Artes/cultura
14/05/2022 às 08:00•3 min de leitura
Na década de 1960, durante uma pesquisa arqueológica, os antropólogos da Universidade de Chicago e da Universidade de Istambul notaram algo não muito natural na composição da colina Gobekli Tepe, que em turco significa “monte com barriga”, localizada na porção sudeste dos Montes Tauros, na antiga cidade de Urfa.
Contudo, naquela época, eles apenas presumiram que as anomalias no topo do planalto de calcário, com algumas lajes quebradas, provavelmente eram fruto de algum cemitério bizantino abandonado.
Mas em 1994, o arqueólogo alemão Klaus Schmidt resolveu averiguar por conta própria o local após ler uma breve menção da colina feita pelos pesquisadores. Assim que colocou os olhos em Gobekli Tepe, ele soube que o lugar era extraordinário e guardava algo diferente, muito além do que os arqueólogos supuseram — e ele estava certo.
(Fonte: Shutterstock)
Durante as escavações, Schmidt descobriu mais de 20 cercados circulares de megalitos com cerca de 11 mil anos, mais de 6 mil anos mais velhos que o Stonehenge, todos com figuras de pedra esculpidas em um período pré-histórico quando não existiam ferramentas de metal ou cerâmica.
A maior das colunas tinha 20 metros de diâmetro, pesava até 10 toneladas, e era um círculo de pedra com dois pilares esculpidos com 5,5 metros de altura no centro. As figuras humanas misteriosas entalhadas na superfície arenosa estavam com as mãos dobradas e com cintos de peles de raposa.
(Fonte: yepyep/Flickr)
Tudo foi esculpido nas camadas naturais de calcário do leito rochoso da colina, a parte mais macia, para que o sílex ou mesmo a madeira disponíveis na época pudessem funcionar, ainda que com muita prática e paciência. O processo de movimentação desses pilares pode ter sido feito usando cordas e vigas de madeira, apesar do peso e magnitude, deslocando-os pela colina.
Além de chegar à conclusão de que Gobekli Tepe é "o templo mais antigo do mundo", após uma década de trabalho, Schmidt acreditava também que o local poderia ajudar a reescrever a história da civilização explicando o motivo pelo qual os humanos começaram a cultivar e viver em assentamentos permanentes.
(Fonte: Michele Burgess/Alamy)
Isso porque as ferramentas encontradas no local pertenciam à última Idade do Gelo, indicando que as construções foram erguidas por caçadores-coletores. Schmidt também escavou milhares de ossos de animais de espécies selvagens, apesar de não ter ainda encontrado nenhuma evidência de grãos ou plantas.
O arqueólogo alemão entendeu que pequenos bandos nômades podem ter unido forças no topo da colina periodicamente para criar essas construções, realizar grandes festas e depois se espalhar novamente, fazendo de Gobekli Tepe um verdadeiro templo, onde todos os tipos de rituais aconteciam, desde enterros até um culto complexo à morte.
Portanto, isso desmantelaria a ideia há muito cultuada pelos arqueólogos de que rituais complexos e a própria religião foram desenvolvidos apenas quando as sociedades começaram a domesticar seus animais e colheitas, na transição para o período Neolítico. Gobekli Tepe então viraria essa linha do tempo de cabeça para baixo em vários aspectos.
(Fonte: Dimitar Chobanov/Alamy)
Com isso, não demorou muito para que a comunidade histórica e o governo turco reconhecessem o poder de existência de Gobekli Tepe, e pessoas do mundo todo começassem a viajar para fazer uma visita às ruínas do templo. O turismo só foi interrompido em 2012 com a guerra civil na Síria, mas, ainda assim, ônibus lotados de curiosos se aventuraram por meio do conflito até o local.
Nos últimos 5 anos, o topo da colina foi remodelado mais de uma vez para adicionar estradas, estacionamentos e um centro de visitantes. Foi só em 2018 que Gobekli Tepe foi adicionado ao registro do Patrimônio Mundial da Unesco.
E apesar de as descobertas de Schmidt, que faleceu em julho de 2014, terem estimulado o interesse global na transição neolítica, nos últimos anos, olhares mais atentos aos resultados de escavações anteriores feitos pela sua sucessora, Lee Clare, do Instituto Arqueológico Alemão, derrubaram as interpretações iniciais feitas por ele sobre o local — muito embora o público de Gobekli Tepe se recuse a acreditar.
Clare e outros estudiosos pensam que o local foi uma tentativa de caçadores-coletores se apegarem ao seu estilo de vida em extinção à medida que o mundo mudava ao seu redor. A possibilidade foi endossada com a quantidade de evidências das regiões ao redor, incluindo os primeiros experimentos na domesticação de animais.
Barbara Horejs, especialista em período neolítico, em entrevista à BBC, ressaltou que a pesquisa que ela, Clare e os demais estão fazendo não visa destruir o trabalho de Klaus Schmidt, apenas que a ótica de interpretação está mudando, porque é disso que se trata a ciência.