Ciência
13/05/2020 às 14:00•5 min de leitura
O escritor Markus Zusak uma vez mencionou que "a morte não espera por homem nenhum", contudo, aparentemente, ela esperou uma mulher a vida inteira: Violet Jessop. Desde o primeiro momento em que chegou ao mundo, a moça se mostrou uma verdadeira sobrevivente, praticamente iniciando um desafio contra a morte.
Nascida em 2 de outubro de 1887 perto de Bahía Blanca, na Argentina, Violet Constance Jessop foi a primeira filha dos imigrantes irlandeses William Jessop e Katherine Jessop a sobreviver à tuberculose, já que três de seus nove irmãos morreram por esse motivo. A moça desafiou todos os diagnósticos médicos fatais e se manteve viva no pior cenário da doença.
Violet não teve uma infância exatamente muito especial. Nada aconteceu até que atingisse 16 anos de idade, quando a morte passou por ela e alcançou o pai, um criador de ovelhas e agricultor. Com o falecimento de William, a família decidiu se mudar para a Inglaterra, e Katherine de repente se viu tendo que tomar as rédeas do lar para que a vida de todos não desabasse no buraco deixado pela ausência do marido.
Foi nessa época que Violet entrou para uma escola do convento e passou a cuidar de seus irmãos mais novos enquanto a mãe trabalhava como comissária de bordo na companhia marítima The Royal Mail Line. Em 5 anos, a saúde de Katherine acabou se deteriorando com tantas viagens e ela morreu logo depois de ficar acamada. Foi assim que Violet decidiu largar tudo para seguir os mesmos passos.
Entretanto, ela começou a enfrentar os primeiros problemas logo no início. Com apenas 21 anos de idade, era muito difícil que as companhias marítimas contratassem jovens como ela, pois consideravam que, por serem bonitas e atraentes, poderiam causar confusão com os homens casados. Os empregadores também a enxergavam como uma distração para os tripulantes, por isso priorizavam que as vagas fossem destinadas apenas às mulheres de meia-idade.
Nesse contexto arbitrário e machista, Violet só conseguiu um emprego na The Royal Mail Line após muita insistência. Para isso, ela concordou em usar apenas roupas velhas e nunca passar maquiagem, tudo para não despertar a atenção de algum passageiro ou tripulante. Violet precisava ser invisível. Em meados de 1908, ela começou a trabalhar a bordo do navio Orinoco.
A White Star Line foi a companhia de transporte marítimo britânica mais famosa da história e responsável por produzir transatlânticos de alto luxo. Fundada em 1845, a empresa foi a pioneira na criação de navios maiores, mais confortáveis e mais rápidos, sempre visando a maneiras de inovação ainda mais inusitadas para aquele período. Oceanic e Celtic foram os primeiros navios a quebrarem recordes de comprimento e peso que tinham sido estabelecidos há 5 décadas pelo Great Eastern.
No fim de 1985, encorajada pelo ótimo desempenho e repercussão que o Oceanic causou, a White Star Line encomendou três navios da Harland & Wolff. O trio de luxo recebeu o nome Transatlânticos de Classe Olímpica, construídos entre 1908 e 1914.
Após 2 anos na The Royal Mail Line, Violet conseguiu um empego na White Star Line. Ela foi colocada a bordo do Majestic e se sujeitou a trabalhar por menos de um salário-mínimo, tendo que dividir as pausas de descanso com a truculência dos supervisores que a exploravam de todas as maneiras. A única coisa que a animava era que havia mais americanos no navio e eles a tratavam com atenção, sendo sempre mais agradáveis do que qualquer europeu.
Violet foi transferida para atuar a bordo do moderno e opulento navio Olympic, o primeiro da nova classe de transatlânticos. Em 20 de setembro de 1911, a embarcação partiu do porto de Southampton para a sua quinta viagem. Assim que entrou no Estreito de Solent, na Ilha de Wight, ficou lado a lado com o cruzador HMS Hawke, da Marinha Real Britânica.
O Olympic fez uma curva para estibordo, pegando de surpresa o capitão George William Bower, que estava no comando do HMS Hawke e não conseguiu evadir a tempo. A proa do cruzador, que era equipada com um rostro para afundar outros navios, colidiu contra a popa do Olympic e abriu dois buracos enormes no casco, causando imediatamente a inundação de dois compartimentos e destruindo um dos eixos das hélices.
Felizmente, o Olympic conseguiu voltar para o porto antes que o oceano se tornasse a sua cova. Violet testemunhou todo o desespero dos passageiros e acreditou que seria o seu fim. Mas a mulher escapou.
Apesar do incidente com o Olympic, nada fez com que Violet desistisse, e ela continuou trabalhando em navios até ouvir que a White Star Line estava prestes a lançar o segundo transatlântico de luxo da classe. Com uma campanha de marketing para combater a vergonha nacional que o Olympic tinha sido, o Titanic foi divulgado como o "navio mais seguro do mundo" ou, melhor, "o navio inafundável".
Em 5 de abril de 1912, Violet recebeu a notícia de que tinha sido convidada para trabalhar como comissária de bordo no gigante Titanic. Na madrugada de 14 de abril de 1912, ela estava lá quando o iceberg rasgou o casco da embarcação e deu início ao processo de naufrágio que sepultou a vida de 1,5 mil pessoas.
Enquanto o desespero tomava conta do Titanic tão rápido quanto a água, Violet foi obrigada a subir para o convés e orientar as pessoas que não falavam inglês sobre o que precisavam fazer. Por volta das 2h daquela fria e horrível madrugada, ela foi colocada no bote salva-vidas número 15, que quase se envolveu em um acidente enquanto descia pela lateral do navio.
No desespero, ela lembra de ter segurado um bebê que alguém lhe entregou antes que estivessem boiando pelo oceano, assistindo a uma das maiores tragédias marítimas da história. Na manhã seguinte, quando foram resgatados pelo RMS Carpathia, uma mulher simplesmente arrancou o bebê dos braços de Violet e fugiu. Mas o importante é que ela tinha escapado da morte mais uma vez.
O dia em que o Titanic afundou ficou gravado nas memórias de Violet, como afirma em seu livro, Titanic Survivor, porém isso também não fez com que ela parasse. A morte parecia conversar com ela de muito perto, mas ela preferia dar a outra face e simplesmente continuar seguindo com o ofício que sentia que tinha nascido para desempenhar. Ela amava estar no mar e medo nenhum tiraria isso dela.
Em meio à Primeira Guerra Mundial, Violet foi designada para servir como comissária da Cruz Vermelha Britânica a bordo do HMHS Britannic, o terceiro da classe de luxo da White Star Line. O navio foi confeccionado para ser tudo o que os dois irmãos, Olympic e Titanic, não tinham sido em conforto e, principalmente, segurança. Naquele tempo, a embarcação tinha sido transformada para operar como navio hospital durante a guerra.
Com destino final em Mudros, na Grécia, Violet embarcou na sexta viagem do Britannic em 12 de novembro de 1916. Por volta das 08h12 de 21 de novembro de 1916, enquanto navegava entre as ilhas de Kea e Makronisos, o Britannic sofreu uma explosão que abriu um buraco gigantesco no lado estibordo do casco.
Toda a equipe hospitalar estava reunida na sala de jantar tomando o café da manhã quando ouviu o estouro e sentiu o tremor violento. Muito diferente do que aconteceu com o Titanic, Violet confessou que daquela vez a tripulação entendeu, no mesmo momento, que afundaria.
Em poucos minutos, a enorme embarcação começou a adernar para estibordo com os compartimentos 4 e 5 completamente inundados com mais de 10 mil toneladas de água. Levou 1 hora para que a mesma quantidade tomasse conta dos compartimentos do Titanic; o Britannic levou 57 minutos para afundar completamente — apesar disso, apenas 30 pessoas morreram entre as 1.125 a bordo.
Mais uma vez, Violet conseguiu escapar viva usando um bote salva-vidas e ainda conseguiu se esquivar de uma última tentativa da morte para levá-la naquele dia, quando vários botes foram sugados pelas hélices do navio enquanto ele naufragava. A mulher pulou a tempo de ser tragada.
Violet se aposentou dos mares por volta de 1950 e foi morar em Great Ashfield, uma cidadezinha na Inglaterra. Apesar de suas experiências a bordo do Olympic e do Britannic, o Titanic foi de longe o maior acontecimento da sua vida e carreira. Ela deixa isso bem claro em um livro inteiro dedicado à catástrofe, falando dos detalhes além do conhecimento público e como tudo isso impactou em sua psicologia de vida.
No filme A Night to Remember, lançado em 1958, o passo a passo da mulher naquela noite aparece no fundo durante as cenas dos botes. Em 1997, ela foi representada na adaptação cinematográfica de James Cameron, Titanic, em uma personagem chamada Lucy.
Com o título de "mulher inafundável", em 5 de maio de 1971, aos 83 anos de idade, Violet Jessop se deixou ser encontrada pela morte depois de ter desfrutado de uma vida impressionante.