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Lucille Chalifoux: a mulher que vendeu os filhos por US$ 2

10/07/2020 às 14:004 min de leitura

De acordo com a organização Counter-Trafficking Data Collaborative (CTDC), o envolvimento de famílias no processo de tráfico de crianças é quatro vezes maior do que no de adultos. Em cerca de 31% dos casos, as crianças são vendidas para prestar serviços domésticos, trabalho em fábricas ou na agricultura.

Segundo um embasamento estatístico levantado pela World’s Children, durante o processo de venda, elas são forçadas a ir com o seu comprador e sofrem agressões (16%), abuso sexual (10%) ou coerção psicológica (24%). Além disso, 55% desses infantes são do sexo feminino.

Quatro crianças à venda

(Fonte: Elite Readers/Reprodução)(Fonte: Elite Readers/Reprodução)

Além de uma casa com cerca branca e cheiro de torta de maçã em uma vizinhança tranquila, o “modelo” utópico que determinava a expectativa social dos norte-americanos dentro do conceito de "sonho americano" também ditava o padrão "ideal" de como uma família "forte e nuclear" deveria ser. O homem precisava ser o responsável por colocar o sustento "à mesa", enquanto a mulher cuidava do lar e dos filhos.

Com a soma de acontecimentos históricos – como o cataclísmico Dust Bowl e a Grande Depressão –, houve uma inversão desse estereótipo quando o país se tornou um lugar tumultuado para se viver. A Segunda Guerra Mundial matou milhares, dividiu ou acabou com famílias e deixou muitos em situação de caos financeiro, visto que o crescimento vertiginoso da economia não alcançava a todos. Assim que a União Soviética se estabilizou e a Guerra Fria enrijeceu as relações internacionais, a retomada ao ideal americano já não era mais uma possibilidade.

Em 4 de agosto de 1948, em Chicago (EUA), um fotógrafo capturou uma cena que exemplificou a situação social da época: crianças sendo vendidas em plena luz do dia. Na imagem, sentados em uma escada, no degrau mais alto, estavam Lana e RaeAnn, com 7 e 5 anos, respectivamente. Logo embaixo, Milton, 4 anos, e Sue Ellen, 2 anos. A placa na qual estava escrito “4 crianças à venda – Informe-se aqui” foi colocada pela mulher em pé, Lucille Chalifoux, de apenas 24 anos, que estava grávida e era mãe das crianças.

A família estava em processo de despejo do apartamento onde moravam depois que Ray Chalifoux, o pai da família, perdeu o emprego como motorista de caminhão de carvão. Foi frente à perspectiva de ficarem sem-teto e da tarefa de alimentar tantas pessoas, que eles decidiram leiloar os próprios filhos.

Uma vida por 2 dólares

RaeAnn Chalifoux (Fonte: NWI Times/Reprodução)RaeAnn Chalifoux (Fonte: NWI Times/Reprodução)

RaeAnn Chalifoux foi comprada por US$ 2 pelo casal de fazendeiros John e Ruth Zoeteman. Eles negociaram o menino mais novo, Milton, porque ele estava chorando muito ao ser separado de sua irmã.

Uma vez na fazenda, as crianças tiveram os seus nomes alterados para Beverly e Kenneth, respectivamente, e foram submetidos a viver em situação análoga à escravidão. Espancadas diariamente para trabalharem durante horas a fio, as crianças eram chamadas de escravas pelos seus compradores e comiam sobras.

Aos 17 anos, RaeAnn foi sequestrada e estuprada. Assim que ficaram sabendo que devido à violência sexual ela engravidou, os escravocratas que a adquiriram a enviaram para um lar de mãe solteiras. A criança foi tomada dela após o parto e colocada para adoção. Depois disso, RaeAnn fugiu.

David McDaniel (Fonte: NWI Times/Reprodução)David McDaniel (Fonte: NWI Times/Reprodução)

Milton, por sua vez, sofreu anos de abusos em todos os aspectos à medida que foi crescendo junto do casal. Quando ele conseguiu escapar, o seu estado mental já havia se deteriorado e, então, ele foi parar em um tribunal após empurrar um policial durante um episódio de fúria. Visto como uma espécie de ameaça à sociedade, o juiz que pegou o caso de Milton o fez escolher entre cumprir sentença em um hospital psiquiátrico ou em um reformatório. Ele escolheu a primeira opção.

Bedford Chalifoux, a criança que não tinha nascido quando a foto foi tirada, tinha marcas de mordidas e picadas de percevejos pelo corpo quando foi vendido, aos 2 anos, para um casal de fundamentalistas. Registrado como David McDaniel, a criação estritamente religiosa e rígida fez o garoto fugir de casa aos 16 anos e se alistar nas Forças Armadas. Isso ajudou-o a ressignificar o sentimento de revolta e rebeldia que desenvolvera ao longo do tempo. Segundo David, após servir no Vietnã, ele encontrou a mãe anos mais tarde e ela havia tido mais 4 meninas, que manteve.

Lana foi adotada por uma família de sobrenome Johnson e, em 1998, ela faleceu em decorrência de um câncer sem nunca mais ter visto os irmãos.

Incerta comoção

(Fonte: NWI Times/Reprodução)(Fonte: NWI Times/Reprodução)

A emblemática foto publicada no jornal Chicago Heights Star causou comoção em milhares de pessoas, indo parar até em outras cidades – mais tarde ela seria usada como exemplificação de um sistema ilegal e emergente de tráfico de crianças. 

As pessoas que se sensibilizaram com a cena passaram a fazer doações para a família, aparentemente desconsiderando o ato brutal e inescrupuloso do casal Chalifoux. Alguns, inclusive, até alegaram que eles estavam “pensando no melhor para as crianças”.

Segundo investigações do NY Post, ninguém sabe para onde foi o dinheiro que o casal recebeu. De qualquer forma, a quantia desconhecida não impediu que eles vendessem todos os filhos em um período de 2 anos.

Ela não se importava

À esquerda, Sue Ellen Chalifoux (Fonte: NWI Times/Reprodução)À esquerda, Sue Ellen Chalifoux (Fonte: NWI Times/Reprodução)

Em meados de 2013, após 70 anos, as redes sociais permitiram a Sue Ellen Chalifoux – que sofria de uma doença pulmonar fatal – reencontrar a irmã RaeAnn. “Eu encontrei com a minha mãe biológica aos 21 anos. Ela não tinha remorso. Nunca nos amou”, relatou RaeAnn em entrevista ao jornal The Times.

“Todos nós cometemos erros. Somos seres humanos. Ela poderia estar pensando em nosso bem-estar mesmo”, argumentou David McDaniel, ironicamente o único que teve uma experiência menos pior que a dos irmãos. Em contrapartida, Sue Ellen Chalifoux foi bem incisiva em sua opinião: “Eu espero que ela esteja queimando no inferno”.

Liberado do hospital psiquiátrico em 1968 após anos em puro sofrimento, Milton Chalifoux expressou o que a maioria parecia sentir: “Nossa mãe biológica nunca nos amou. Ela não se desculpou por me vender quando eu a encontrei. Ela não fez isso porque precisava, fez porque não se importava”.

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