Ciência
06/08/2021 às 09:30•3 min de leitura
A maioria das receitas médicas, pedidos de exames ou atestados incluem um "código CID" com um número. Esses códigos correspondem à Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, um grande manual, com todos os problemas de saúde reconhecidos pela ciência. Todas as doenças têm um código específico, criando um padrão que auxilia no diagnóstico e tratamento de cada uma delas, ao redor do mundo.
Atualmente os profissionais de saúde usam a CID-10, que entrou em vigor nos anos 1990 (com ela que a homossexualidade deixou de ser considerada uma doença, por exemplo). Já em 2022, entra em vigor a CID-11, atualizada. A inclusão de uma nova doença na lista é a polêmica da vez: pelo novo código, a “velhice” poderá ser considerada uma doença.
Laudo médico: velha (Fonte: Freepik/Reprodução)
Essa polêmica tem várias camadas e a gente vai tentar explicar os vários pontos de vista para você, neste artigo. A primeira questão é que a Organização Mundial da Saúde (OMS) justifica que incluir a velhice na CID-11 não significa dizer que ser velho é ser doente. Em primeiro lugar porque, segundo a organização, a CID não fala só de doenças, mas sim de condições de saúde.
De acordo com a entidade, a inclusão do termo serve simplesmente para reconhecer que as pessoas podem morrer de idade avançada — e que um atestado de óbito pode ser preenchido com um código CID para velhice. Na verdade, isso já foi feito com o príncipe Philip, marido da rainha da Inglaterra, que faleceu em 2021. O atestado de óbito dele dizia apenas “idade avançada”.
Foi aí que as pessoas começaram a falar sobre a questão do código CID para a velhice, até porque o texto foi aprovado em 2019 e pouca gente tinha reparado nisso, até então. Também é aí que começam os argumentos de quem é contra a inclusão: ninguém morre apenas por estar velho, mas por outras doenças que surgem conforme a pessoa envelhece. Philip tinha acabado de operar o coração quando morreu, por exemplo.
Nesse contexto, qualquer pessoa mais velha que vai ao médico pode acabar recebendo um diagnóstico genérico de “velhice” em vez de tratar seu real problema. Aí, a velhice se torna a nova virose, uma “doença coringa”, enquanto as doenças de verdade ficam sem tratamento — e sem dados epidemiológicos para pautar pesquisas ou políticas públicas.
“Aí o médico disse que estou com velhice crônica” (Fonte: Pexels/Reprodução)
Outro problema disso é: se a velhice está na CID, então ela é uma doença e, portanto, precisa de tratamento, remédios ou procedimentos. Para os críticos da nova CID, isso abre uma caixa de Pandora de possíveis problemas para os idosos:
Picaretas, preconceituosos e o lobby das indústrias é algo que sempre existiu. Mas a inclusão da velhice na CID-11 daria um respaldo para as ideias desse povo e poderia complicar bastante as coisas para os idosos. A grande questão, nesse sentido, é: a quem interessa que a velhice seja uma doença?
A CID-10 já tem um código para a “senilidade” que engloba algumas condições características do processo de envelhecimento. Mas a velhice em si é uma fase da vida, um processo ligado à passagem do tempo, que começa desde que a gente nasce. Eu, com 28 anos, já estou sob os efeitos da velhice. Você que está lendo sente a velhice, independente da sua idade. É natural.
Isso leva a mais uma camada dessa polêmica: a partir de qual idade as pessoas poderão ser “diagnosticadas” com velhice? Aqui no Brasil, convencionou-se dizer que quem tem acima de 60 é idoso, mas na Itália a classificação é acima dos 75. E quantos de nós não conhecemos idosos de 70 com uma saúde muito melhor que pessoas de 28?
Com tantos aspectos para discutir e tantos pontos de vista, essa é uma discussão que parece bem longe de acabar. O que sabemos é que a CID-11 está quase entrando em vigor e há quem defenda ferrenhamente a inclusão e a não inclusão da velhice no novo manual. E você, o que acha disso tudo?