Ciência
01/01/2022 às 06:00•3 min de leitura
Acredita-se que Phineas P. Gage tenha nascido em 9 de julho de 1823, em Grafton (New Hampshire, EUA), mas muito pouco se sabe sobre sua criação e educação. A maioria das informações são do médico John Martyn Harlow, que o descrevia como “um jovem saudável, forte e ativo em seus plenos 25 anos, com 1,68 de altura”.
Pesando 68 quilos, ele tinha uma estrutura muscular forte e bem desenvolvida, e mal teve doenças desde sua infância até o fatídico dia do acidente que mudou sua vida — colocando-o nos livros de neurologia dos últimos 150 anos.
Em julho de 1848, Gage se mudou para o deserto de Vermont ao ser admitido para trabalhar na construção da Estrada de Ferro do Rio Hudson, perto de Cortlandt, em Nova York. Sua função era dinamitar rochedos para a construção da estrada de ferro e, para isso, ele chegou até a encomendar uma barra de ferro de um metro e meio de comprimento para uso na colocação de cargas explosivas.
Ele não fazia ideia de que aquele seria o objeto que causaria sua quase morte.
(Fonte: Pinterest/Reprodução)
Em 13 de setembro de 1848, por volta das 16h30, Gage e outros operários estavam realizando sua rotina de trabalho diária. Ele usava sua barra para socar pólvora em um buraco profundo na rocha quando uma das cargas explodiu em atrito com o buraco. A barra de 5 quilos em sua mão entrou por sua bochecha esquerda, passou por trás de seu olho — o destruindo no processo —, atravessou a parte frontal de seu cérebro, saiu pelo topo do seu crânio do lado direito e caiu a 25 metros de distância de onde ele estava.
Surpreendentemente, Gage permaneceu consciente depois do acidente, na verdade, ele nem sequer se moveu no lugar, mesmo quando a barra o acertou. Ele foi imediatamente encaminhado para um médico local, John Harlow, que o socorreu ainda falando e caminhando, apesar de estar perdendo muito sangue.
(Fonte: Pint of Science/Reprodução)
Mas não foi só o olho esquerdo que Gage perdeu naquele dia, tampouco seria só o emprego estável: ele perdeu a si mesmo, como diziam os amigos e familiares. De um jovem bondoso, repleto de planos, educado, inteligente e perspicaz; ele se tornou frio, extremamente rude, incapaz de ouvir ou aceitar conselhos, passando a agir sem pensar nas consequências de seus atos. De repente, ele havia se transformado em uma máquina sem controle.
Foi por isso que a ferrovia se recusou a mantê-lo, incapaz de lidar com seu temperamento mudado, seus palavrões constantes e picos de agressividade. Ali já se fundamentava as primeiras suspeitas do Dr. Harlow de que isso não tinha em nada a ver como o trauma afetou a aparência de Gage, mas sim como a lesão nos lóbulos frontais pode alterar a personalidade, emoções e interação social de uma pessoa.
(Fonte: Wikimedia/Reprodução)
Na época, a frenologia era uma pseudociência em desenvolvimento, que buscava determinar as faculdades associadas a diferentes áreas do cérebro. Os neurocientistas como Harlow acreditavam na teoria alegada por Franz Joseph Gall de que o cérebro era composto de 27 órgãos individuais que decidiam a personalidade de uma pessoa, e que os animais só podiam ter 19 desses órgãos.
Ainda que essas conclusões estivessem erradas, muitos médicos prestaram atenção ao comportamento de Gage e conectaram suas mudanças externas aos danos feitos em seu cérebro conforme ele foi sendo visto em sociedade.
A vida do rapaz mudou tanto quanto seu comportamento. Sem trabalho, ele foi forçado a voltar para a casa dos pais em New Hampshire para trabalhar na fazenda da família. Ele até tentou outros tipos de trabalho em Boston, servindo até como cobaia para médicos em escolas de medicina para que observassem o caso raro de sobrevivência que ele era, e também trabalhou por um tempo no sistema de “freak show” de P.T. Barnum como uma de suas aberrações — mas seu temperamento não era sustentável para qualquer um.
(Fonte: Wisconsin Public Radio/Reprodução)
Após alguns anos, ele começou a sofrer de convulsões cada vez mais fortes, e acabou morrendo em 21 de maio de 1860, aos 37 anos. O Dr. Harlow não falava com ele há anos, mas, ao saber de sua morte só 4 anos depois, ele pediu autorização para a irmã de Gage para exumar o corpo para estudar seu crânio.
Embora Gage tenha sido visto por vários médicos, não existe nenhum registro dos efeitos duradouros de seu trauma ao longo de sua vida, mas isso não impediu que seu caso fosse extensamente discutido em livros médicos, e usado até como endosso para terapias de lobotomia que visavam reverter quadros clínicos de “loucura” de seus pacientes.