Ciência
21/06/2019 às 08:00•4 min de leitura
O que passa pela sua cabeça quando você pensa na Bélgica? Chocolates deliciosos? Cervejas de qualidade? Pois, se não fosse pelos recentes acontecimentos relacionados com o terrorismo na Europa, ninguém associaria essa pequena e pitoresca nação a eventos sangrentos e desumanos.
No entanto, no auge do imperialismo do Velho Continente na África, um monarca belga tocou o terror em suas colônias, especialmente no Congo. O nome desse cara do mal era Leopoldo II e, de acordo com Richard Stockton, do portal All That Is Interesting, no quesito crueldade e perversidade, seus feitos são equiparáveis ou até piores do que os de ditadores brutais como Adolf Hitler e Joseph Stalin, por exemplo.
Leopoldo II nasceu em 1835 e subiu ao trono em 1865, já casado com uma princesa austríaca, Maria Henriqueta. Durante os primeiros anos de seu reinado, o monarca governou o país de maneira eficiente e comedida — tendo em vista o número de revoluções e reformas que pipocavam pela nação e culminaram na democratização da Bélgica décadas mais tarde.
Leopoldo II e Maria Henriqueta
Entretanto, segundo Richard, Leopoldo tinha forte interesse em expandir seu império e, vendo como as demais potências europeias administravam suas economias, acreditava que a grandeza de um país estava diretamente ligada à quantidade de recursos que a nação poderia extrair de suas colônias.
Assim, o desejo de aumentar seu domínio se transformou em obsessão, e Leopoldo começou a pôr seu plano em prática em 1866, quando tentou conseguir as Filipinas da Rainha Isabel II da Espanha, mas as negociações fracassaram quando a monarca espanhola foi derrubada do trono dois anos mais tarde. Foi então que o rei belga voltou sua atenção para a África, mais precisamente para a bacia do Congo.
Leopoldo II na época em já tocava o terror no Congo
Isso porque, na época em que a bacia do Congo se tornou uma colônia belga, essa região africana — cujo território era 76 vezes maior do que a Bélgica! — também era uma das maiores áreas de cultivo no mundo e contava com uma enorme abundância de recursos minerais. Mas Leopoldo não chegou até lá e, de cara, declarou que aquelas terras eram dele. O monarca foi bem mais ardiloso.
Leopoldo começou criando a Associação Internacional Africana em 1876, com o suposto propósito de enviar ajuda humanitária à África para catequizar os nativos e industrializar as diferentes nações. Entretanto, o real objetivo do monarca era reunir recursos e organizar a exploração do continente, e ele acabou se aliando a dois exploradores, Henry Morton Stanley e David Livingstone, para dar início à empreitada.
Exploradores com presas de elefantes — abatidos para a extração do marfim
A dupla foi responsável por abrir caminho pela selva congolesa para a chegada dos homens de Leopoldo, e o monarca nomeou a região de État Indépendant du Congo — Estado Livre do Congo. Por volta de 1885, a área foi reconhecida oficialmente pelo Congresso de Berlim; entretanto, em vez de levar o progresso até o local, Leopoldo começou a tratar o território como seu reino privado.
Alguns historiadores argumentam que o monarca belga, católico devoto, provavelmente tinha real intenção de converter os locais ao cristianismo. Contudo, milhares de congoleses acabaram sendo assassinados durante o processo, e os que restaram foram obrigados a trabalhar incessantemente na mineração de ouro, na caça de elefantes para a obtenção de marfim e na derrubada da vegetação nativa para a extração de borracha.
Na verdade, mais do que uma colônia belga, o Congo se transformou em propriedade pessoal do rei, e toda a riqueza e os lucros obtidos com a exploração e comercialização dos recursos locais iam para os cofres de Leopoldo. De acordo com Richard, para estabelecer seu domínio, o monarca fez alianças com poderosos pouco escrupulosos da região e guerreou contra outros tantos, se tornando, eventualmente, o senhor absoluto de todo o território.
Os açoitamentos eram frequentes
Depois disso, Leopoldo estabeleceu a Force Publique, um grupo de mercenários responsável por garantir que suas ordens fossem respeitadas em toda a colônia. Além disso, o rei dividiu o território em diversos distritos administrados por líderes escolhidos por ele a dedo e que contavam com poderes ditatoriais para manter tudo sob controle.
Cada um desses distritos tinha cotas específicas de recursos, como ouro, borracha, diamantes, marfim etc., e os administradores recebiam comissões sobre os lucros como pagamento por seus serviços. Dessa forma, Leopoldo mantinha os administradores motivados a explorar cada vez mais tudo o que o Congo tinha para oferecer — incluindo a mão de obra dos nativos.
Logo os congoleses foram forçados a trabalhar até a morte em plantações e minas, sem falar que, para abrir espaço para a extração de borracha, Leopoldo ordenou a desocupação de incontáveis vilarejos e a derrubada de áreas imensas de florestas. Os nativos também receberam cotas de produção, e quem não conseguisse bater sua “meta” de obtenção de ouro ou marfim, por exemplo, era castigado — geralmente com a amputação de mãos e pés.
Congolês diante do pé e da mão amputados de sua filha
E mais: se o trabalhador que não cumprisse sua meta de produção conseguisse fugir antes de receber o castigo ou precisasse das duas mãos e pés para continuar trabalhando, quem tinha as mãos e os pés decepados eram sua esposa ou seus filhos.
Ninguém sabe dizer ao certo qual era a população do Estado Livre do Congo (livre?) quando ele foi estabelecido em 1885, mas as estimativas apontam que cerca de 20 milhões de pessoas viviam por lá. Um censo realizado em 1924 indicou que a região contava com 10 milhões de habitantes, o que significa que metade da população local provavelmente perdeu a vida durante a colonização belga — com Leopoldo como responsável direto e indireto.
Congolês amputado
Com o tempo, as histórias sobre as barbaridades cometidas contra os congoleses começaram a se espalhar pelo mundo e, em 1908, Leopoldo foi forçado a ceder sua “propriedade privada” ao governo belga. Diversas reformas foram conduzidas, e o Estado Livre do Congo foi rebatizado de Congo Belga. Além disso, o sistema de cotas de produção foi modificado, e o assassinato arbitrário de congoleses passou a ser tecnicamente proibido.
Crueldade
Entretanto, todo o dinheiro obtido com a exploração dos recursos do Congo continuou sendo enviado integralmente à Bélgica; da mesma forma, os castigos e as mutilações seguiram sendo aplicados até a nação africana conquistar sua independência em 1971. Como resultado, até hoje o Congo sofre com as consequências do sistema estabelecido por Leopoldo II, já que a corrupção acabou ficando enraizada no poder.
Nativos segurando as mãos amputadas de outros homens
Para piorar, nos anos 90, o Congo foi arrasado pela Grande Guerra da África — que terminou em 2003 e resultou na morte de um número estimado em 6 milhões de pessoas. Sem falar que praticamente todos os recursos naturais do país continuam sendo explorados por nações estrangeiras, enquanto quase a totalidade da população vive em extremas condições de pobreza.
Uma ironia, considerando que o Congo é o país com a maior riqueza em recursos naturais (por metro quadrado) do mundo. E que fim levou Leopoldo? Ele morreu pacificamente em 1909, no dia em que seu reinado completou 44 anos. E sabe o pior? O monarca na maioria das vezes é recordado por suas incríveis conquistas e pelos belos edifícios que ele deixou como legado — e que foram construídos graças ao suor e ao sangue dos pobres congoleses. Triste, não é mesmo?
*Publicado em 21/9/2016