Ciência
10/12/2020 às 15:00•3 min de leitura
Em 1942, o chinês Poon Lim ficou à deriva em uma jangada no oceano Pacífico por 133 dias, em uma aventura que impressionou o mundo todo e revolucionou as políticas marinhas. Quarenta e um anos mais tarde, Tami Ashcraft, que passou parte de sua vida no mesmo oceano em que Lim se consagrou, foi ali atingida pela tempestade provocada pelo furacão Raymond, sobrevivendo por meios precários e desafiando todas as estatísticas.
Em 1950, quando náufragos ainda eram vistos com curiosidade, o biólogo e médico francês Alain Bombard decidiu provar empiricamente se era possível sobreviver com recursos rudimentares e escassos em alto-mar. Para isso, em 16 de outubro de 1952, embarcou em sua jornada de náufrago voluntário para medir e estudar as probabilidades em sua pesquisa científica.
Quando decidiu provar sua teoria, Bombard, então com 30 anos, já havia navegado sozinho pelo oceano Atlântico, indo de Tânger (Marrocos) até Casablanca (Marrocos) e Las Palmas (Espanha). O plano original era levar o velejador inglês Jack Palmer com ele na expedição, porém ele decidiu seguir viagem por conta própria.
Ele embarcou em um bote inflável Zodiac chamado L’Hérétique, de apenas 4,65 metros de comprimento, equipado com um par de velas e remos, e partiu da Ilha Gran Canaria, em Porto de Las Palmas, às 6h daquele domingo. Bombard carregava um sextante, uma linha de pesca, uma faca, uma rede e um pedaço de lona e quase nenhum suprimento de água ou de comida. Quando a ilha sumiu de vista, ele se deitou no barco e tentou adormecer, ouvindo o oceano calmo e sua solidão voluntária sem ecos.
Bombard teria desenvolvido essa obsessão de saber como uma pessoa consegue sobreviver em alto-mar enquanto fazia sua residência como médico em Boulogne-sur-Mer, no norte da França. Ele acompanhou a autópsia de 41 tripulantes da traineira Notre-Dame de Peyragudes, que afundou, deixando apenas 6 sobreviventes.
A teoria dele era baseada na alimentação e na hidratação, que acreditava serem fundamentais para a sobrevivência em alto-mar. Ele defendia que seria possível se manter vivo bebendo água da chuva, um pouco de água do mar ou suco de peixe e mantendo uma dieta baseada em peixe cru e plâncton filtrado (rica fonte de vitamina C para combater o escorbuto).
O médico deixou claro que estabilidade emocional e psicológica eram necessárias para que a pessoa não entrasse em desespero, como acontecia em muitas em situações como aquela, e manter a mente ocupada seria fundamental para isso.
Durante 22 dias, Bombard não viu um pingo de chuva cair no oceano. Com o fim de suas escassas provisões, ele se alimentou de plâncton e saciou a sede com suco de peixe, exatamente como suas teorias sugeriam. Sem uma pesca abundante, em 2 semanas o cheiro de peixe morto só o fazia vomitar e perder mais energia.
Em 23 de outubro finalmente choveu, porém foi uma tempestade que arrancou a vela reserva da embarcação e forçou o médico a fabricar outra com os trapos que tinha. Em 6 de dezembro, sem ter ideia de onde estava, além de estar muito fraco e debilitado, ele escreveu o próprio testamento no apogeu do medo da morte.
No 53º dia de viagem, Bombard cruzou com o Arakaka, um graneleiro, quando descobriu que ainda estava a mais de mil quilômetros de seu destino final, o que o deixou abismado, pois imaginava que estava perto de concluir a missão, de acordo com seu sextante e suas contas.
Apesar dos alertas da tripulação sobre os perigos e o tempo instável, Bombard decidiu seguir viagem após aceitar um almoço do comandante. Mais tarde, ele negou que tenha quebrado sua “dieta”, ainda que fotos publicadas provem o contrário. Ele disse que tinha um estoque reserva muito bem preso no fundo do bote, embora isso fosse pouco provável.
Sofrendo de insolação e desidratação, Bombard chegou a Barbados em 23 de dezembro de 1952, após uma viagem de 113 dias, pesando 25 quilos a menos depois de mais de 4 mil quilômetros navegados. Mas nem tudo deu certo para o estudioso: levado às pressas para um hospital, ele teve que ser submetido a uma cirurgia para a remoção do rim, correndo sérios riscos de morrer na mesa de operação devido a seu estado alarmante.
De volta a Paris (França), ele publicou o livro Naufragé Volontaire (Náufrago Voluntário) em 1953 e se tornou um fenômeno mundial. O livro-documentário detalhava suas teorias e confirmava cada uma delas através de sua própria experiência, que o levou a ingressar na vida política e se tornar Secretário do Meio Ambiente da França em 1981.
Seus estudos atraíram a atenção do médico e marinheiro alemão Hannes Lindemann, que decidiu refazer a rota, concluindo a expedição em 134 dias. O entusiasta publicou uma pesquisa confirmando cada meio de sobrevivência erguido por Bombard, além de estabelecer novas técnicas em alto-mar.
Em 3 de outubro de 1958, com 6 marinheiros, Bombard subiu à bordo do bote inflável Angenivière (que mais tarde se chamou Bombard) para mais uma expedição, que tinha como objetivo atravessar a Barre d’Etel, uma região marítima conhecida por ser muito perigosa em dia de maré alta. Eles foram atingidos por uma tempestade que virou a embarcação e causou a morte dos tripulantes.
A investigação isentou Bombard de qualquer responsabilidade, porém a depressão que resultou dessa tragédia o fez tentar suicídio em 1963. Com o tempo, recuperou-se psicologicamente e ingressou para a política. Ele morreu em 2005, aos 80 anos, em Toulon (França).
Anos de pesquisas levantadas por Bombard e Hannes foram essenciais para a história da Marinha, tanto que suas observações entraram para o Manual de Recomendações e Sobrevivência em Alto-mar elaborado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).