Saúde/bem-estar
11/01/2021 às 15:00•4 min de leitura
A vida de José Antonio Martínez del Águila nunca mais foi a mesma depois do que aconteceu com a sua família em meados da década de 1960, quando ele tinha apenas 11 anos. A maneira como ele passou a ser enxergado pelas pessoas teve um impacto irreversível em seu caráter e principalmente na construção de sua inteligência emocional, despertando nele uma vida repleta de comportamentos violentos que apenas refletiam o que ele testemunhava durante sua infância.
No pequeno município de Múrcia, na Espanha, o sobrenome “Martínez del Águila” se tornou sinônimo de assombro e morte.
O terror teve início em 4 de dezembro de 1965, quando a pequena María del Carmen Martínez, de apenas 11 meses de idade, filha de Antonia Pérez e Andrés Martínez del Águila, simplesmente parou de respirar enquanto ainda estava no berço. O médico que foi até à casa da família, localizada em Carril de la Farola, na capital murciana, sugeriu que a causa da morte era meningite, uma doença muito comum na época.
Antonia, então grávida do nono filho, teve que enterrar Maria enquanto batalhava contra um luto que lhe arrastou para uma depressão profunda, da qual ela jamais imaginou que se recuperaria (e ainda havia mais pela frente).
Cinco dias depois, a família foi atingida por mais um infortúnio quando Mariano, de apenas 2 anos, morreu sob o mesmo diagnóstico que sua irmã. Em seguida, em 14 de dezembro do mesmo ano, foi a vez de Fuensanta, de 4 anos, fechar os olhos para sempre.
Temendo que a morte dizimasse a família um a um, os Martínez del Águila correram para o Hospital Provincial com seus 7 filhos sobreviventes e foram internados para que pudessem passar por uma série de avaliações médicas. Por que as crianças estavam morrendo?
A princípio, foi sugerido que poderia se tratar de uma infecção por algum vírus, por isso os médicos avaliaram vários habitantes de Carril de la Farola em busca de sintomas ou casos parecidos, porém nada encontraram. A intoxicação alimentar também foi uma causa sugerida, mas não havia registros desse problema de saúde entre os demais moradores do bairro.
Durante uma espécie de quarentena a que a família foi submetida, os Martínez não apresentaram nenhum tipo de sintomas, tampouco as avaliações acusaram alguma enfermidade. Sendo assim, todos eles receberam alta e voltaram para casa na véspera do Natal. Na medida do possível, as comemorações das festas de fim de ano foram boas para a família, mas a sensação de alívio durou pouco.
Em 4 de janeiro de 1966, Andrés, aos 5 anos, o mais jovem entre os sobreviventes, sentiu-se mal depois de comer um pão com manteiga e meia laranja no café da manhã. Ele estava brincando pela casa quando passou mal, desmaiou e morreu em seguida, sem que os pais sequer tivessem tempo de socorrê-lo.
Com o bairro chocado com as mortes, a família dilacerada voltou para o hospital e ficou reunida no mesmo quarto, sem qualquer tipo de contato com os demais pacientes. Desta vez, no entanto, os médicos decidiram exumar os outros três cadáveres para coletar amostras, que foram encaminhadas para o Instituto Nacional de Saúde de Madrid.
A essa altura, o hospital já havia contatado a mídia, e o jornalista Francisco Umbral, que trabalhava para a ABC News, foi o primeiro a chegar ao local. O profissional foi o responsável por espalhar para o país o primeiro retrato melancólico da família, cujos rostos dos pais estampavam uma difícil expressão de resignação perante a tudo. “Para as crianças, entre quadrinhos e bonecos, as horas passam mais rápido. Eles também não entendem muito bem o que está acontecendo”, escreveu o, então, jovem repórter em uma matéria que comoveu a Espanha.
Abrindo os exames, os médicos descobriram que nenhum vírus foi detectado no organismo das vítimas, porém o teste anatômico forense apontou algo pior: todas haviam sido fortemente envenenadas. O laudo apontava que as crianças consumiram uma grande quantidade de inseticida e polidor de metais.
A notícia “caiu como uma bomba” no colo dos pais e dos espectadores de toda a Espanha. Rapidamente, um juiz ordenou a prisão provisória dos pais. Andrés foi encaminhado para o Centro Psiquiátrico El Palmar, enquanto Antonia, grávida, foi colocada sob vigilância na maternidade do Hospital Provincial de San Juan de Dios. As crianças, por sua vez, ficaram sob a tutela do Conselho Provincial de Proteção de Menores.
Todos queriam entender o porquê os pais tinham matado os filhos e, principalmente, por qual motivo continuavam gerando mais crianças. A mídia especulou um possível envolvimento de uma terceira pessoa no crime, uma mente capaz de administrar as doses exatas e letais do veneno para que parecessem causas naturais. A todo o momento, porém, o casal negava veementemente a culpa nos crimes.
Em 24 de janeiro de 1966, a resposta a todas as perguntas chegou de maneira ainda mais inesperada, causando um alvoroço em todos. Investigadores do caso descobriram que Piedad Martínez del Águila, a filha de 12 anos do casal, foi a assassina dos próprios irmãos.
De acordo com um dos investigadores, foi um fotógrafo que reparou na total apatia e frieza da jovem Piedad diante da situação. A polícia foi informada sobre a suspeita e, a princípio, repudiou a suposição, mas depois passou a considerá-la. Eles começaram a dar crédito à possibilidade erguida pelo fotógrafo depois de descobrirem que a garota era quem cuidava dos irmãos todos os dias e a todo momento, sendo inclusive a responsável pela alimentação deles.
Após horas de depoimento, Piedad confessou os crimes com calma e de maneira impassível. Ela revelou que a motivação foi o cansaço: “Queria brincar com os meus amigos e não podia”. A garota falou sobre o fardo que a criação dos próprios irmãos tinha-se tornado para ela e que a única maneira de se libertar foi “se livrando” deles.
Depois que a menina foi internada em um hospital psiquiátrico de Las Oblatas com o diagnóstico de psicopatia infantil, Piedad passou a acusar a mãe como participante no crime, porém não passava de mentira. Toda a exposição midiática e o resultado final do caso causaram a ruína total da família, além de caírem em um limbo social, no qual o pai perdeu o emprego e todos ficaram na miséria.
No final das contas, Piedad conseguiu o que queria: uma vida sozinha e sem preocupação.