Os altos e baixos na história da implementação do trem-bala no Brasil

12/09/2023 às 06:304 min de leitura

Qual foi a primeira vez que ouviu falar em um trem-bala no Brasil? A maioria se recorda que o projeto ganhou força durante o governo Lula e Dilma, entre 2003 e 2016, mas o projeto é bem mais antigo que isso.

O trem-bala é como são popularmente chamados os trens de alta velocidade que surgiram no Japão em 1964. Os japoneses começaram o planejamento para o sistema ferroviário antes mesmo da Segunda Guerra Mundial, em meados do final da década de 1930, fazendo uma série de aquisição de terrenos.

O trem-bala Shinkansen fez sua estreia ao mundo em 1 de outubro de 1964, conectando as duas maiores cidades do oeste japonês, Osaka e Fukuoka. O projeto estendeu a linha Tokaido, possibilitando a viagem de Tóquio à Fukuoka, um trajeto de aproximadamente 18 mil quilômetros, em até 5 horas. Ao longo do tempo, os trens foram sendo implementados com vagões-restaurantes e outros luxos para tornar a viagem ainda mais confortável, fazendo brilhar os olhos dos demais governos.

(Fonte: GettyImages/Reprodução)(Fonte: Three Lions/Getty Images)

Prova disso é que, em 27 de setembro de 1981, a empresa SNFC Train abriu a primeira linha do seu Train à Grand Vitesse (TGV), conectando Paris a Lyon, um percurso de 425 quilômetros. Isso marcou a estreia da expansão maciça da malha ferroviária de alta velocidade francesa, com trens percorrendo trilhos a 300 km/h, garantindo o tempo máximo de 30 minutos de viagem ou reembolso de um terço do preço do bilhete. 

A popularidade do TGV foi tamanha que não restou outra alternativa para as companhias aéreas senão aceitar a concorrência com o novo modelo de transporte e utilizá-lo em benefício próprio.

Os "aviões sobre rodas"

Komata/Three Lions(Fonte: Komata/Three Lions/Getty Images)

Para muitos, o Trem de Alta Velocidade (TAV) ainda é um resquício do ufanismo irreal que começou no governo militar ditatorial de Emílio Médici. Marcado por obras faraônicas, como a construção da rodovia Transamazônica (BR-230) e a ponte Rio-Niterói, o objetivo de Médici era ajustar a imagem do Brasil ao de uma verdadeira potência mundial.

A aparelhagem da ditadura fez as pessoas acreditarem que a vinda dos "aviões sobre rodas" da empresa húngara Ganz-Mávag se tratava de mais um capítulo na expansão do país – embora não passasse de uma negociação do governo brasileiro em troca de café.

Às 17h de 11 de março de 1974, a composição húngara partiu da Estação da Luz, em São Paulo, em direção à Central do Brasil, no Rio de Janeiro, um trajeto percorrido em apenas 4h30. Isso foi considerado alta velocidade sobre trilhos, pelo menos para os padrões da época.

Fabricados na Hungria e embarcados da Inglaterra, os trens foram considerados "seguros e confortáveis". E realmente eram, mas não correspondiam ao desempenho prometido. Os trens se revelaram verdadeiras "bombas mecânicas" logo no início porque foram projetados para rodar apenas em planícies, então o sistema de tração era muito fraco para subidas íngremes.

Com isso, as rodas patinavam, os motores esquentavam, e a composição precisava parar no meio do caminho. Para piorar, os trens eram uma espécie de Frankenstein, com partes vindas de vários países, como Alemanha, Suíça e Itália. Em um mundo não globalizado, repor ou consertar essas peças se tornou um problema.

(Fonte: Jornal do Comércio/Reprodução)Trem Minuano. (Fonte: Acervo José Emilio Buzelin/Revista Ferroviária/Reprodução)

Quatro anos após sua viagem inaugural, os trens húngaros deixaram de circular. Em meados de 1978, as composições foram deslocadas para linhas menores e depois se tornaram sucata.

Mas era apenas o começo da ambição do governo brasileiro em ter um trem-bala, ou pelo menos algo mais próximo a isso. No mesmo ano que a comitiva húngara foi descontinuada, Dyrceu Nogueira, então ministro do 1º Batalhão Ferroviário, fez uma viagem ao Japão para conhecer o Shinkansen. Apesar do seu esforço em fazer o projeto acontecer, o endividamento do Brasil não permitiu.

Nos anos seguintes, japoneses, franceses e até espanhóis tentaram negociar a instalação da linha rápida com o país, oferecendo de crédito a tecnologia, mas desistiram ao perceberem que o Brasil vivia apenas de aparências. Nada impediu, no entanto, que o projeto chegasse à imprensa e fosse apresentado como "a porta de entrada do Brasil na modernidade".

O ano decisivo

Wikimedia CommonsJosé Sarney. (Fonte: Wikimedia Commons)

Depois que José Sarney (MDB) assumiu o cargo como Presidente da República após o fim da Ditadura Militar, o sonho de um trem rápido ressurgiu. Em 1989, o empresário Artur Falk conseguiu, por meio de um decreto presidencial, concessão para implantar uma linha férrea para um transporte de alta velocidade, conectando as duas maiores capitais do país, Rio de Janeiro e São Paulo, mas acabou perdendo o direito por deixar o projeto muito tempo parado.

Dez anos depois, em 1999, o então presidente Fernando Henrique Cardoso começou a reavaliar as possibilidades para melhoria do transporte no eixo Rio-São Paulo. Ele contatou a alemã Deutshe Bahn, uma das maiores empresas ferroviárias do mundo, que desenvolveu um estudo detalhado e concluiu que a solução seria um trem de alta velocidade. O ciclo recomeçava. 

No ano seguinte, o Ministério dos Transportes até procurou por investidores em São Paulo, mas não foi para frente e o assunto caiu em esquecimento mais uma vez.

O ano de 2007 foi considerado crucial para a história do trem-bala no país. Em 17 de julho daquele ano, o voo TAM 3054 se chocou com um prédio da própria companhia, deixando 199 mortos e causando um caos aéreo. Somado a isso, em 30 de outubro, o Brasil foi escolhido para sediar a Copa do Mundo. Ou seja, o governo precisava repensar em sua infraestrutura de transportes para impedir que caos como o acidente da TAM congestionasse o país, e também para melhor sediar um evento que atrai milhares de pessoas.

Então a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, foi atrás de investidores pelo mundo para apresentar os planos do Brasil em construir um trem de alta velocidade que estivesse apto até o dia do evento. Os coreanos foram os que mostraram a melhor proposta com seu KTX (Korea Train eXpress).

O último leilão

(Fonte: GettyImages/Reprodução)(Fonte: Getty Images)

Em 2008, estava certo que o governo contrataria alguém para construir e explorar a malha ferroviária, e que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) forneceria um financiamento de 30 anos. Em dezembro de 2010, após sair o edital, o governo fez o primeiro leilão, mas o grupo coreano foi o único que manifestou interesse. Como se esse fracasso não fosse o suficiente, as empreiteiras brasileiras fizeram pressão e o leilão teve que ser adiado.

Quando retomado, em julho do ano seguinte, o leilão não teve nenhum interessado, nem mesmo os coreanos. Sendo assim, o governo decidiu que faria a obra, mas contrataria o operador dos trens. Dessa forma, com o pagamento de R$ 42 bilhões pelo uso da infraestrutura, o governo poderia custear a obra.

(Fonte: GettyImages/Reprodução)(Fonte: Getty Images)

Outro leilão foi realizado em 2013, às portas da Copa, mas novamente adiado. O Brasil tinha tudo para conseguir realizar o projeto daquela vez, ainda mais com dois grupos enormes interessados, se as burocracias não tivessem falado mais alto.

Dez anos se passaram, e em 22 de fevereiro de 2023, a TAV Brasil ganhou autorização para construir o trem de alta velocidade no eixo Rio-São Paulo. O projeto deverá custar cerca de R$ 50 bilhões, o mais caro da indústria dos transportes.

A inauguração está programada para acontecer em 2035, após 46 anos de espera – se tivermos sorte.

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