Ciência
21/10/2022 às 09:00•3 min de leitura
É cientificamente provado que os leões não são feitos para serem amigáveis com os seres humanos, bem como com qualquer outro tipo de animal selvagem. Além de seu instinto, isso se deve muito também pelo poderoso instinto em defender seu orgulho. Se o leão sentir que seu orgulho está em perigo, ele atacará qualquer coisa ou qualquer um para defendê-lo.
A maioria dos leões descarta os humanos como sua primeira escolha de presa, visto que zebras e antílopes, como herbívoros grandes, são mais interessantes para seu paladar. Foge à regra os leões mais velhos e doentes, que já não são mais capazes de disputar um combate com um animal grande e saudável.
Em alguns casos, as fêmeas podem perceber os humanos como uma ameaça para seus filhotes. Se o leão estiver ferido, ele também pode se sentir ameaçado pela presença de um humano. Mas esse não é o caso dos leões de Tsavo, conhecidos como os "devoradores de humanos".
John Henry Patterson. (Fonte: Imperial War Museum/Reprodução)
A primeira documentação da natureza mortal de um leão Tsavo consta no livro The Man-Eaters of Tsavo (1907), escrito pelo soldado e caçador britânico John Henry Patterson, um tenente-coronel enviado em março de 1898 para a região selvagem de Tsavo, no Quênia, para monitorar a construção de uma ponte férrea sobre o rio Tsavo. O projeto foi planejado para conectar Uganda com o Oceano Índico no porto de Kilindini, visando melhorar a infraestrutura e ampliar o poder do Império Britânico na África.
Antes mesmo da chegada de Patterson, já existiam rumores de leões altamente assassinos que devoravam humanos, espalhando uma onda de medo entre os trabalhadores do empreendimento, principalmente após o desaparecimento de alguns deles em meio a floresta.
Quando o tenente-coronel chegou, os casos aumentaram, mas ele só passou a ficar atento ao perceber um par de leões machos sem juba rondando o acampamento dos trabalhadores à noite e arrastando eles de suas barracas – um comportamento atípico para a natureza de um leão.
(Fonte: Wikimedia Common)
Após esses incidentes, houve um período de calmaria em que os leões desapareceram, apenas para retornarem em episódios de ataques mais intensos. Nenhuma das tentativas dos homens de afastá-los com cercas de espinhos ou fogueiras funcionou.
Até que a situação se tornou insustentável, criando uma atmosfera de pavor tão grande que impedia o trabalho dos homens, expostos a ataques repentinos a qualquer momento do dia. Estima-se que 135 pessoas tenham sido ceifadas pelos leões de Tsavo.
Observando essa ação diariamente, Patterson não só foi o primeiro a documentar o comportamento dos animais para tentar entendê-los, como também a abatê-los – e foi isso que os fez parar de invadir o acampamento.
(Fonte: Field Museum/Reprodução)
Bruce Patterson, curador de mamíferos no The Field Museum, em Chicago, Estados Unidos, é co-autor de um estudo recente que desvendou o mistério de os leões de Tsavo terem apreço por devorar humanos.
Analisando padrões microscópicos nos dentes dos animais, ele descobriu que não haviam sinais de desgaste associado à trituração de ossos grandes e pesados, o que confirmaria um padrão natural em ter humanos como presa. Visto que os animais deixavam os ossos de lado, foi descartado hipóteses anteriores, como a que os leões faziam isso por desespero, porque suas presas habituais morriam de seca ou doença. Naturalmente, eles teriam quebrado os ossos humanos atrás do último pedaço de alimento para suas refeições, mas não foi o que aconteceu.
Portanto, os autores concluíram ser possível que os felinos tenham começado a caçar humanos devido às enfermidades em sua mandíbula, que dificultavam a capacidade de capturar animais maiores e mais fortes.
(Fonte: Wikimedia Commons)
Nos anos 2000, evidências indicando que faltavam três incisivos inferiores em um dos leões de Tsavo foram apresentadas à Sociedade Americana de Mamíferos, além de um canino quebrado e um abscesso considerável nos tecidos ao redor da raiz de outro dente. O outro animal analisado apresentou fratura em um dente superior.
De acordo com Patterson, a pressão criada pelo abscesso teria causado dor o suficiente para que o leão pulasse presas grandes e fosse atrás de pessoas, consideradas alvos insignificantes. Uma análise química publicada em 2009 na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, mostrou que o leão com abscesso consumiu mais presas humanas do que seu parceiro.
Quase um século e meio depois, o mistério dos leões de Tsavo que devoravam humanos foi resolvido, indicando que seus dentes eram perversos, não sua natureza.