Ciência
04/02/2023 às 12:00•3 min de leitura
Tudo já foi (ou é) uma ferramenta política. Engana-se aquele que acha que o menor tipo de entretenimento não carrega nenhum viés político ou que não possa servir como instrumento para isso.
Foi assim com o cinema na década de 1930, durante a sôfrega ascensão do hitlerismo, às portas da Segunda Guerra Mundial na Europa –, quando essa indústria não apenas era a principal forma de entretenimento do mundo, mas também de comunicação. As pessoas iam assistir a um filme pelo menos duas vezes na semana, fazendo de uma sala de cinema um ponto de encontro social tanto quanto os bares e restaurantes.
Tendo como base essa cultura, Joseph Goebbels, braço direito de Adolf Hitler e Ministro da Propaganda do Partido Nazista, decidiu que esta era a melhor maneira de propagar a ideologia nazista. E com o esporte também não foi nada diferente. Governos do mundo inteiro usam do sportswashing para camuflar falhas e problemas de uma nação.
(Fonte: Jenny Matthews/In Pictures/Getty Images)
O sportswashing acontece quando uma pessoa, grupo ou Estado, se envolve com o esporte, seja hospedando eventos ou patrocinando times, para atrair uma imagem pública mais positiva para si ou desviar a atenção de outras questões problemáticas. No caso da Copa do Mundo do Catar, de 2022, no Oriente Médio, a prática tentou ocultar e mudar sua imagem na frente internacional com relação ao péssimo histórico do país com relação aos direitos humanos, a homofobia assassina, preconceito racial e outros problemas sociais.
Megaeventos, como as Olimpíadas, Jogos de Inverno e a Copa do Mundo, possuem um longo histórico de sportswashing em países, sobretudo, com governos autoritários que usaram o esporte para promover uma imagem de estabilidade social e econômica, normalidade e ordem. Conforme as diretrizes dos eventos, essa prática é considerada aceitável, porque é a política em sua mais pura forma – mas desde que nada prejudique a integridade dos eventos.
(Fonte: AP Photo/Reprodução)
A Alemanha nazista deu início à prática, em 1936, ao sediar as Olimpíadas em Berlim. O Comitê Olímpico Internacional (COI) concedeu os jogos de verão a Berlim em 1931, antes da queda do governo de Weimar, e os problemas surgiram assim que o governo de Hitler surgiu.
Sindicatos e grupos oponentes aos nazistas, da França aos Estados Unidos, não aceitaram que as Olimpíadas se tornassem uma peça de propaganda nazista, porém não conseguiram evitar. O governo alemão chegou a convidar os principais interessados para que fizessem uma varredura em políticas discriminatórias, mas claro, com eles controlando cada aspecto para que nada fosse descoberto.
Em 1934, o atleta americano Avery Brundage foi convidado pelos alemães para analisar as políticas internas do evento. Apesar de ter sido recebido com a hospitalidade estatal de mais alto nível, ele foi impedido de se encontrar com qualquer atleta judeu.
A visita de Brundage foi comercializada de uma forma que passava a ideia de que o nazismo acolheria a qualquer um, apesar de sua ideologia, mas tudo isso não passou de pura fachada. A começar pelo histórico pessoal antissemita de Brundage, bem como sua filiação, na época, a um clube esportivo de Chicago que proibia judeus. Tudo foi milimetricamente arquitetado para que passasse a impressão que as Olimpíadas de Berlim poderiam acontecer de maneira imparcial.
(Fonte: Altaf Qadri/AP/NTB/Reprodução)
Durante a Copa do Mundo de 1978, sediada pela Argentina, o esporte foi usado para tentar camuflar o momento em que o governo militar seguia uma política esmagadora de destruir a dissidência por meio de prisões arbitrárias, tortura e desaparecimento de pessoas que se manifestassem contra o governo. Inclusive, existem várias histórias de que autoridades argentinas visitaram os jogadores peruanos antes de a partida extraordinária da Argentina contra o derrotado Peru, resultando em um placar de 6 a 0.
Em 2014, durante as Olimpíadas de Sochi, grupos divulgaram amplamente relatórios que expunham o tratamento dos chineses com os muçulmanos, bem como os campos de trabalhos forçados, esterilização em massa de mulheres e execuções arbitrárias.
Até o momento, não existiu um governante que não ignorasse as críticas apelando para a natureza unificadora do esporte, enquanto tentam a todo o custo promover uma imagem de confiabilidade, respeitabilidade e internacionalismo que, supostamente, o esporte incorpora como um poder transformador – e que, geralmente, são valores irreais.