Ciência
26/12/2019 às 14:00•3 min de leitura
“Esquecidos”, “sobras” ou “diferentes”. Esses eram os termos usados para classificar os grupos de doentes mentais, portadores de síndromes e deficientes físicos que, na verdade, foram abandonados à periferia da sociedade, mas que foram úteis para as garras do nazismo.
Foi durante a primavera e o verão de 1939 — cerca de dois anos antes do terror que seria o Holocausto — que o diretor da chancelaria de Adolf Hitler, Phillip Bouhler, começou a trabalhar na idealização do projeto que futuramente daria vida ao conceito dos campos de concentração.
Desenvolvido com a ajuda de Karl Brandt, o médico assistente de Hitler, o intuito era criar um sistema de medidas baseadas no conceito da eugenia — purificação da raça — para “curar” a cadeia hereditária alemã. Seriam assassinados todos aqueles que possuíam deficiências físicas, sofressem de problemas psiquiátricos, neurológicos ou qualquer outro que pudesse “descaracterizar” toda uma linhagem genética. Eles eram considerados “pessoas de vida indigna”, sendo que judeus, homossexuais, sem-teto, pessoas fracas e delinquentes também faziam parte dessa soma. Qualquer coisa que demonstrasse um "fardo genético" para a sociedade alemã e monetário para o Estado teria que ser tirado de cena.
Originada do grego, a palavra eutanásia significa “boa morte” ou “morte sem sofrimento”, e foi partindo desse princípio que, em outubro de 1939, Hitler assinou uma nota que dava plenos poderes para Karl Brandt e Phillipp Bouhler darem início à implementação do Programa Eutanásia. O quartel-general ficava no distrito central de Berlim, no número 4 da vila de escritórios da chancelaria chamada Tiergartenstrasse. No pós-guerra, o programa de extermínio passou a ser referido com a abreviação T4, embora haja amplas discussões se os nazistas realmente usaram esse termo. O que se sabe é que também o nomearam como “Aktion”: Ação.
Por ordens de Hitler, alguns médicos alemães foram autorizados a recrutar pacientes considerados incuráveis após exames médicos intensos e definitivos, permitindo que lhes fossem administrada uma dose de uma “morte misericordiosa”. O gabinete do Ministério Interior do Reich expediu um decreto que exigia que todos os médicos, enfermeiras e parteiras reportassem às autoridades o nascimento de crianças que demonstrassem sinais de alguma anormalidade, fosse física ou mental.
O Comitê do Reich para Registro Científico de Doenças Hereditárias e Congênitas começou enviando tropas de seus funcionários para os hospitais, orfanatos e escolas especiais para que preenchessem formulários e fizessem avaliações quanto ao estado dos recém-nascidos, em busca de qualquer “má funcionalidade”. Os médicos apenas revisavam essa papelada sem ao menos prestar um exame presencial nos pacientes. No final das contas, na maioria das vezes, a decisão de que a criança seria morta ou não (o que já é uma crueldade extrema) era determinada com base num achismo e em critérios previstos nas linhas de estudos eugênicos.
Depois das crianças e dos bebês, quando o sistema já "estava nos eixos", foi a vez dos adolescentes até 17 anos de idade e os adultos entrarem para a peneira assassina. Como ainda estavam desenvolvendo seus métodos, a princípio, as pessoas eram mortas com uma injeção letal de morfina e outras substâncias tóxicas. Alguns médicos, no entanto, logo implementaram seus próprios meios, considerados mais “naturais”, como deixar os pacientes morrerem de fome em vez de picá-los com agulhas. Era um processo trabalhoso, mas, dessa forma, ficava mais fácil falsificar as causas das mortes nos atestados de óbitos para as famílias. Só nessa fase “experimental”, estima-se que cerca de 5 mil pessoas morreram pelas injeções.
Quando a lista de pessoas altamente recomendadas para serem assassinadas aumentou, Phillip Bouhler, diretor da chancelaria do Führer, ordenou que fossem construídas seis instalações de gás para que a demanda fosse cumprida. Os centros de eutanásia ficavam em Brandemburgo, Baden-Wurttember, Linz, Saxônia, Saxônia-Anhalt e em Hesse.
Em janeiro de 1940, os guardas nazistas embarcaram em sua expedição de marchar para dentro de casas e instituições médicas ou de ensino, remover milhares de pessoas e transportá-las de ônibus ou trem para esses primeiros centros de genocídio. Uma vez lá, as pessoas eram despidas e colocadas nas câmaras de monóxido de carbono puro disfarçadas de chuveiros. Depois de mortos, em certas ocasiões, os médicos coletavam os cérebros de crianças para estudo, que chegaram a ficar preservados em formol por 70 anos na clínica.
Então, os funcionários ficavam encarregados de jogar os corpos e os pertences das vítimas nas fornalhas situadas ao lado das câmaras de gás e queimá-los. Outros operários do centro removiam as cinzas cremadas e as colocavam em urnas que seriam enviadas aos parentes das pessoas. A causa da morte era forjada e o pó dentro dos recipientes de barro equivalia a mais de 10 pessoas juntas.
Entre janeiro de 1940 e agosto de 1941, cerca de 70 mil pessoas institucionalizadas foram mortas nas seis unidades de eutanásia.
Nas cidades onde eram localizados os centros de matança, os rolos de fumaça quase constante saindo das chaminés dos crematórios e os ônibus esmagando cascalho sem parar rumo ao destino final de milhares de pessoas vistas como quebradas e indignas de viverem, os habitantes começaram a desconfiar da movimentação. As pessoas que trabalhavam nos locais também comentavam sobre o que acontecia para além dos altos muros.
Por isso não demorou muito para que as práticas de extermínio viessem à público e horrorizasse a sociedade, causando grandes protestos, inclusive das igrejas alemãs. Sendo assim, no final de agosto de 1941, por conta das represálias, Hitler interrompeu as atividades de eutanásia.
No entanto, a campanha de assassinatos continuou de uma maneira completamente discreta, fazendo uso dos métodos de injeção, sem envolver os centros de aniquilação ou transporte das vítimas. Eles passaram a agir mais regionalmente, deixando que as autoridades locais determinassem o ritmo dos assassinatos para que não levantassem suspeitas.
A Ação T4 continuou até os últimos dias da Segunda Guerra Mundial, ceifando a vida de mais de 300 mil pessoas. A operação de eutanásia serviu como uma espécie de ensaio para o regime de morte que viria a seguir, representando os anos mais sombrios e grotescos da História, com cheiro de pele queimada e desespero das primeiras vítimas esquecidas do mundo.