Estilo de vida
24/08/2022 às 08:14•3 min de leitura
Há séculos a sociedade patriarcal exige demais das mulheres sem nunca considerar que isso as destrói psicológica e fisicamente. As culturas mudam de país para país, mas o abuso da mulher, não, e um exemplo disso é a prática chinesa do século X de foot binding, também conhecido como "amarração dos pés".
Com início durante o período das Cinco Dinastias e Dez Reinos, se espalhando pelas classes sociais mais baixas no reinado Qing, compreendido entre 1635 a 1912, a prática começou porque as mulheres foram ensinadas que seus pés precisavam ser muito pequenos, ressaltando a delicadeza feminina, se quisessem parecer mais atraentes aos homens para um possível casamento.
Em um procedimento doloroso, elas esmagaram seus pés repetidamente ao longo dos anos para que coubessem em micro sapatos de seda, tendo que reaprender a andar, firmando os pés no chão em uma posição desconhecida que causava uma dor excruciante, acarretando problemas definitivos para a saúde.
Essa é a história das mulheres popularmente conhecidas como “pés de lótus”.
(Fonte: History of Yesterday/Reprodução)
Mas isso não era tudo, claro. Milhares de meninas chinesas não foram submetidas ao procedimento ao longo dos séculos só para parecerem mais atraentes para um homem – tudo o que realmente importava naquela época, afinal, uma mulher solteira era o mesmo que uma mulher morta –, essa foi uma tática da sociedade para mantê-las em casa e longe dos assuntos que não as pertenciam, ou seja, tudo o que não envolvesse artesanato, como fiar algodão e o trabalho doméstico. Mais um mecanismo de repressão de sua liberdade.
Centenas de estudos antropológicos sobre a condição e seus impactos sociais, além das vítimas ainda vivas em cantos isolados da China, são tudo o que existe atualmente, visto que as consequências médicas foram deliberadamente negligenciadas, mesmo após a queda da prática.
Acredita-se que a condição de pé de lótus surgiu com Lady Huang Sheng, esposa de um membro do clã imperial, que morreu em meados de 1243, de acordo com arqueólogos que descobriram pés minúsculos e deformados envoltos em tecidos e colocados em sapatos parecidos como uma lótus.
O formato dos pés teria sido inspirado em uma dançarina da corte do século X, chamada Yao Niang, que amarrou seus pés na forma de uma lua para poder dançar na ponta dos pés para o imperador Li Yu, dentro de um lótus dourado de 1,80 metro, enfeitado com fitas e pedras preciosas.
(Fonte: The Independent/Reprodução)
Por algum motivo, o excesso de delicadeza, que acabava até fortificando outros músculos do corpo da bailarina devido ao peso constante nas pontas dos pés, como os músculos do glúteo, provocou um tipo de conotação erótica que chamou a atenção dos homens, que procuravam incessantemente por mulheres com os mesmos atributos. Diante disso, as damas da corte começaram a amarrar os pés para tentar adquirir um corpo similar. No final das contas, um pé pequeno na China estava para uma cintura estreita na Inglaterra vitoriana.
Os anos se encarregaram de transformar obrigatório um pé de 10 centímetros, conhecido como lótus dourado, o mais respeitado da categoria dos pés de lótus. Os pés abaixo da média, aqueles acima de 15 centímetros de comprimento, foram chamados de lótus de ferro, os que seriam descartados pelos homens. Uma mulher com um pé naquelas dimensões não tinha um futuro.
(Fonte: ThoughtCo./Reprodução)
Um projeto sobre pés de lótus publicado em 2015 pelo fotógrafo Jo Farrell, intitulado Farrell Living History: Bound Feet Women of China, focado em documentar práticas culturais desaparecidas, começou em 2005 na província de Shandong, com uma idosa chamada Zang Yun Ying, avó de um taxista de Xangai que acabou mencionando ao profissional sobre ela ter os pés enfaixados, resquício de uma prática tão antiga que quase não existia mais testemunhas vivas.
Ao longo de 9 anos de busca e desenvolvimento do projeto pela China, Farrell conseguiu rastrear 50 mulheres com idades avançadas diferentes, das quais a mais velha tinha 103 anos. Ao entrevistá-las, ele relatou ao The Guardian que o primeiro ano de amarração dos pés é considerado "o mais dolorido", porque as jovens, normalmente com 7 anos, tiveram que andar sobre os pés grudados em pontos triangulares até que seus dedos quebrassem. Os pés também foram espancados para que se partissem por inteiro, depois banhados com ervas e óleos para que a pele machucada se soltasse, e amarrados nos sapatos de lótus.
“Depois disso, os dedos dos pés ficavam dormentes e, 50 ou 60 anos depois, elas paravam de sentir dor, ou de sentir os pés. Ficava tudo entorpecido”, relatou Farrell.
Em meados da década de 1950, a amarração dos pés foi proibida por Mao Zedong, que ordenou que fiscais anti-amarração dos pés envergonhassem publicamente uma mulher com pés de lótus, uma vez que a tradição antiga não representava o futuro moderno que o país visava.