 21 anos, sobreviveu à fome trabalhando na brigada ferroviária de Sobibor, resgatando latas de sardinha das bagagens das vítimas que seriam mortas.
Leon Feldhendler. (Fonte: Wikiwand)
Os oficiais da SS costumavam fazer uma fogueira para queimar os corpos dos judeus e obrigavam os prisioneiros a se reunirem e tocar instrumentos enquanto os demais eram forçados a literalmente dançar à luz das chamas, sentindo o vapor de pele estorricada do seu povo. Foi assim que Selma conheceu Chaim, seu esposo, um soldado polonês de 27 anos.
Liderados por Leon Feldhendler, o comitê de fuga considerou várias opções, como a construção de um túnel sob a cerca e o campo minado do acampamento. Essa falta de um plano consistente se dava pela necessidade de manter o comitê sigiloso, entre sete judeus no máximo, devido às traições anteriores e ameaças de punições coletivas.
Isso só mudou em 22 de setembro daquele ano, quando vinte prisioneiros de guerra judeus do Exército Vermelho chegaram a Sobibor para se juntarem ao corpo de Sonderkommandos. Nesse comboio estava Alexander Percherky, um compositor e comissário político que lideraria a revolta ao integrar o comitê.
Foi o russo que teve a ideia para a fuga, que aconteceria em duas etapas: na primeira, que deveria acontecer uma hora antes do toque de recolher, os prisioneiros atrairiam os oficias da SS para alguns locais isolados pelo campo e os matariam. A segunda fase começaria depois que os presos fossem reunidos no pátio do Lager I e seria anunciado que a SS havia ordenado um destacamento especial de trabalho na floresta fora do campo, e todo o grupo marcharia para a liberdade pelo portão da frente. Se os vigias achassem a movimentação estranha, eles não poderiam confirmar suas suspeitas, visto que os oficiais estariam mortos.
(Fonte: Auschwitz Exhibition/Yad Vashem)
A revolta começou como planejado, às 16h, com o pôr do sol já no horizonte de Sobibor, em 14 de outubro de 1943, assim que membros da resistência pegaram suas armas rudimentares e atraíram os oficiais. A partir desse momento, a cada 6 minutos um nazista foi morto pela resistência. Selma Engel foi uma das pessoas que teve o prazer de esfaquear um soldado no peito por várias vezes e esconder seu corpo.
A única coisa que saiu errada no plano foi o assassinato do oficial Kurt Beckmann, que não teve o corpo escondido pelos prisioneiros. Às 17h, quando os Sonderkommandos marchavam pelo pátio principal rumo à liberdade, um guarda ucraniano descobriu o cadáver de Beckmann e soou o alarme.
Foi nesse momento que a ideia de fugir pelos portões foi abandonada, então a alternativa era invadir as cercas. Alguns fizeram isso, enquanto outros atacavam os guardas, que retaliaram atirando na multidão de prisioneiros em fuga.
Alexander Pechersky. (Fonte: Tablet Magazine/Reprodução)
O desespero fez muitos morrerem nas cercas ou no campo minado. Dos 600 que deveriam escapar, apenas metade dos judeus alcançaram a floresta, embora 100 deles tenham sido recapturados nas buscas que se seguiram, e apenas 50 deles tenha sobrevivido até o final da Segunda Guerra Mundial, como foi o caso de Selma Engel.
A mulher e seu esposo foram abrigados por fazendeiros poloneses e viveram de casa em casa para evitar serem recapturados, andando pela floresta à noite e se escondendo durante o dia. Assim foi até que o Hitler caísse.
E no final das contas, Feldhendler estava certo sobre suas suspeitas de que Sobibor seria desativada quando os trens cheios de judeus pararam de chegar. Afinal, Heinrich Himmler havia cumprido sua promessa a Hitler de que tornaria a Polônia livre de todos os judeus, portanto, aquele campo já não era mais necessário.
Logo após o escândalo da fuga, Sobibor foi desmantelada e os prisoneiros restantes assassinados. Tudo o que sobrou da instalação foi uma grande clareira com as cinzas dos poços de cremação, um lugar conhecido como Caminho para o Céu — um nome bonito para um destino dolorido de uma realidade amarga.