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30/09/2020 às 15:00•4 min de leitura
Em meados de 1980, o jovem Bobby Shafran, aos 19 anos, entrou para a faculdade pública Sullivan Community College, localizada em Loch Sheldrake, interior de Nova York (EUA). Imediatamente, ele foi recebido por vários estranhos que o cumprimentavam de uma maneira muito amigável e íntima, com abraços exagerados e comentários como se o conhecessem.
“Os caras me davam tapinhas nas costas, e as garotas me abraçavam e beijavam”, lembrou Shafran mais tarde. Apesar de se sentir acolhido, achou muito estranho que eles o chamavam de Eddy, e não de Bobby.
Foi o estudante Michael Domnitz que indagou Shafran se ele era adotado. Após a resposta afirmativa, Domnitz soltou o que Shafran menos esperava ouvir: “Acho que você tem um irmão gêmeo”. Ele se referia a Edward Galland, mais conhecido por todos como Eddy, o melhor amigo de infância de Domnitz.
Por mais confuso que fosse, tudo começava a fazer sentido na cabeça de Shafran. Disposto a ficar frente a frente com seu possível irmão gêmeo, ele viajou com Domnitz até Long Island naquele mesmo dia, visto que Galland havia abandonado a faculdade no ano interior.
Depois de 19 anos, Shafran se encontrou com o irmão e não pôde acreditar em como eles eram exatamente idênticos, até mesmo no tom de voz. Entre conversas repletas de entusiasmo e choque, os dois descobriram que riam da mesma maneira, possuíam marcas de nascença iguais, praticavam luta, perderam a virgindade na mesma idade e até compartilhavam a mesma pontuação de QI (148). Porém, as surpresas estavam bem longe de acabar.
Quando um jornal local publicou a surpreendente história, David Kellman, um estudante do Queen’s College, também em Nova York, reconheceu o seu próprio rosto nas fotos dos irmãos e rapidamente entrou em contato. Eles então descobriram que eram trigêmeos.
Uma vez juntos, os trigêmeos começaram a se conhecer cada vez mais e, pelo contato com a mídia, não demorou para que a história de vida deles se tornasse uma “sensação”. Eles souberam aproveitar bem a transformação pela qual estavam passando, tanto que decidiram se mudar para um apartamento e até abriram um restaurante em Nova York, chamado Triplets (trigêmeos, em inglês). Eles chegaram a fazer uma participação especial no filme Desperately Seeking Susan, estrelado por Madonna e Rosana Arquette.
Eddy, David e Bobby se tornaram melhores amigos e se amavam profundamente, mas cada um deles tinha problemas pessoais, principalmente Eddy Galland. De acordo com Kellman, um dos problemas era que ele “nunca aprendeu a discutir e depois a fazer as pazes”.
Galland foi diagnosticado com transtorno afetivo-bipolar, um distúrbio psiquiátrico caracterizado pela alternância súbita de episódios intensos de depressão e euforia, também conhecidos como mania ou hipomania. Galland teria-se tornado tão obcecado em fazer parte da família que desenvolveu o hábito de seguir Kellman e sua esposa para onde quer que eles fossem. Kellman, inclusive, chegou a se mudar três vezes para tentar fugir do rastro do irmão, mas sem sucesso. Foi em meio a esse cenário que a relação deles se desgastou.
Nesse momento, os trigêmeos acharam que era o fim de tudo, mas era apenas o começo de uma história obscura.
Em meados de 1995, Galland atingiu o pico de alteração causado pelo distúrbio, o que resultou em meses de uma psicose maníaca-depressiva que levou à sua internação em um hospital psiquiátrico. Naquele mesmo ano, infelizmente, Eddy Galland cometeu suicídio atirando contra a própria cabeça.
Tristes e abalados com toda a história, os outros dois irmãos acabaram se afastando e seguindo com a vida. Mais tarde, em 1995, o jornalista Lawrence Wright, vencedor do Prêmio Pulitzer, publicou um artigo expondo para o mundo um perturbador estudo psicológico realizado em 1960 com bebês gêmeos e como isso poderia ter alguma conexão com os trigêmeos que se tornaram uma sensação na década de 1980.
Após terem acesso aos registros dos experimentos colocados no departamento secreto da Universidade de Yale, Kellman e Shafran descobriram que eles foram apenas uma das muitas cobaias usadas pelo psiquiatra Peter Neubauer.
O estudo científico de Neubauer recrutou participantes através de agências de adoção judaicas por toda a Nova York de 1960 para que ele pudesse entender como era o desenvolvimento de crianças com composições genéticas idênticas quando separadas após o nascimento. Ele queria saber quais traços específicos da personalidade de um indivíduo vem da natureza e quais da criação.
Sendo assim, ele separava os gêmeos para que fossem criados em ambientes diferentes. Shafran, Kellman e Galland nasceram de uma adolescente, em 12 de julho de 1961, no Long Island Jewish Hospital, e foram entregues pela agência de adoção Louise Wise Services para Neubauer e sua equipe.
Os irmãos foram designados para estilos de lares e níveis de renda familiar diferentes: Kellman cresceu em uma família pobre, Galland foi criado em um lar de classe média e Shafran em uma família de classe média-alta.
Fingindo serem agentes de saúde enviados pelo governo, a equipe de pesquisa de Neubauer observou os trigêmeos desde a infância até a puberdade. Eles eram visitados periodicamente, mas a frequência foi diminuindo conforme eles foram crescendo. Claire, mãe de Kellman, até se lembrou de um episódio em que um dos pesquisadores deu ao garoto pinos quadrados para que ele colocasse nos ouvidos e no nariz.
No final das contas, o experimento se provou cruel e indicou que a separação dos trigêmeos desencadeou traumas psicológicos profundos e incompreensíveis neles. Os pais adotivos relataram como as crianças costumavam bater a cabeça contra as barras do berço.
Ao longo de sua vida, Kellman teve muitos problemas emocionais e passou muito tempo se consultando com um psicólogo. Galland, por outro lado, desenvolveu um transtorno mental que causou a sua morte. Já Shafran estava em liberdade condicional após confessar ter se envolvido em um assalto que terminou com a morte de uma mulher em 1978.
“O que mais me revolta é que eles estudaram a gente e sabiam que estávamos passando por isso por causa da ansiedade da separação”, disse Shafran ao The New York Post.
O estudo nunca foi publicado pelo Dr. Neubauer e, quando ele morreu em 2008, tudo foi entregue à Universidade de Yale sob sigilo máximo para que fosse guardado até 2065 – tempo suficiente para que todos os envolvidos já estivessem mortos.
O estudo foi financiado com dinheiro público e privado, com bolsas da National Institute of Health. Shafran e Kellman entraram com uma ação judicial, porém na época o estudo não violou nenhuma lei ao longo de sua execução, apesar de tratá-los como ratos de laboratório. A mãe biológica permitiu a separação de seus filhos, e o estado de Nova York só homologou em 1981 uma lei que obrigasse as agências de adoção a manterem os irmãos juntos.
Dirigido por Tim Wardle, em 2018 foi lançado o documentário Three Identical Strangers, que relata com detalhes todo o esquema sujo e inescrupuloso da manipulação científica que arruinou a vida dos irmãos.