No coração do mar: a incrível história do navio Essex

09/04/2020 às 14:005 min de leitura

A baleação, ou caça de baleias, é uma prática arraigada na humanidade com registros que datam de mais ou menos 3 mil anos a.C. Alguns especulam que os noruegueses tenham sido os primeiros a caçá-las, há 4 mil anos. Porém, dados mostram que talvez os asiáticos tenham chegado primeiro.

Durante a Idade Média e o Renascimento, quando o óleo e as barbas das baleias começaram a ser usados para comercialização, a caça a esses animais popularizou-se por todo o norte europeu. O óleo era principalmente usado para a confecção de lâmpadas, enquanto as barbas eram utilizadas em espartilhos e saias de argola.

A caça e a coleta às baleias no Ártico podem ter alterado a ecologia da água doce para sempre, contrariando as alegações de que essa prática, com início na Pré-História em águas costeiras, não causou muito impacto na natureza.

No entanto, a baleação industrial foi o maior problema. Esta surgiu com as frotas organizadas no século XVII e a competição entre indústrias baleeiras. Em meados do século XX, vieram os navios-fábrica acompanhados da coleta de baleias. Assim, no final da década de 1930, mais de 50 mil baleias foram mortas anualmente.

Além de suja e gananciosa, a baleação era considerada extremamente perigosa. Por vezes, fatal. Fosse pela reação do animal ao ser capturado ou pelas forças do oceano, reivindicando-o de volta.

A construção de um marco

Um modelo de como era o navio EssexUm modelo de como era o navio Essex.

No início do século XIX, essa caça era considerada como profissão (altamente difícil e arriscada). Os barcos baleeiros, normalmente medindo cerca de 8 metros, eram lançados ao mar com 6 homens a bordo. Depois de serem manobrados próximo ao gigante mamífero, era lançado um arpão preso a uma corda atada à pequena embarcação. Assim que o animal se cansava da luta, os marinheiros matavam-no com uma lança e rebocavam-no para o deque do navio principal, onde a gordura e o óleo eram extraídos.

Entre muitos desses barcos estava o Essex. Esse navio se destacou não por ter um desempenho melhor do que qualquer outro, mas sim por pela sua trágica e marcante história.

Antes de ser destinado à caça de baleias e ao porto em Nantucket, considerada a capital baleeira dos Estados Unidos, acredita-se que o Essex foi construído na pequena cidade de Amesbury (Massachusetts) e usado como navio mercante. A embarcação possuía três mastros, era toda feita de carvalho branco e media cerca de 26 metros de comprimento.

No dia 12 de agosto de 1819, pesando 238 toneladas, o navio deixou Nantucket para uma expedição no mar que duraria 2 anos e meio. Na tripulação havia 18 homens e, no comando, estava o capitão George Pollard Jr. (28 anos) ao lado de seus parceiros Owen Chase e Matthew Joy. Dentre eles, estava Thomas Nickerson, um criado de bordo de apenas 14 anos que serve como prova de que a prática era algo enraizado na cultura.

Muito se falou de estranhos eventos que antecederam a partida do Essex ao longo do verão, como se fossem presságios de mau agouro. Por exemplo, em julho um cometa atravessou o céu, algo que não acontecia há muitos anos. No mesmo mês, uma praga de gafanhotos destruiu diversas plantações e isso deixou famílias inteiras sem ter o que comer ou comercializar. Além disso, o jornal local, o New Bedford Mercury, registrou o que definiram como “um extraordinário animal marinho nunca antes visto” — este era parecido com uma serpente.

Os cantos remotos da Terra

Ninguém poderia prever qual destino estava reservado ao EssexNinguém poderia prever qual destino estava reservado ao Essex.

No dia 14 de agosto de 1819, em apenas 3 dias de viagem, o Essex foi atingido por rajadas violentas de ventos. O navio foi lançado de um lado para o outro e quase naufragou, aterrorizando toda a tripulação inexperiente. No final de setembro, a embarcação, danificada e faltando dois baleeiros, conseguiu chegar à ilha de Cabo Verde na costa da África Ocidental, onde os reparos foram finalmente feitos.

Então, o capitão conduziu-a para a costa sul-americana, próxima ao Brasil. Lá, eles capturaram a primeira baleia cachalote — a maior da subordem Odontoceti e o mamífero com mais dentes que existe na Terra, podendo medir até 20 metros de comprimento e pesar 45 toneladas.

Em meados de janeiro de 1820 o Essex contornou o Cabo Horn, e eles tentaram a sorte com algumas baleias em local próximo ao litoral do Chile, mas sem sucesso. No entanto, assim que chegaram nas águas do Pacífico Sul, perto do Peru, tudo mudou. Os marinheiros capturavam uma baleia cachalote a cada 5 dias e geravam em média 450 barris de óleo.

As condições do tempo e do mar levaram o Essex de volta para as águas a oeste. Em Galápagos, eles estocaram provisões, incluindo 200 tartarugas gigantes para se alimentarem, pois a viagem seria mais dura nos meses que viriam. Isso foi exatamente o que aconteceu: o oceano Pacífico se estendeu para o infinito, e eles boiaram mais de 2.414 km a oeste do Peru com os estoques quase zerados.

No coração do oceano

A representação do desastreA representação do desastre.

Em 20 de novembro de 1820, a tripulação avistou uma gigantesca baleia cachalote masculina liderando vários filhotes, então 3 baleeiros foram lançados ao mar sob o comando do capitão. Eles conseguiram encurralar vários deles, mas um colidiu com a embarcação de Owen Chase, e ele foi forçado a retornar a bordo do Essex.

Foi nesse momento que Nickerson viu uma sombra se agigantar gradualmente sobre o navio, pairando a partir de sua proa: era a cauda de uma enorme baleia, que tinha cerca de 25 metros de comprimento e no mínimo pesava 80 toneladas. Quando o animal desceu a cauda, começou um verdadeiro maremoto, lançando o Essex para todos os lados e enchendo-o de água. O garoto viu quando a baleia colocou a cabeça para além da superfície do mar e sentiu a fúria assassina que estava prestes a vir na direção deles.

A baleia abriu a sua mandíbula de 28 metros de altura, avançou contra o Essex, esmagou-o repetidamente, engoliu várias partes dele — com alguns tripulantes dentro — e deixou um rastro de sangue que pingava de seu maxilar ferido. O animal mergulhou, atravessou o Essex com o seu corpo todo (como se fosse uma porta) e destruiu de vez o navio.

Os baleeiros voltaram para tentar resgatar os seus companheiros assim que viram a catástrofe acontecer. Abandonados à deriva, Pollard acreditava que eles deviam seguir para as Ilhas Marquesas ou as Ilhas Society, a mais de 2,2 mil km dali — era o rastro de terra mais próximo deles. No entanto, Chase e Joy temiam encontrar tribos canibais quando chegassem lá, por isso deram a sugestão de irem para o Peru ou o Chile, embora fosse contra as correntes de vento e estivesse a mais de 7,4 mil km.

Depois de muito deliberarem, aterrorizados, feridos e desfalcados, o capitão cedeu. Então, eles seguiram viagem no dia 22 de novembro, deixando os restos do Essex para trás. Equipados com mais velas improvisadas e carregando provisões para no máximo 2 meses, os baleeiros abriram uma rota pelas águas.

A jornada da morte

Os destroços do Essex nunca foram encontradosOs destroços do Essex nunca foram encontrados.

Com o passar do tempo, a comida foi ficando cada vez mais escassa, apesar de Chase ter racionado e permitido apenas 500 calorias por dia a cada pessoa. Contudo, com poucos tonéis de água, a situação começou a atingir um nível crítico, e os marinheiros sofreram com a desidratação. Para piorar, eles enfrentaram más condições meteorológicas e foram atacados por baleias que quase destruíram os baleeiros.

Um mês depois, quando estavam prestes a morrer de fome e sede, eles chegaram à Ilha Henderson. Lá, encontraram mais água doce do que comida, porém já era o suficiente. Em poucos dias, os homens acabaram com a maioria das aves marinhas da ilha e decidiram que era hora de partir. No dia 27 de dezembro, eles foram embora para a Ilha de Páscoa, a menos de 1,9 mil km, deixando 3 marinheiros que escolheram ficar.

Em 10 de janeiro de 1821, Matthew Joy foi o primeiro marinheiro a morrer em alto-mar, o corppo dele foi jogado às águas. No dia seguinte, 3 homens morreram e foram canibalizados no barco de Hendricks. Sofrendo com a iminência da morte e a fome, os homens no barco de Pollard decidiram sortear quem seria morto e comido. Owen Coffin, primo do capitão, puxou o canudo mais curto e foi baleado no dia 6 de fevereiro; os tripulantes devoraram o corpo dele.

Após 89 dias de provação, a tripulação restante foi resgatada pelo Dauphin (um navio baleeiro americano) no dia 23 de fevereiro de 1821. Em abril, os homens que ficaram na Ilha de Henderson e sobreviveram foram resgatados do isolamento.

Assim que retornou a Nantucket, Chase escreveu várias narrativas sobre a sua jornada a bordo do Essex. Essa sua coletânea de histórias inspirou Herman Melville a escrever o clássico mundial Moby Dick, em 1851. O marinheiro morreu anos depois.

O capitão George voltou ao mar e sobreviveu a mais um naufrágio antes de se tornar um vigia noturno. Até a sua morte, ele passou os seus dias na Ilha de Nantucket contando para os marinheiros os terríveis eventos do eterno Essex. Ele quase lembrava o personagem Ismael, do romance de Herman Melville, referindo-se à baleia como um monstro prodigioso e misterioso que despertava bastante a curiosidade.

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