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13/07/2022 às 04:00•3 min de leitura
O sucesso do podcast A Mulher da Casa Abandonada, produzido pelo jornalista Chico Felitti, tem chamado a atenção para um problema que, diferente do que muita gente pensa, segue existindo no Brasil: as formas atuais de escravidão. Em 2021, 1937 pessoas foram resgatadas no Brasil por estarem trabalhando em condições análogas à escravidão.
Há dados que mostram que este problema é global. Segundo o Índice Global de Escravidão, publicado pela Fundação Walk Free, estima-se que há mais de 45,8 milhões de pessoas enfrentando esta situação hoje no mundo. A maior parte delas está na Ásia (35%) e 2,16 milhões destes trabalhadores estão na América Latina.
Mas se a escravidão foi supostamente encerrada em 13 de maio de 1888, quando a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, como pode esse crime ainda existir no Brasil? Para responder isto, é preciso entender que a exploração de pessoas escravizadas vai além da forma que normalmente enxergamos o fenômeno. Explicaremos neste texto como funciona a escravidão moderna.
(Fonte: gettyimages)
Um dado triste sobre o nosso país é que o Brasil foi a última nação do mundo ocidental a abolir oficialmente a escravidão. Porém, isso não significa que formas deste crime humanitário não sigam ocorrendo por aqui. Para compreender como isto ocorre, é preciso voltar ao conceito de escravidão.
Segundo a Organização Internacional de Trabalho (OIT), considera-se trabalho escravo todo tipo de regime de trabalho degradante que priva o trabalhador de sua liberdade. Mas isto não acontece apenas de maneira literal, prendendo o sujeito na casa do patrão, conforme ocorria antigamente. Também configura como escravidão quando as pessoas são coagidas a não sair do local ou são submetidas a condições tão precárias, com salários ínfimos, que não têm condições de deixar de ser exploradas.
A maior parte dos trabalhadores nesta situação está em ambientes rurais, onde são forçados a permanecer sob a alegação de terem dívidas com fazendeiros. Como estão em áreas isoladas, tem ainda menor chance de pedir ajuda ou conseguir meios de fuga.
Isto não quer dizer que os casos ocorram apenas em zonas rurais. O próprio podcast A Mulher da Casa Abandonada conta a história envolvendo Margarida Bonetti, que levou uma empregada doméstica para os Estados Unidos e, ao lado de seu marido, a manteve lá por quase vinte anos em situação análoga à escravidão.
Dentre as coisas que o casal fazia com a funcionária, estava esconder seu passaporte, não dar acesso à comida da família, pagar salário baixo e mantê-la em situação de isolamento, sob humilhações constantes, enquanto desempenhava tarefas muito além das que seriam adequadas a um trabalhador doméstico.
Embora este problema ainda seja grave no Brasil, o país é visto como avançado na luta contra a escravidão. Um marco nesta questão é a PEC aprovada pelo Senado em 2014, a chamada de PEC do Trabalho Escravo. Ela altera a redação do artigo 243 da Constituição Federal e determina que qualquer propriedade rural e urbana em que for identificada exploração de trabalho escravo seja expropriada, sem qualquer indenização ao proprietário.
A PEC foi considerada uma vitória, ainda que haja indícios de que ela nunca chegou a ser aplicada de fato — e houve inclusive esforços para torná-la ilegal. “O Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] chegou a usar a Lista Suja como documento oficial de que o empregador explorou o trabalho escravo para abrir um processo de expropriação das suas terra, mas a AGU [Advocacia Geral da União] entendeu que, por não ser regulamentada, a emenda era ilegal”, disse à Rede Brasil Atual a procuradora Lys Sobral Cardoso, coordenadora nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.
Isto não significa que outras punições não tenham sido aplicadas aos criminosos. Um caso recente é o da trabalhadora Madalena Gordiano, mantida por condições análogas à escravidão por uma família abastada em Minas Gerais, durante quatro décadas. Após resgatada, Madalena recebeu o imóvel da família e um carro como indenização, além do pagamento de todas as contribuições previdenciárias que deixou de receber durante todos estes anos.
(Fonte: gettyimages)
Segundo o artigo 149 do Código Penal Brasileiro, o trabalho escravo moderno ocorre em quatro modalidades, e basta a configuração de uma delas para que o crime seja caracterizado. São elas: