Ciência
24/06/2022 às 06:30•3 min de leitura
Há muito mais do que apenas história entalhada em cada metro quadrado de Tbilisi, capital da Geórgia, a mais antiga de toda a Europa.
Abaixo das ruas estreitas e sinuosas de paralelepípedos, uma cidade abandonada foi confinada em suas profundezas, herança do domínio soviético, mas que está muito longe de ser panfletada ou visitada como acontece com as incursões na cidade fantasma sob Seattle, nos Estados Unidos.
Na verdade, a própria História sabe pouco sobre o que aconteceu em Tbilisi.
(Fonte: Yomadic/Reprodução0
Do século XII ao XIII, Tbilisi experimentou sua era de ouro na história da Geórgia, quando o país era forte e sua capital desempenhava um papel essencial no comércio, fazendo o intercâmbio de mercadorias da Ásia Central, Indochina, Arábia, Império Bizantino, Europa Ocidental e Rússia. Porém, seu último período de prosperidade foi marcado por mais invasões, dos mongóis, otomanos e iranianos, como se as que aconteceram até sua ascensão não tivessem sido o suficiente.
Tbilisi surgiu após as revoltas e confrontos do rei Vakhtang Gorgasali contra as potências iranianas que acabaram destruindo Kartli, atual Ibéria, durante a segunda metade do século V. Quando o rei expulsou um infiltrado iraniano em Tbilisi e a assumiu, esse confronto acabou demolindo o assentamento, mas o rei entendeu que era um local econômico estratégico para a área, portanto, começou a reconstruí-lo com o intuito de torná-lo uma cidade maior para ganhar o título de capital do Reino de Kartli.
Após a morte de Vakhtang durante uma batalha com o Irã, seu filho Dachi assumiu o controle da cidade não terminada pelo pai, trazendo o trono real para ela, aumentando sua população até aquele momento, ainda que fosse considerada bem pouco. Tbilisi já era chamada de capital de Kartli quando caiu sob os domínios dos árabes, em meados do século VII. Murvan Ibn-Mohamed impôs uma série de impostos sobre a população, em um reinado que durou quatro séculos.
(Fonte: TripAdvisor/Reprodução)
A cidade foi perdendo sua fama e força ao longo dos séculos com a constância das invasões. Em 1801, Tbilisi se tornou parte do Império Russo, e perdeu boa parte de seus resquícios de origem com a construção de edifícios do estilo Art Noveau em novos distritos da capital.
Em 22 de abril de 1918, o Sejm (atual Parlamento), declarou a Transcaucásia uma federação democrática independente e, um mês depois, Tbilisi se tornou a capital da recém-formada República da Geórgia, mas isso durou apenas mil dias. O Exército Vermelho dos bolcheviques invadiu a capital, em 25 de fevereiro de 1921, dando início a uma ocupação que durou 70 anos.
(Fonte: Flickr/Reprodução)
Em 1934, Stalin nomeou Lavrenti Beria como chefe da Tcheka, a polícia secreta antecessora da KGB, na Geórgia, quatro anos depois, sucedeu Nikolai Yezhov como secretário do Partido Comunista no país.
Beria teria elaborado toda a infraestrutura de um sistema de cavernas subterrâneas na capital de Tbilisi, composta por 450 bunkers gigantescos que podem ter abrigado muitos prisioneiros, transportados até aquela parte isolada do mundo possivelmente através de uma estação de trem, devido aos vestígios de um túnel desmoronado construído sob o antigo Instituto Marxista-Leninista que levava a uma prisão sob o Rio Mtkvan.
(Fonte: National Geographic/Reprodução)
Com a entrada do período da Guerra Fria e os temores de catástrofes nucleares impulsionados pela Segunda Guerra Mundial, acredita-se que a União Soviética tenha expandido de maneira vertiginosa o projeto, implementando até 50 unidades de bunkers sob o aeroporto de Tbilisi, além de vários quilômetros de corredores que levam a abrigos nucleares herméticos.
Em 2021, o mundo pôde ver o que se esconde sob as ruas da capital georgiana através das imagens exclusivas captadas pelo fotógrafo David Tabagari, publicadas em uma matéria do National Geographic em 2022.
(Fonte: My Modern Met/Reprodução)
Em meio a geradores de energia elétrica, de água e oxigênio; reservatórios de água abandonado, objetos pessoais esquecidos há décadas; restos de móveis, entalhes em paredes e garrafas de vodka que foram vistas por Tabagari; o submundo de Tbilisi imprime a sensação de que aquele poderia ser um longo futuro.
“Assim que você chega lá, você sente a História; percebe exatamente quantos recursos foram investidos nos preparativos da Guerra Fria, e em qual escala”, disse o fotógrafo, em entrevista ao My Modern Met.
(Fonte: Peta Pixel/Reprodução)
A cidade stalinista nos confins subterrâneos da Geórgia, também foi a morada da propaganda soviética do século passado, servindo como quartel-general para produzir toneladas de imprensa diariamente para sustentar o regime. E apesar de algumas partes ter entrado para os livros históricos, é apenas um trecho muito pequeno, de um todo que permanece tão sepultado e esquecido que apenas aqueles que trabalham abaixo da linha das ruas de Tbilisi, como os escavadores contatados por Tabagari para obter mais informações, têm conhecimento dos caminhos.
De longe o trabalho do fotógrafo pode ser considerado definitivo até o momento, visto que muito da vasta infraestrutura ainda precisa ser documentada e explorada, porém, o que mais intriga nisso tudo, é simplesmente não haver registros concretos sobre os princípios por de trás de um empreendimento daquela magnitude, que esburacou Tbilisi como se tivesse planos para um dia emergir dela com uma nação definitiva em um futuro distópico que nunca chegou.