Ciência
24/04/2024 às 20:00•4 min de leituraAtualizado em 24/04/2024 às 20:00
Não é novidade nenhuma que a indústria alimentícia é projetada para seduzir e prender os consumidores a seus produtos a qualquer preço, ainda que isso custe trilhões de dólares em custos ocultos envolvendo a saúde global. Foi aqui que vimos como o matemático e psicólogo experimental Howard Moskowitz desenvolveu o conceito de como criar versões ideais de produtos alimentícios com base nas preferências individuais dos consumidores, em uma tática que ele nomeou "otimização hedônica de alimentos".
Em linhas gerais, é basicamente a maneira como as redes de fast food fizeram a população se viciar em seus lanches, construindo uma indústria avaliada em cerca de US$ 648 bilhões, podendo chegar a aproximadamente US$ 998 bilhões até 2028. Não é por mero acaso que existem mais de 541 mil restaurantes de fast food pelo mundo, sendo que mais de 40 mil deles pertencem à rede McDonald’s.
Viciar as pessoas em alimentos nada saudáveis se tornou parte intrínseca do processo capitalista do consumo, sobretudo em uma indústria que não para de se expandir, como a alimentícia. O psiquiatra Judson Brewer disse, em sua palestra no TED Talks, que esses alimentos com alto teor de dopamina — o que os torna tão satisfatórios — também são impregnados de muito sal ou açúcar.
Com isso, o cérebro não consegue se livrar da ideia de desejar comer mais, ganhar peso e comer de novo. Após repetir o processo suficientemente, esse comportamento se torna um hábito tão inerente à mente que nada além de uma reeducação alimentar consegue mudá-lo.
O relatório "The Global Nutrition Report", de 2021, feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS), revelou que 48% da população mundial sofre de má nutrição relacionada a uma dieta ruim, recheada de ultraprocessados. A OMS aponta que mais de 1 bilhão de pessoas no mundo têm obesidade, sendo que 650 milhões são adultas, 340 milhões são adolescentes e 39 milhões são crianças.
Em meio a tudo isso, a OMS emitiu um relatório em março de 2023 alertando que, a menos que os governos tomem alguma medida, 7 milhões de pessoas podem morrer de doenças ligadas ao consumo excessivo de sal antes do final da década.
Apesar disso, a indústria alimentícia continua nos impedindo de reduzir o sal na comida.
O sal é um nutriente essencial, mas não o sódio, do qual é constituído em 40%, um eletrólito que regula o equilíbrio hídrico no corpo. O excesso de sódio no organismo obriga os rins a reterem mais água para diluir o excesso do produto no corpo, aumentando o volume de sangue circulante na corrente sanguínea e, portanto, a pressão arterial devido à contração dos músculos lisos das paredes arteriais.
Além da contração dos vasos sanguíneos e impacto na função renal, o sódio em excesso causa uma ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), um sistema hormonal regular da pressão arterial, levando a uma maior produção de angiotensina II, uma substância que causa constrição dos vasos e aumento da pressão arterial. Tudo isso pode danificar as artérias do coração, aumentando o risco de um ataque cardíaco, por exemplo.
A OMS afirma que o consumo excessivo de sal mata cerca de 17,9 milhões de pessoas a cada ano. Não é para menos que o órgão recomenda menos de 5 gramas de sódio por dia, enquanto a American Heart Association (AHA) sugere menos de 1,5 gramas por dia. Por outro lado, globalmente, as pessoas consomem em média quase 9,34 gramas diariamente.
Por essa razão que a OMS estabeleceu uma meta de 12 anos acordada por todos os 194 Estados-membros para uma redução do consumo global de sal em 30% até 2030 – mas nenhum país está a nem meio caminho disso, faltando 5 anos para o fim do acordo. Na verdade, em uma revisão das políticas de redução, a organização descobriu que apenas 9 de seus membros haviam implementado medidas suficientemente abrangentes para reduzir o consumo excessivo do composto.
Segundo Francesco Branca, diretor do Departamento de Nutrição para Saúde e Desenvolvimento da OMS, os governos poderiam salvar muitas vidas apenas introduzindo limites obrigatórios sobre a quantidade de sal que a indústria de alimentos pode adicionar em seus produtos processados e ultraprocessados – que é a raiz do problema do excesso de sal.
"Isso é realmente algo que não custa dinheiro para ninguém", disse Branca ao The Washington Post. "É uma intervenção simples, mas incrivelmente eficaz."
O problema, no entanto, é que essa não é nem de longe a vontade da indústria alimentícia, cujo lobby é focado apenas no lucro.
Já sabemos que a maioria do sódio que ingerimos diariamente vem de alimentos processados ou ultraprocessados, o que poucos estão cientes é de como a indústria alimentícia engana qualquer um com seus rótulos confusos e suas jogadas de marketing.
Há 3 anos, a Anvisa aprovou e publicou novas regras no Brasil para que a indústria colocasse na frente de suas embalagens de forma bem visível a informação sobre quantidades elevadas de açúcar, gordura ou sódio para dar ao consumidor a chance de perceber que tipo de produto ele está ingerindo – ainda que não saiba totalmente.
Em 2023, a Universidade de São Paulo (USP) e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) fizeram um levantamento em que constou que a quantidade de produtos com rótulos adequados às normas cresceu, mas ainda se manteve muito abaixo do que determina a Anvisa.
Em setembro do ano passado, só 30% dos alimentos que deveriam ter o selo estavam adequados. Entre bebidas, apenas 5% tinham o rótulo ajustado às novas regras.
Mas indicar que o produto possui muito sal, não é o bastante. O que significa muito? Em alguns países, como o Chile, as embalagens indicam se um produto tem mais de 1g de sal por 100g de produto, no caso de sólidos, o que é considerável aceitável. Qualquer valor acima disso, significa que está olhando para um produto com muito sal.
Outro truque usado é confundir o consumidor o fazendo pensar que um "produto com sal reduzido" é o mesmo que "produto com baixo teor de sal".
Um alimento com "sal reduzido" pode ter 25% menos sal em comparação com produtos similares. Isso não significa que ele não exceda o limite de sal em uma embalagem. Se ele for comparado a um produto com alto teor de sal, ele ainda vai ser rico em sal, mesmo que seja "reduzido". Um produto com baixo teor de sal significa que terá no máximo 0,3g de sal por 100g. Ele não se baseia em uma comparação, mas na quantidade total de sal do alimento.
“A gente vê muita mais publicidade do que a informação nutricional de fato. Muitos alimentos infantis trazem as alegações de que tem vitaminas, tem minerais, fazem a criança crescer, por exemplo. E a gente vai ver a lupa, e ele é alto em algum nutriente crítico ali, que tem prejuízos para a saúde”, disse a coordenadora do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec, Laís Amaral ao G1.
Esse é o departamento de marketing das indústrias fazendo o seu trabalho em prender o consumidor em um ciclo vicioso de ingestão de sal até que ele não seja mais capaz de aguentar.