Ciência
02/11/2022 às 10:00•3 min de leitura
O isolamento social instaurado em 2020 como medida de segurança para controlar a propagação do coronavírus, que se tornou um caso de pandemia, desconstruiu vários aspectos da vida de um cidadão, inclusive as dinâmicas de trabalho.
O home office se tornou a única maneira que empresas encontraram para continuar operando, portanto, o tempo de tela, um antigo vilão da sociedade contemporânea, como reflexo do tempo gasto online, aumentou exponencialmente. Um estudo da Lenstore indicou que 75% da população, entre 16 e 24 anos, estão passando mais tempo em seus telefones, enquanto 45% aumentaram a quantidade de tempo nos computadores.
(Fonte: Henry Ford Health/Reprodução)
De acordo com Bhavin Shah, optometrista comportamental, olhar para essas telas pode ter um impacto na visão embaçada transitória, aumento da necessidade de usar óculos, no desconforto dos olhos e no desempenho no próprio trabalho.
Para além dos efeitos físicos e associação ao aumento do estresse, níveis baixos de motivação e muito sentimento de solidão –, o tempo excessivo de tela desencadeou um novo fenômeno chamado Zoom dysmorphia.
(Fonte: PureWow/Reprodução)
Essa "dismorfia do Zoom" foi apelidada pela médica dermatologista e professora da Harvard Medical School, Dr. Shadi Kouroush, para categorizar os efeitos causados por passarmos tempo demais nos vendo por vídeo durante videochamadas, o que pode ter resultado em um colapso de como percebemos nossa própria imagem.
Quando as clínicas reabriram em 2021, Kouroush notou um aumento nos pedidos de consultas relacionadas a problemas com a aparência, sendo que muitas pessoas se queixavam de que estavam visualmente "piores do que o normal".
A maioria dos pacientes questionados sobre o motivo de estarem procurando um tratamento dermatológico responderam que se ver muito por câmera durante o trabalho os fez perceber como sua aparência não parecia adequada o suficiente.
(Fonte: Oxygenetix/Reprodução)
O resultado direto do excesso de tempo diante das câmeras, em reuniões de equipe todos os dias, distorceu a autoimagem das pessoas, que passaram a se preocupar com a flacidez da pele ao redor do pescoço e bochechas; com o tamanho e a forma do nariz; ou com a palidez de sua pele. Portanto, a busca incansável por intervenções estéticas, desde aplicação de Botox até cirurgias plásticas, se tornou a única alternativa possível.
Essa resposta coincidiu com os avisos feitos por vários especialistas, como a Dra. Katharine Philips, psiquiatra do Hospital Presbiteriano de Nova York, que alertou sobre a possibilidade de aumento da dismorfia corporal naqueles que já eram afetados e naqueles em risco, sobretudo porque as redes sociais, começando pelo Snapchat, já havia catapultado essa dismorfia com seus filtros que alteram drasticamente vários aspectos da imagem de uma pessoa – o que piorou com a criação do Instagram Stories. Ela apontou que uma simples foto nas redes pode ser um gatilho imenso para essas pessoas, e que ser obrigada a se olhar por várias horas e se perceber, é ainda pior.
(Fonte: The Kit/Reprodução)
“As pessoas não estão olhando para um reflexo verdadeiro de si mesmas. Elas não percebem que é um espelho distorcido”, ressaltou a Dr. Kourosh, em entrevista ao The Guardian, lembrando que os fatores como ângulo e o quão perto a pessoa pode estar da câmera mascaram e distorcem a nossa aparência.
A preocupação envolvendo a Zoom dysmorphia entre os especialistas depois do estudo de Kouroush, aumentou porque o fenômeno não está recuando, apesar do fim da pandemia pelo mundo. Os pacientes continuam procurando médicos e dermatologistas com demandas irreais e não naturais, tendo como base fotos de celebridades recortadas de uma revista, como se procedimentos estéticos fossem uma tendência banal.
Uma pesquisa publicada no International Journal of Women’s Dermatology, feita com um grupo de 7 mil pessoas, descobriu que 71% delas estavam ansiosas ou estressadas com o retorno às atividades presenciais, e quase 64% procuraram um tratamento mental devido às cicatrizes deixadas pela pandemia. Três em cada dez pessoas disseram que investiriam em sua aparência como estratégia de enfrentamento para lidar com o trabalho presencial, com ganho de peso, descoloração da pele, rugas e acne entre as preocupações principais da lista – tudo exacerbado pela quantidade de tempo gasto em chamadas do Zoom, FaceTime, Google Meet ou Teams.
(Fonte: Quartz/Reprodução)
Mesmo antes das reuniões online, os psicólogos descobriram que as pessoas que se olhavam no espelho se tornavam mais autoconscientes. A diferença é que a tela de um celular ou computador, distorcida pela lente de uma câmera, está muito longe de ser nosso real reflexo, principalmente quando nossos rostos não estão relaxados.
Para resolver o problema, alguns passos podem ser adotados e incentivados para reduzir o risco da Zoom dysmorphia, como melhorar a qualidade da imagem online com o uso de ring lights, câmeras de maior resolução e a escolha de um ângulo adequado que limitam a distorção.
No entanto, essas medidas são consideradas apenas práticas e paliativas. A psicóloga e conselheira Alaokika Bharwani encoraja que as pessoas evitem repetir pensamentos negativos sobre sua imagem diante de uma câmera e se concentrem na qualidade de seu trabalho e em apreciar outros aspectos da vida.
A conscientização mundial sobre essa dismorfia é fundamental para que as vítimas possam enxergar que não são as únicas, e que, geralmente, não há nada de errado com sua aparência.