Artes/cultura
13/03/2024 às 20:00•4 min de leituraAtualizado em 05/04/2024 às 11:51
Mais de 300 mil bebês foram roubados de suas mães durante o fascismo do ditador e general Francisco Franco, mais conhecido como “Generalíssimo”, que ascendeu ao poder assim que se esfacelou o regime monárquico de José Calvo Sotelo, após o período turbulento que o país atravessou entre fevereiro e julho de 1936.
Franco ganhou prestígio entre a população quando assumiu a liderança das tropas sublevadas e venceu a Guerra Civil após 3 anos lavando de sangue a Espanha, ganhando apoio de Adolf Hitler e Benito Mussolini ao longo dos 4 anos que se manteve no poder.
Nesse período, ele fechou a Espanha para o mundo exterior, atrasando o progresso econômico e industrial enquanto punia os milhares de civis e políticos que lutaram ao lado dos "perdedores da guerra", ou seja, os partidários de esquerda.
Com isso, a ideologia franquista, associada a maternidades, conventos, igrejas, hospitais e outras instituições, incitou o roubo de bebês nascidos em famílias consideradas "traidoras" ou "indesejáveis". A ideia era promover o domínio da direita pura sobre as famílias inferiores que faziam parte da "esquerda perdedora", considerados moral e economicamente deficientes para criarem os próprios filhos.
Mesmo após o fim do fascismo, o roubo e tráfico de bebês cresceu na Espanha e durou quase 50 anos.
Para que o Estado pudesse fazer isso de uma forma "menos criminosa", pelo menos aparentemente, era preciso que os pais adotivos seguissem uma série de obrigações, como fingir uma gravidez, encomendando toda a papelada necessária com médicos comprados pelo governo.
O esquema foi tão bem articulado que alguns pais acreditaram que estavam apenas passando por um canal de adoção mais rápido e menos burocrático, sem nem imaginar que os bebês estavam sendo roubados deliberadamente. Essa ideia foi reforçada, pois, até 1987, as adoções na Espanha eram feitas em hospitais e possuíam grande influência da Igreja Católica.
Entre o período de 1939 e 1976, cerca de 261 famílias tiveram seus bebês roubados pelo sistema de tráfico do governo espanhol. Poucas pessoas tiveram sucesso em reencontrá-los, apesar dos esforços.
Isso em muito se deu devido ao Pacto do Esquecimento de 1977, uma lei de anistia que a Espanha aprovou logo após a morte de Franco e o fim do fascismo no país. A lei visava deixar para trás toda a história e os espólios do tempo sombrio do general, inclusive tudo o que foi mantido em sigilo pelo governo.
Desde então, a Organização das Nações Unidas (ONU) questiona a Lei de Anistia por não investigar uma série de casos de pessoas desaparecidas, tanto as que foram submetidas pela rede criminosa de tráfico humano quanto aquelas consideradas indesejáveis ao regime, que acabaram em valas comuns ou desapareceram.
Em 2002, o livro-documentário The Lost Children of Francoism, escrito por Montserrat Armengou e Ricard Belis, destacou uma série de casos individuais de sequestro de crianças durante o franquismo da Espanha. Tanto que demorou até 2011 para que várias famílias se apresentassem em uma ação coletiva na Suprema Corte espanhola na esperança de que seus casos fossem ouvidos.
Em junho de 2018, Inés Madrigal, de 49 anos, acusou o ginecologista aposentado Eduardo Vela, de 85 anos, de sequestrá-la quando criança e falsificar documentos para fazer com que sua mãe adotiva parecesse sua mãe biológica. Ela se tornou o primeiro caso público da rede do franquismo, mas apenas um dos mais de 3 mil processos de adoção clandestina movidos na Espanha só naquele ano. Alguns levaram a investigações, mas muitos foram arquivados.
A questão é: o que aconteceu durante a era de Franco permaneceu por mais 50 anos, desde a Guerra Civil até o início dos anos 1990. Segundo a Anistia, o governo nunca se interessou ou teve o cuidado de acabar com a indústria de roubo de bebês perpetrada por médicos, padres e freiras.
Com isso, é impossível determinar até que ponto o governo estava envolvido ou não na operação, visto que ela apenas floresceu como uma maneira clandestina de geração de dinheiro.
Uma luz só foi lançada sobre esse problema em 2011, depois que Antonio Barroso e Juan Luis Moreno vieram a público revelar que foram comprados por seus respectivos pais de um padre em Zaragoza, no leste da Espanha.
Demorou até 2018, após a eleição de um governo de esquerda no país, para que algo fosse feito. Foi aprovada no mesmo ano uma comissão parlamentar para ajudar famílias que acreditam que seus entes queridos foram roubados.
Uma investigação feita pelo Ministério Público estadual apontou que, entre 2011 e 2021, cerca de 2.138 denúncias de crianças roubadas foram feitas, das quais apenas 526 foram processadas (e arquivadas em seguida), dos 51.266 casos de sequestro de bebês.
Em 2021, foi lançada uma busca internacional por essas milhares de crianças desaparecidas espalhadas pelo mundo. Os promotores reabriram milhares de processos criminais arquivados devido ao prazo de prescrição expirado ou por falta de provas. Um projeto de lei chamado Lei de Bebês Roubados foi criado para encontrar justiça aos parentes daqueles que foram roubados quando crianças.
No ano seguinte, a denominada “lei da memória democrática” foi aprovada, dando às autoridades nova permissão para investigar irregularidades da era fascista, usada especificamente para investigar melhor o caso de sequestro de bebês. Também foi criado um banco de DNA para facilitar o rastreamento de familiares por parentes.
E, apesar de todos os esforços do atual governo de Pedro Sánchez, o Partido Popular da Espanha, de direita, permanece lutando para reverter legislações que possam expor os crimes do governo fascista de Francisco Franco – ou até mesmo desmantelar um esquema milionário.
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