Estilo de vida
19/08/2019 às 04:00•4 min de leitura
Que atire o primeiro professor de História quem nunca ouviu falar sobre a caça às bruxas há alguns séculos. Não que essas mulheres mortas fossem bruxas de fato – imagina! Ali, de meados do século 14 até o 18, qualquer mulher que não se considerasse católica ou que tivesse comportamentos fora dos tradicionais poderia ser acusada de bruxaria e levada à fogueira por isso. Pois é.
Outro período significativo quando o assunto envolve julgamento de bruxas é o ano entre 1692 e 1693, em Salem, Massachusetts, nos EUA. A coisa ficou tão famosa que dificilmente encontramos alguém que nunca tenha ouvido nada a respeito das Bruxas de Salem. Agora nos conte: você sabe qual foi a história dessas mulheres?
Vamos lá: nesse período, mais de 200 mulheres foram acusadas de praticar bruxarias e de fazer pacto com o tinhoso. Dessas, 20 foram mortas. Depois de algum tempo, o governo admitiu que matar essas mulheres foi um engano e até buscou maneiras de recompensar as famílias das vítimas, mas essas execuções continuam a repercutir até hoje.
Assim como no início do Período Moderno, em 1692 uma onda cristã espalhou a ideia de que o demônio estava solto em Salem, fazendo acordo com bruxas em troca da lealdade dessas mulheres. Um pouco antes, em 1689, ingleses e franceses disputavam território em colônias norte-americanas na chamada Guerra dos Nove Anos ou, ainda, Guerra do Rei William.
O conflito deixou grandes estragos no norte do estado de Nova York, nos EUA, e em Nova Escócia e Quebec, no Canadá. Como é de se esperar em casos de guerra, muitos refugiados procuraram abrigo em outras cidades, sendo que várias pessoas foram para a então Salem Village, hoje Salem.
A chegada dos refugiados abalou a economia local, aumentando ainda mais a rivalidade entre as famílias ricas da cidade e as que dependiam da agricultura. Na época, o primeiro ministro de Salem Village era Samuel Parris, conhecido por ser rígido e ganancioso.
Pulando para janeiro de 1962, chegamos ao momento em que tanto a filha de Parris, Elizabeth, com nove anos, quanto a sobrinha dele, Abigail Williams, de 11 anos, começaram a apresentar comportamentos estranhos. As meninas se contorciam, gritavam, arremessavam objetos, faziam sons bizarros e, por causa disso, foram examinadas por um médico.
O veredito do especialista? Eventos sobrenaturais, é claro. Na mesma época, outra criança, Ann Putnam, de 11 anos de idade, teve os mesmos sintomas que as garotas avaliadas pelo médico. Pressionadas por Jonathan Corwin e John Hathorne, magistrados, as garotas acabaram acusando três mulheres de bruxaria: Tituba, que era escrava de Parris; Sarah Good, uma moradora de rua; e Sarah Osborne, uma idosa pobre.
A partir da acusação, as três foram interrogadas por vários dias – Tituba foi a única a dizer que tinha feito um pacto com o demônio, afirmando ter assinado um livro e garantindo que mais bruxas estavam espalhadas por Salem, com o objetivo de acabar com os puritanos. As três acusadas acabaram presas.
As declarações de Tituba causaram furor em toda a cidade. Ao mesmo tempo, outra acusada de bruxaria, Martha Corey, causou ainda mais pânico. O motivo? Ela era cristã e participava ativamente da igreja local, ou seja: se até ela era uma bruxa, qualquer uma poderia ser. Em abril do mesmo ano, os tribunais de Salem julgavam dezenas de acusadas de bruxaria – nessa época até mesmo a filha de Sarah Good, uma garotinha de apenas quatro anos de idade, serviu como testemunha.
O número de acusadas não parava de crescer e, no dia 27 de maio de 1692, o governador William Phipps criou um tribunal especialmente para os casos de bruxaria. O primeiro julgamento foi o de Bridget Bishop, acusada de bruxaria por ser fofoqueira e promíscua. Ainda que tenha dito que não tinha qualquer envolvimento com bruxaria, ela acabou sendo considerada culpada e se tornou, no dia 10 de junho, a primeira pessoa enforcada sob a acusação de bruxaria.
No mês seguinte, mais cinco mulheres foram condenadas ao enforcamento; em 19 de agosto, foram mais cinco e, em setembro, oito. À época, tanto o ministro Cotton Mather quanto seu filho, Increase Mather, então presidente de Harvard, pediam ao Governo para que não considerasse sonhos e visões como evidências em testemunhos.
Os pedidos foram considerados pelo governador Phipps, que estava em um dilema depois de sua própria esposa ser acusada de bruxaria – aí a coisa muda, né? Com o passar do tempo, as condenações diminuíram, e, em outubro, de 56 acusadas, três foram condenadas, e as mulheres que estavam presas acabaram sendo liberadas em maio de 1693.
Ainda assim, o estrago já tinha sido feito. Ao todo, 19 mulheres foram enforcadas, diversas morreram na prisão, um homem de 71 anos foi morto a pedradas e cerca de 200 pessoas foram acusadas de praticar bruxaria e realizar pactos com o demônio.
Com o fim das acusações, dos julgamentos, das prisões e das sentenças, começou a série de mea culpa com declarações de pessoas como o juiz Samuel Sewall, que pediu perdão publicamente por ter errado em seus julgamentos. No dia 14 de janeiro de 1697, o Tribunal Geral de Salem promoveu um dia de jejum em respeito às almas das mulheres condenadas.
Em 1711, as famílias das vítimas receberam 600 libras como forma de indenização, mas o estado de Massachusetts só se desculpou formalmente pela atrocidade em 1957, 250 anos após os enforcamentos.
A história triste de Salem acabou servindo de inspiração para artistas e pesquisadores – um artigo publicado em 1976 pela psicóloga Linnda Caporael afirmava que o comportamento estranho das crianças, avaliado como uma atividade paranormal pelo médico que as examinou, era, na verdade, resultado de uma contaminação por um tipo de fungo encontrado em centeio, trigos e outros cereais, já que o contágio por esse tipo de fungo pode causar vômito, contrações musculares e alucinações.
Atualmente, a atração mais visitada da cidade é justamente o Museu das Bruxas de Salem, que exibe documentos da época em cenários idênticos aos tribunais que julgavam as mulheres de então. O lugar é conhecido também por explorar o universo das bruxas ao longo da História.
*Publicado em 13/9/2016