Ronald Maddison e o experimento britânico com gás venenoso

20/04/2021 às 12:003 min de leitura

É difícil determinar exatamente quando os experimentos em humanos começaram a ser feitos na história, sendo que em 1880, um médico da Califórnia já injetava patógenos da sífilis em garotas que sofriam de lepra em hospitais de contenção localizados em áreas remotas do Havaí; assim como James Marion Sims, considerado o “pai da ginecologia”, já testava anestesia em mulheres negras escravizadas nos Estados Unidos.

No entanto, apesar vários tipos de horrores terem sido feitos há centenas de anos, o século XX ficou marcado como o período em que a ciência mais fez avanços, principalmente motivada pelos conflitos bélicos e as duas grandes guerras mundiais, que foram momentos em que as nações colocarem seus esforços para tentar destruir umas às outras com a melhor tecnologia que pudessem desenvolver.

Até que o Código de Nuremberg e a Declaração de Helsinque fossem estabelecidas, em 1947 e 1964, respectivamente, tanto o governo quanto a potência militar de alguns países continuaram a testar os efeitos de agentes radioativos, de patógenos, de armas bioquímicas e nucleares, fazer experimentos de tortura física e psicológica, do comportamento de drogas no organismo e eficácia de vacinas em pessoas.

A cobaia da guerra

(Fonte: The Sun/Reprodução)(Fonte: The Sun/Reprodução)

No final da Segunda Guerra Mundial, o comitê de cientistas das forças aliadas descobriram que a Alemanha usava um potente gás que agia no sistema nervoso e era chamado de Tabun, sob o codinome de GA. Os britânicos foram enviados para investigar esse agente, porém descobriram que os alemães também desenvolveram gases ainda mais tóxicos e mortais, como o Sarin, conhecido como GB, e que atualmente é classificado como "arma de destruição em massa" na Resolução 687 das Nações Unidas, e cujo armazenamento é proibido de acordo com a Convenção sobre Armas Químicas de 1993.

O composto sem cor e nem cheiro rapidamente atraiu a atenção dos britânicos, que passaram a desenvolver estudos para entender como o Sarin funcionava. Então, em outubro de 1951, em Porton Down, em Wiltshire (Inglaterra), um laboratório de armas bioquímicas instalado desde a Primeira Guerra Mundial, começaram os experimentos em humanos com o gás mortal.

Pelo que foi descoberto, apenas em fevereiro de 1953, com o voluntário de número 562, que eles conseguiram registrar a primeira reação grave do composto tóxico. Em 27 de abril, 6 homens receberam cerca de 300 miligramas de Sarin, e uma das cobaias entrou em coma instantes depois, embora tenha conseguido se recuperar. Foi solicitado pelos líderes dos experimentos que a quantidade administrada fosse diminuída para algo em torno de 10 a 15 miligramas, porém os cientistas continuaram com doses altas, entre 200 e 300 miligramas.

(Fonte: New Scientist/Reprodução)(Fonte: New Scientist/Reprodução)

Foi em 6 de maio de 1953 que o engenheiro e líder aeronáutico, Ronald Maddison, então com 20 anos e a serviço da Força Aérea Real, foi convidado pelo seu superior para que participasse de um experimento. Em troca, ele receberia 15 xelins e uma licença de 3 dias para poder aproveitar. Planejando usar o dinheiro para comprar um anel de noivado para sua namorada, Mary Pyle, ele aceitou a oferta assim como outros 6 militares.

Referido como “Voluntário 745”, Maddison e os outros homens entraram na câmara de gás por volta das 10 horas daquele dia. Todos eles usavam respiradores e peças de uniforme de sarja e flanela amarradas em seus antebraços. Ali foram aplicados 200 miligramas de Sarin puro. Às 10h17, o jovem militar já estava contaminado.

Descartado e oculto

(Fonte: Sputnik News/Reprodução)(Fonte: Sputnik News/Reprodução)

Cada cobaia deveria permanecer na câmara por 30 minutos, contados a partir do momento de contaminação. Às 10h40, Maddison já reclamava estar se sentindo “muito esquisito”. Dois minutos depois, ele disse que não aguentava mais e saiu da câmara, caminhou 30 metros e desabou, suando e tremendo. Uma ambulância foi chamada, e no minuto seguinte o jovem já alegava que não conseguia mais ouvir nada.

Ele recebeu uma injeção de sulfato de atropina por via intravenosa e outra por via intramuscular. Logo depois, Maddison perdeu a consciência e foi encaminhado para o centro médico de Porton Down. Às 10h47, ele foi colocado no oxigênio, mas sua respiração ainda se menteve irregular. Às 11 horas, sua pele adquiriu um tom acinzentado e os médicos não conseguiam mais detectar seu pulso. Foram feitas repetidas tentativas de ressuscitação antes de injetarem anacardona e outras dosagens de atropina em seu organismo. Nada adiantou.

Como último recurso, o militar recebeu uma injeção de adrenalina diretamente em seu coração. Isso o fez aguentar apenas até às 13h30, quando foi declarado oficialmente morto. Em 8 de maio, o médico legista Harold Dale foi comunicado pelo secretário do Ministério do Interior que o inquérito sobre a morte correria em absoluto sigilo, e que ele deveria atestar que a causa da morte foi por “desventura” e parte de uma “idiossincrasia pessoal” – indicando que a pele de Maddison era mais sensível ao veneno, como indicam os arquivos que foram expostos na mídia em 2006.

(Fonte: The Telegraph/Reprodução)(Fonte: The Telegraph/Reprodução)

O pai de Ronald Maddison teve a permissão de comparecer ao inquérito do filho, porém ameaçado de processo sob a Lei de Segredos Oficiais se informasse alguém, incluindo sua família, sob quais circunstâncias o jovem havia morrido.

O Ministério da Defesa entregou o corpo de Maddison em um caixão de aço com a tampa parafusada para impedir que alguém bisbilhotasse o cadáver. Foi descoberto 52 anos mais tarde que os cientistas recolheram partes do cérebro, tecido da medula espinhal, pele, músculos, estômago, pulmão e intestino do jovem para experimentos de toxicologia e aprimoração dos efeitos do Sarin no futuro. Isso tudo foi feito sem o consentimento do pai do jovem, que recebeu apenas 40 euros para cobrir as despesas do funeral.

Porton Down fez tudo isso em uma época em que o princípio do consentimento informado já estava em vigor na doutrina jurídica e na prática médica do Reino Unido desde 1933, mostrando como experimentos governamentais nunca foram parados por códigos de ética ou leis.

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