Artes/cultura
24/10/2021 às 07:00•3 min de leitura
Durante as décadas da Guerra Fria, entre capitalismo e socialismo, conflitos armados ocorreram no Vietnã e no Afeganistão, além disso, houve a tensão que foi a Crise dos Mísseis de Cuba — o mais perto que chegamos de uma guerra entre as 2 superpotências. O que a maioria das pessoas não sabe é que um susto tão grande quanto esse aconteceu em 1983.
Porém, sabia-se pouco sobre o episódio, conhecido como "pânico de guerra de 1983". Isso mudou depois que novos documentos foram, em 2021, divulgados pelo Escritório de História do Departamento de Estado dos Estados Unidos (EUA) — quase 40 anos depois. Como se essa história não fosse curiosa o suficiente, parece que a guerra nuclear só não explodiu porque tivemos sorte.
O exercício de Able Archer era feito todos os anos, mas o de 1983 quase acabou em desastre. (Imagem: Popular Mechanics/Reprodução)
Todos os anos, no início de novembro, as forças militares da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) realizavam o exercício de Able Archer: simular um ataque comunista na Europa Ocidental, ao qual a Otan responderia com um ataque nuclear sobre a URSS e os países do Pacto de Varsóvia. Em 1983, os mesmos exercícios seriam feitos na Europa.
Até aí tudo bem. Porém, a União Soviética (URSS) suspeitava que a Otan estava indo longe demais com esses exercícios militares — e que, em algum momento, poderia usá-los para fazer um ataque de verdade no bloco comunista. Depois do trauma de terem sido pegos de surpresa em 1941, os soviéticos não queriam cometer o mesmo erro.
Mas de onde eles tiraram essa paranoia de ataque ocidental? Além dos exercícios em si, que estavam ficando cada vez mais elaborados, a URSS achava que os EUA tinham vantagens estratégicas na Guerra Fria, que poderiam encorajá-los a usar as bombas nucleares. Também não ajudou o pronunciamento de Ronald Reagan (1911-2004), então presidente dos EUA, dizendo que a URSS era o "império do mal", anunciando a criação de um sistema de defesa especial para impedir um ataque nuclear contra os EUA.
Ações de Ronald Reagan aumentaram a paranoia soviética. (Imagem: Wikimedia Commons)
Os soviéticos podiam estar paranoicos, mas realmente tinham suas razões para acreditar que a guerra nuclear ia estourar a qualquer momento. Então, quando o exercício de Able Archer de 1983 se aproximou, eles trataram de se armar "até os dentes".
Eles colocaram seus caças na Alemanha Oriental em estado de alerta, reforçaram os postos de comando em todo o bloco, suspenderam voos de rotina da Força Aérea Soviética e colocaram uma bomba nuclear em cada esquadrão de caça-bombardeiros. Esses esquadrões ficaram no nível de prontidão 3, ou seja, se eles recebessem o sinal, era para atacar em 30 minutos.
Basicamente, os soviéticos estavam no maior clima de "se me atacar, eu vou atacar", "com a mão coçando para apertar o botãozinho do apocalipse" e iniciar a guerra de destruição da Terra.
Isso só podia ter um significado para o general Leonard H. Perroots: o avião carregava armas que nunca tinha carregado, ou seja, uma carga preparada para guerra.
Os caça-soviéticos estavam prontos para ataca em novembro de 1983. (Imagem: Wikimedia Commons)
Perroots contou a situação para o general Billy Minter, comandante da Força Aérea dos EUA na Europa. Ele, então, perguntou se os americanos deveriam reagir. Perroots disse que não havia informações suficientes para aumentar o estado de alerta e falou que ia continuar monitorando os movimentos soviéticos.
A questão é que Perroots não sabia que os inimigos realmente estavam prontos para uma guerra. Isso só foi entendido depois que o agente Oleg Gordievski desertou para o Ocidente e contou tudo. Em um relatório entregue anos depois e divulgado só agora em 2021, Perroots diz que a sua resposta poderia ter sido diferente se ele soubesse dos planos soviéticos.
Os americanos concluíram os exercícios de Able Archer "tranquilamente", e isso evitou que a URSS colocasse seus planos de ataque em prática. A ideia de Perroots de esperar mais informações também foi essencial para evitar a explosão da guerra. Todas as decisões foram tomadas por instinto, e não com base em informações concretas.
Se qualquer um dos lados estivesse andando 1 milímetro fora da linha ou tomado uma decisão diferente, a guerra nuclear teria começado.