Ciência
24/09/2021 às 09:30•2 min de leitura
Alguns agentes químicos têm sido usados há séculos para desarmar ou incapacitar oponentes sem precisar matá-los, e o conhecido spray de pimenta é um exemplo disso.
Na China Antiga, os chineses colocavam pimenta caiena moída em papéis de arroz e jogavam no rosto de seus inimigos em combate, bem como os ninjas japoneses. Durante o reinado do Império Tukagawa, no Japão, a polícia usou como meio de tortura o metsubishi, um instrumento cheio de pimenta esfarelada.
Cada agente químico foi usado para uma finalidade ao longo da história: o gás lacrimogêneo foi criado em 1870 na Alemanha, e durante a Primeira Guerra Mundial foi massivamente produzido para ser usado contra os próprios alemães; no final da década de 1990, o mesmo componente já havia sido conciliado com o spray de pimenta, inventado por Kamran Loghman, e difundido pelo meio policial.
(Fonte: Shouse Law/Reprodução)
O ingrediente ativo do spray de pimenta é a capsaicina, derivada das plantas do gênero Capsicum, cujas variedades de frutos são conhecidos por existirem doces (como os pimentões) e extremamente picantes, como as pimentas em geral.
Para obter a oleorresina capsaicina (OC), que nada mais é do que a secreção dos frutos, é necessário que o Capsicum seja moído para que, finalmente, a capsaicina seja extraída usando um solvente orgânico, como o etanol. Após evaporado o solvente, o que resta é a oleorresina que, uma vez suspensa em água por um emulsificante, como o propilenoglicol, é então pressurizada para fazer um spray de pimenta em aerossol.
(Fonte: Empório Figueira/Reprodução)
O agente inflamatório do spray de pimenta causa dor imediata ao fechar os olhos, e seus efeitos dependem da quantidade disparada, mas, em média, costuma durar cerca de 30 minutos. Sua intensidade varia de um fabricante para o outro, dependendo dos 6 tipos de capsaicinoides usados para causar diferentes níveis de irritação.
(Fonte: New York Magazine/Reprodução)
Kamran Loghman trabalhou com o Departamento Federal de Investigação (FBI) durante a década de 1980 como um especialista em guerra e armamento, contratado para criar um spray de pimenta para ser usado como método de defesa.
Em 10 anos, ele treinou e certificou pessoalmente até 4 mil policiais no uso do spray de pimenta e nunca disse a um deles para usá-lo em manifestantes não violentos ou qualquer outro tipo de pessoa como arma de repressão e silenciamento.
Contudo, Loghman viu sua invenção ser mal usada e da pior maneira durante os protestes não violentos no campus da Universidade da Califórnia, em que policiais pulverizaram spray de pimenta em manifestantes pacíficos que estavam sentados no chão.
Em entrevista ao Democracy Now!, o especialista denunciou a maneira como sua criação estava sendo utilizada, condenando a prática como sendo “fora do comum, e não de acordo com qualquer treinamento ou política de qualquer departamento que eu conheça”.
Dorli Rainey. (Fonte: The New York Times/Reprodução)
“Eu fiquei chocado. Sinto que é meu dever cívico explicar ao público que não é para isso que o spray de pimenta foi desenvolvido”, ressaltou Loghman. Em entrevista ao HuffPost Rise, ele compartilhou que, usado corretamente, o spray não era uma forma de ataque, apenas de defesa de um perigo iminente. “O objetivo é reduzir as lesões. É usado para prevenir problemas, e não para calar, punir ou controlar as pessoas”, ressaltou ele.
Infelizmente, ninguém ouviu Loghman, e fotos como a de Dorli Rainey, uma senhora de 84 anos que ficou com o rosto deformado após receber um jato de spray de pimenta durante os protestos "Ocupe Wall Street" no final de 2011, continua sendo o retrato da ressignificação maligna de sua invenção.