Estilo de vida
31/05/2024 às 18:00•4 min de leituraAtualizado em 31/05/2024 às 18:00
Em 7 de outubro de 2023, o mundo parou quando eclodiu a guerra fria que acontece desde 1987 entre Israel e o Hamas. O grupo paramilitar lançou um ataque surpresa por terra e ar ao sul de Israel, atingindo grandes cidades, como Tel Aviv e Jerusalém, matando mais de 1.500 pessoas.
Desde o começo da guerra, conforme um levantamento da Associated Press, mais de 34.500 palestinos foram mortos e mais de 70 mil ficaram feridos na Faixa de Gaza. Mais de 1 milhão de civis se abrigaram em Rafah, localizada no sul de Gaza. A cidade vem sendo massacrada por Israel, com mortes de idosos e crianças às centenas.
Com os Estados Unidos se posicionando como patrono de Israel em relação à guerra, foi reforçado seu longo histórico contra tudo o que vem do Oriente Médio e as pessoas na internet começaram a promover o que está sendo chamado de "guilhotina digital" contra celebridades que não revelam de qual lado estão na guerra.
O movimento tem como alvo grandes players das redes sociais, de influenciadores e empresários, como Kim Kardashian, a cantores, como Harry Styles, e atores, como a queridinha de Hollywood do momento, Zendaya.
Usuários criticam as celebridades por não usarem a influência de suas plataformas com milhares de seguidores para ajudar os afetados pela violência da guerra, uma vez que isso também determinaria o seu “verdadeiro” caráter.
A tendência começou no TikTok e está sendo chamada de Blockout 2024, além de "guilhotina digital" e "digitine", onde várias contas incentivam outras pessoas a bloquearem celebridades nas redes sociais como forma de reduzir seu alcance e, automaticamente, seu poder. Afinal, como diz a usuária Rae, da conta @ladyfromtheoutside, uma vez que o público deu a plataforma às celebridades, ou seja, as fez famosas, cabe a ele retirar tudo, de visualizações a curtidas e comentários. Dessa forma, os famosos seriam forçados a vir a público se posicionar e tomar medidas cabíveis se quisessem manter seus fãs e admiradores – ou melhor, se quisessem manter o seu trabalho.
A trend ganhou mais força após o Met Gala, que aconteceu em 6 de maio. O evento foi criado em 1948 como uma forma de arrecadar dinheiro para o recém-fundado Costume Institute e marcar a abertura de sua exposição anual, no entanto, ele só entrou para os anais da história nova-iorquina em 1995, quando a editora-chefe da revista Vogue, Anna Wintour, passou a comandá-lo. De lá para cá, o Met Gala se tornou um marco do ano para a indústria da moda e da alta sociedade, incluindo artistas e milionários que posam nas escadarias do museu para as lentes de dezenas de fotógrafos e também para os olhos do mundo digital.
Na edição desse ano, o tema escolhido para o evento foi “Sleeping Beauties: Reawakening Fashion”, ou em tradução livre, “Belas Adormecidas: O Despertar da Moda”, e enquanto todos os holofotes estavam voltados para a escadaria do Metropolitan Museum e para qual grife as estrelas usariam, Israel ordenava que os palestinos deixassem partes do leste de Rafah.
Nessa questão, a influenciadora digital Haley Kalil, contratada como apresentadora pré-gala para entrevistar os convidados que se dirigiam para o evento, publicou um vídeo em que mostrava sua roupa e sincronizava seus lábios com a famosa frase “que comam brioche” do filme de 2006 de Sofia Coppola, Maria Antonieta.
Kalil recebeu milhares de críticas e seu vídeo viralizou em várias redes sociais, com internautas dissertando sobre sua falta de sensibilidade em face aos eventos que ocorriam em Gaza.
A conta @elis__stone postou um vídeo com a legenda “mesmo planeta, mundos diferentes”, com vídeos do Met Gala ao lado de cenas de guerra em Gaza e na Ucrânia, sob a música "The Hanging Tree", escrita para a adaptação cinematográfica da série de livros Jogos Vorazes. A ideia era estabelecer um paralelo sobre as realidades, uma vez que a obra da escritora Suzanne Collins fala sobre como alguns ostentam e focam em coisas superficiais enquanto outros sofrem com a fome e a morte. O vídeo foi curtido 6,4 milhões de vezes e visto 38,7 milhões de vezes.
Em entrevista à Newsweek, Zanetta Miller, proprietária da Niche PR Boutique, disse que a iniciativa do Blockout 2024 fornece um protesto online estratégico de oposição, em que os ativistas podem participar sem temer repercussões profissionais, apenas bloqueando celebridades e suas marcas/profissionais.
Para que os usuários soubessem quem bloquear, um arquivo do Google Docs foi postado em 9 de maio no TikTok contendo 270 nomes de celebridades, incluindo Hailey Bieber e Jude Law, além de 161 empresas que não estavam propriamente alinhadas ao conflito.
Segundo o Social Blade, um site estadunidense de análise de mídia social de várias plataformas, de YouTube a Instagram, a cantora Selena Gomez já havia perdido 1,16 milhão de seguidores no X nos últimos 30 dias, bem como sua marca de cosméticos, Rare Beauty, enfrentou pedidos de boicote de compradores pró-palestinos pelo suposto apoio do CEO Scott Friedman a Israel.
“Na era digital de hoje, o silêncio das celebridades sobre questões sociais não é mais aceitável. A percepção do público, os sentimentos das celebridades e o alinhamento da marca influenciam profundamente seus seguidores e status financeiro”, reforçou Miller.
Vale acrescentar, no entanto, que no final de 2023, os mesmos alvos da guilhotina digital estavam sendo cobrados por internautas por sua falta de posicionamento pró-Israel, considerando a óptica dos EUA sobre o conflito e sua longa guerra ao terrorismo,
Sete meses após o início da guerra, os feeds do TikTok e Instagram voltam a formar um campo de batalha para moldar a narrativa pública em torno do conflito histórico entre Israel e Palestina. O que acontece é que, uma vez que as redes estão inundadas com recortes dos acontecimentos em tempo real, bem como carregadas de vieses opinativos, essa alta exposição, especialmente aos mais jovens, acontece nessas redes em vez de por meio de mídia tradicional ou conteúdo acadêmico.
Portanto, em uma era em que as pessoas se veem cada vez mais necessitadas de ter sua opinião validada e de que o mundo digital se tornou uma extensão do corpo social, resolver as coisas online parece ser a saída para tudo. Faz sentido, então, que essas mesmas plataformas, como observa a jornalista Mia Sato do The Verge, que tenham se tornado válvula de escape para as respostas das pessoas, seja na forma de frustração, ativismo ou alguma combinação delas.
Os vídeos virais continuam espalhando a mensagem de que os artistas não se importam com o que acontece se não se posicionam via online. Há quem critique esse movimento difuso e sem metas declaradas, alegando que se trata apenas de mais um "piti" daqueles que vivem pelo desserviço online, em vez de promover formas diretas de ajuda às causas que defendem, como o envio de fundos e outros recursos para Gaza por meio de organizações, como a Operation Olive Branch.
“O Blockout está em seus primeiros dias, e não está claro se terá um impacto mensurável”, escreveu Sato. “Mas para um conflito que está se desenrolando por meio de vídeos curtos, atualizações no estilo selfie ao vivo e postagens no Instagram, este provavelmente não será o último que ouviremos dele”.